Onde está o dinheiro?

Para que temos um Parlamento? Só para Inquéritos?

Um recente Relatório do Banco de Portugal, revelou que os bancos vão possuir regras mais apertadas na concessão de crédito, passando a ter uma obrigação de avaliação da capacidade de pagamento dos clientes, incluindo na concessão de crédito hipotecário. E quase de seguida, surge o anúncio de mais uma recapitalização, agora da Caixa e uma nova Comissão de Inquérito parlamentar.

Depois de vários desastres bancários - BPN, BES, BANIF - como bem dizia há semanas, o Dr. Fernando Caiado Guerreiro, ainda não existem praticamente acções judiciais de responsabilidade civil e se aplicável, criminal, em relação aos responsáveis activos e passivos das operações que deram origem ao descalabro a que assistimos nos bancos.

São conhecidas as principais causas destes créditos irrecuperáveis: a) financiamento de obras públicas inúteis e cujo único interesse era o recebimento de comissões, por quem as promovia; b) financiamento desmesurado de grupos empresariais, sem qualquer consistência patrimonial, facto que não podia deixar de ser do conhecimento da instituição de crédito, pois se isso até era, em muitos casos, do conhecimento publico; c) financiamentos com base em garantias hipotecárias de imóveis sobreavaliados; financiamento, melhor dito, promiscuidade, entre as instituições de crédito e os seus próprios accionistas, amigos e parentes, na concessão de empréstimos, d) pagamentos de prémios de gestão absurdos e) investimentos negligentes em “produtos tóxicos “ etc., etc..

Todos estes actos de gestão ruinosa, foram praticados por pessoas que existem e em muitos casos sabe-se até onde estão.

Na esfera dos bancos, que agora apelam ao Estado (contribuintes, melhor dito) que os salvem, não se sabe ainda quem propôs e autorizou estes financiamentos? Quem avaliou o risco? As empresas devedoras ou os seus accionistas também eram accionistas do banco mutuante? Quem avaliou os bens dados em garantia?

Mas não basta, nem leva a lado algum, limitar as auditorias aos bancos. É necessário intervir na esfera das empresas devedoras: Os financiamentos foram aplicados nos fins a que se destinavam? Que montantes desses empréstimos foram transferidos da empresa devedora para contas particulares dos seus accionistas ou empresas destes? Que prémios, benefícios para os accionistas ou administradores dessas empresas foram usufruídos, antes da devedora se tornar incapaz de cumprir as suas obrigações com o banco?

Parte deste dinheiro dos financiamentos a empresas, que foi desviado dos seus fins e transferido para particulares e nalguns casos para os seus próprios accionistas e administradores, não se esfumou completamente. A totalidade será impossível reaver, mas uma parte significativa é possível recuperar à custa do património (ainda que convenientemente registado em nome de terceiros) desses beneficiários reais das imparidades bancárias. Estas pessoas e seus cúmplices na ocultação desse património, têm de ser levadas à justiça civil e criminal, quando for o caso.

Difícil de apurar, até não é. As bases de dados já existentes, nomeadamente o cruzamento de informação entre os vários bancos e entre estes e a autoridade fiscal, chegará para seguir o percurso de boa parte do “dinheiro das imparidades” e sua ligação a “ fortunas súbitas”.

Claro que a determinação da ilicitude dos actos praticados, cabe aos Tribunais e apenas a estes. Mas o nosso sistema judicial tem o quadro de magistrados que existe, estes não têm estruturas de apoio, nem pessoal suficiente para levarem a bom termo estas investigações, com base em meras denúncias. Todo o trabalho investigatório, tem de ser conduzido pelas entidades reguladoras, auditoras e inspectivas. Os processos tem de chegar aos magistrados, já num estado muito avançado de investigação.

Para dar eficácia a tudo isto, em que seguramente todas as pessoas estarão de acordo, menos os visados, algumas alterações legislativas podem ser necessárias, inclusive algumas leis de excepção a vigorar por tempo limitado e com escrutínio, nomeadamente do Tribunal Constitucional.

Mas se estamos perante a eminência de ter duas ou três gerações de portugueses a pagar esta inusitada “ burla colossal”, que consistiu o dito “crédito mal parado”, ficando os reais responsáveis nem sequer incomodados (á excepção de meia dúzia, até agora), para que temos então um Parlamento? Só para Inquéritos? Não está na altura de “ se mexerem “por isto? Ou é pedir muito?

Jurista

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