OPA do Montepio contestada por dois conselheiros da mutualista

Falta de transparência no processo de decisão do banco e da mutualista continua a provocar fracturas internas. Críticas visam ainda o impacto da OPA na “depauperada reserva de liquidez” da associação

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Caixa Económica, liderada por Félix Morgado, vai receber injecção de liquidez da mutualista Enric Vives-Rubio

A Oferta Pública de Aquisição (OPA) lançada pela Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) sobre 26,5% do fundo Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) está a ser contestada internamente, com dois conselheiros a solicitarem que o tema seja debatido esta terça-feira quando for retomada a reunião do Conselho Geral (CG) da mutualista. Em causa está o facto de este órgão, que terá de aprovar a operação, ter tido conhecimento da OPA quando esta foi tornada pública, uma prática recorrente no grupo: Félix Morgado é acusado de ter revelado ao CG que o banco necessitava de 250 milhões de euros em capital quando faltavam apenas três dias para a insuficiência ser suprida.

Em carta dirigida na sexta-feira ao presidente da Mesa da Assembleia Geral da AMMG, Vítor Melícias, os dois conselheiros Carlos Areal e Viriato Silva solicitam que o tema da OPA seja incluído na agenda da reunião do CG que começou a 20 de Junho, continuou a 27 de Junho e vai ser retomada esta terça-feira, 18 de Julho. 

Isto, por considerarem que os estatutos da AMMG não foram cumpridos no “artº 30º, alínea f” que impunha a Tomás Correia que pedisse a aprovação prévia do CG da mutualista antes de lançar a OPA sobre 26,5% do fundo de participação da CEMG. “O que ainda não se verificou”, dizem.

Apesar do investimento estimado ser de 106 milhões de euros, na prática, pode estar em causa um valor menor pois há Unidade de Participação (UPs) na posse de empresas do grupo. O prospecto da OPA está a ser avaliado pela CMVM. A AMMG oferece um euro por cada título. Quando a 4 de Julho, Tomás Correia divulgou ao mercado que a AMMG ia “desviar” o fundo da CEMG da bolsa, as UPs transaccionavam-se a 0,497 euros. E assim que a iniciativa foi conhecida os títulos dispararam para cima dos 97 cêntimos, um nível onde se têm mantido.

No contexto da negociação em curso entre o provedor da Santa Casa da Misericórdia, Pedro Santana Lopes, e o presidente da AMMG, Tomás Correia, para abrir o capital do banco Montepio, a decisão de saída de bolsa tem uma consequência: retirar visibilidade à referência do valor do banco em mercado, deixando a cotação das UPs de servir de barómetro.

É neste quadro de tensão acentuada que os conselheiros da AMMG voltam, esta terça-feira, a sentar-se à mesa. Na agenda conhecida da reunião, que deverá iniciar-se às 15h00, está a discussão em torno da situação financeira e da gestão das várias participadas do grupo Montepio, matérias que têm vindo a ser adiadas devido aos acontecimentos que se desencadearam nas últimas semanas.

Mas é expectável que a polémica continue pois há conselheiros com várias sensibilidades. José Almeida Serra deixou escrito em acta, como o PÚBLICO revelou, que Félix Morgado omitiu do CG a dimensão das necessidades do capital do banco, apesar de as conhecer desde 16 de Dezembro de 2016, quando foi informado pelo BdP que a CEMG teria em 2017 de subir o rácio de capital para 11%, ao qual teria de adicionar mais 1,25% (12,25%).

Na carta que subscrevem, Carlos Areal e Viriato Silva tocam também neste assunto. Para sublinhar “o enorme constrangimento” provocado pela expressão da “necessidade da recapitalização imediata da CEMG, sem que lamentavelmente tivéssemos sido alertados” e “em tempo oportuno” pela equipa de Félix Morgado.

Foi a 27 de Junho, que o CG (que teve de aprovar a operação) foi informado por Morgado que o banco tinha de reforçar o capital em 250 milhões e o devia fazer até 30 de Junho. 

Os dois conselheiros evidenciam que depois do aumento de capital ter sido aprovado por todos os conselheiros, ainda que “certamente a contragosto, mas com consciência, fomos surpreendidos”, agora por uma outra decisão da gestão da Associação Mutualista. Tomás Correia “propôs-se investir 106 milhões de euros das já de si depauperadas reservas de liquidez” para “compra, pelo valor nominal, das UPs que oportunamente tinham sido colocadas junto de numerosos investidores/aforradores”. A iniciativa foi apresentada poucos dias depois da “última sessão” do CG e decorreu sem qualquer indicação do que se preparava.

Os conselheiros evocam que a 4 de Julho, e com a OPA já divulgada, receberam por correio electrónico “uma mensagem contendo a informação” de que Tomás Correia enviara para a CMVM “o respectivo pedido”. À cautela avisam que “não colhe a alegação da necessidade de sigilo ou de informação privilegiada” na medida em que “o valor da oferta de compra é igual ao valor da subscrição”.

Nesse sentido, Carlos Areal e Viriato Silva pedem a alteração da ordem de trabalhos da reunião que hoje vai prosseguir, para incluir como ponto autónomo a discussão da OPA. O objectivo é “dar cumprimento parcial aos estatutos” e possibilitar as declarações de voto que cada um dos conselheiros “entender adequadas”.

Em jeito de conclusão, admitem que o debate venha a acentuar a fractura interna e requerem a Vítor Melícias que, em caso de desacordo, sejam contempladas as condições para que “e em tempo útil” se possa “solicitar a emissão de certidão da deliberação, de modo a recorrer da mesma junto dos canais apropriados”.

Notícia corrigida no título, substituindo "órgãos sociais" por "dois conselheiros"

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