“Os bancos centrais não podem fazer tudo”

Hélène Rey é a economista de que todos falam, especialmente dentro dos bancos centrais. As suas ideias sobre os enormes fluxos de capital no globo estão a influenciar as políticas. Ao PÚBLICO diz que os controlos de capital “não devem ser um tabu”.

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Hélène Rey é economista na London Business School DR

A revista The Economist diz que é “a próxima Piketty”, assinalando a notoriedade que o facto de ser a principal “cronista do ciclo financeiro global” lhe está a dar. O jornal The New York Times assinala que é a economista que mais está a conseguir influenciar a forma como é conduzida a política monetária, estando as suas críticas à actuação da Reserva Federal a ter eco um pouco por todo o globo.

A francesa Hélène Rey é definitivamente umas das economistas da moda e esteve em Portugal, convidada pelo Banco Central Europeu, para participar no Fórum organizado pelo banco central que reúne todos os anos em Sintra muitos do maiores especialistas de política monetária do globo.

Este é apenas mais um dos convites a que Hélène Rey, investigadora na London Business School, se habituou nos últimos três anos, a partir do momento em que os seus trabalhos, sempre sobre as questões mais difíceis que atravessa a economia mundial, começaram a ser motivo de debate, tanto entre os académicos, como entre os decisores políticos.

O tema com mais destaque é o relacionado com os gigantescos fluxos de capital que, na actualidade, dominam a economia mundial e a forma como devem os governos e os bancos centrais lidar com eles, para evitar crises financeiras como a de 2008. Hélène Rey colocou em causa neste campo ideias até aqui dominantes.

Como explicou em 2014 o então economista chefe do FMI Olivier Blanchard, “Hélène Rey defendeu a noção de que existe um ciclo financeiro global e que os países estão expostos a ele independentemente do regime de taxa de câmbio que usam, sugerindo que única maneira de lidar com isto é através de controlos de capital. Esta é uma posição significativamente diferente e que provavelmente será bastante influente”.

E, de facto, depois de se tornar conhecida por criticar a forma como a Fed afectou todo o globo com uma política de taxas de juro demasiado baixas antes da crise, Hélène Rey tem visto sinais da sua influência na forma como a Fed, e outros bancos centrais, têm agora decidido as suas políticas tendo em conta o que isso pode significar para o resto do mundo.

Em Sintra, em declarações ao PÚBLICO, a economista assinalou que “a Fed tem cada vez mais a noção de que as suas políticas têm um impacto no resto do mundo e também o oposto, que aquilo que acontece no resto do mundo influencia também as suas políticas”. Mas fez questão de não deixar um peso excessivo nas mãos dos responsáveis pela política monetária. “Os bancos centrais não podem fazer tudo. E desde 2008 que têm vindo a fazer muita coisa para ajudar a extinguir o pânico nos mercados financeiros. Agora é necessário outro tipo de políticas porque os bancos centrais não conseguem criar crescimento do nada”, afirma, deixando um recado para os países com economias emergentes. “É verdade que os mercados emergentes têm vindo a ser afectados pelas políticas definidas pela Reserva Federal, mas também são fortemente afectados pelas suas próprias políticas económicas. Não se pode dizer que tudo é por culpa da Fed. Definitivamente não”.

A aplicação de controlos de capital é, definitivamente, uma hipótese a colocar em cima da mesa, segundo Hélène Rey. “Não devem ser um tabu. Claro que os fluxos de capital têm os seus benefícios, mas o meu trabalho mostrou claramente que um ciclo financeiro global também tem custos”, afirma, dando exemplos. “É melhor não ter muitos fluxos de crédito a entrar na economia se se está a começar a ter uma bolha no mercado imobiliário. É preciso agir, primeiro com políticas macroprudenciais [as que desincentivam por exemplo a concessão de crédito à habitação] e, talvez, se for preciso, com controlos de capital. Depende da situação”.

E um país como Portugal, que não tem uma autoridade monetária própria e que não pode decidir por si próprio ter controlos de capital, o que deve fazer para evitar esse tipo de riscos? “Deve ter uma excelente política macro prudencial. Espero que tenham. Seja o Banco de Portugal ou qualquer outra instituição, é preciso que haja muita atenção ao que acontece no mercado imobiliário e à qualidade dos empréstimos que são concedidos”, afirma.

Outra das preocupações de Hélène Rey é a situação na zona euro, onde também pede que se faça mais do que esperar pelos bancos centrais. “Há muito que tem de ser feito. Não podemos ficar parados”, afirma, pedindo em particular “mais estímulos orçamentais financiados pelo União Europeia e uma melhoria muito significativa da qualidade da governação na zona euro”.

Para fazer face ao excessivo peso da dívida em vários Estados-membros, Rey apresentou recentemente uma proposta que inclui um mecanismo de reestruturação da dívida soberana, com o lançamento de eurobonds. “Não seria necessariamente uma partilha de riscos, mas sim a constituição de um activo europeu sem risco. É um pacote de reformas que poderia ser posto em prática”, diz.

Hélène Rey considera a adopção de medidas deste tipo urgente, principalmente agora que a Europa está sujeita aos efeitos do "Brexit", um acontecimento que a economista diz ser “dinamite política”, porque cria as condições para que se tenha “mais extremismo político em toda a Europa.

Artigo corrigido: Hélène Rey é investigadora na London Business School , não na London School of Economics.

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