OE a meio do caminho: há tantas razões para duvidar como para confiar

No meio da incerteza gerada nas contas do Estado pela conjuntura económica, o Governo parte para a segunda metade do ano com 94,2% das cativações a poderem ser usadas como almofada.

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Défice está 971,2 milhões abaixo do registado no ano passado Daniel Rocha

É com as receitas fiscais a crescerem menos do que o previsto, o investimento público a ser a rubrica mais visada pelo esforço de contenção e ainda 94,2% das cativações de despesa a poderem ser bloqueadas em caso de emergência que o Governo parte para uma segunda metade do ano que se adivinha muito difícil para o cumprimento das metas orçamentais com que se comprometeu em Bruxelas.

Os dados da execução orçamental até Junho publicados esta segunda-feira pelo Ministério das Finanças dão pistas sobre onde estão os pontos de tensão e os motivos de confiança no desenvolvimento das contas públicas deste ano, mas deixam ainda um grande espaço para dúvidas, tantas são as particularidades e incertezas que subsistem neste exercício orçamental. E do lado do Governo, em resposta às incertezas, o trunfo na manga que continua a ser apresentado é, tal como na carta enviada a Bruxelas, o da despesa cativada que, em caso de necessidade, o Governo diz que pode nunca ser utilizada.

“As cativações são uma margem de segurança que o Governo reforçou este ano e que podem ser usadas em caso de necessidade”, afirmou em declarações ao PÚBLICO o secretário de Estado do Orçamento, João Leão. Do total das cativações de despesa feitas, revela ainda 5,8% foram desbloqueadas até ao passado dia 30 de Junho, o que significa que a maior parte desta poupança potencial está ainda à disposição do Executivo.

Mas serão os serviços públicos capazes de resistir a este esforço de contenção e concluírem o ano sem recorrer às verbas cativadas? João Leão acredita que sim, argumentando que no seu exercício orçamental os serviços não estão a contar com essa despesa e assinalando que “em anos anteriores, nem sempre as cativações foram todas libertadas, há sempre uma parte das cativações que se mantém até ao fim do ano”.

Como está o plano A

Se as cativações são o plano B, para já ainda está por saber se o plano A funciona ou não. Os números relativos ao primeiro semestre agora divulgados trazem boas e más notícias. No total, dizem as Finanças, o défice das Administrações Públicas cifrou-se em 2867,2 milhões de euros. São menos 971,2 milhões de euros do que em igual período do ano passado – e 52,2% do valor programado para o total de 2016. Isto é, para as contas baterem certo no fim do ano, o défice terá de ser ligeiramente inferior durante o segundo semestre.

Os números depois reforçam a ideia de que as coisas estão a correr pior do que o previsto do lado da receita, mas em compensação estão melhor do lado da despesa.

A receita efectiva da Administração Central e da Segurança Social registou, até Junho, um crescimento de 3%, menos do que os 4,9% previsto no OE. A receita fiscal, por seu lado, abrandou de uma taxa de variação de 3% até Maio para 2,7% até Junho, afastando-se ainda mais da subida prevista no OE de 3,5%. Os três maiores impostos IRS, IRC e IVA estão abaixo das expectativas, com este último a crescer apenas 0,4%, não confirmando a meta de 3,2% do OE. Mais positivos estão os impostos especiais sobre o consumo, que foram sujeitos a acréscimos de taxas.

Será este abrandamento da receita fiscal o resultado expectável de uma conjuntura económica que o próprio Governo já assumiu que está a ser pior do que a traçada no cenário macroeconómico do OE? O secretário de Estado do Orçamento ainda não não está convencido que esse seja o caso. “Há factores de incerteza na conjuntura, reconhecemos, mas o ritmo da arrecadação da receita até agora não sugere que esta esteja a ser afectada”, afirma. João Leão defende que foram alguns factores pontuais na cobrança de imposto, como a evolução dos reembolsos do IVA no início do ano passado, que afectaram a variação da receita fiscal nesta primeira metade do ano, tudo apontando para que se verifique a até ao final de 2016 uma convergência em direcção às metas estabelecidas. “Até ao momento, os resultados são bastante positivos”, diz.

Do lado da despesa, as taxas de variação são mais favoráveis do que as meta do OE. A despesa total registou na primeira metade do ano um crescimento de somente 0,6%, quando a variação implícita no OE é de 5,8%, com a explicação concentrada em duas rúbricas: a aquisição de bens e serviços e o investimento.

A despesa com aquisição de bens e serviços caiu, face ao ano passado, 2,7%, uma poupança se se levar em conta que o orçamentado era um acréscimo desta despesa de 1,7%. No investimento, por seu lado, prolonga-se a forte contenção que se tem vindo a registar ao longo do ano, com uma queda de 19,5% face ao ano passado. No OE previa-se um crescimento de 14,8%.

Curiosamente, também aqui, o secretário de Estado espera que se possa vir a verificar uma convergência face aos objectivos iniciais. “O investimento é a rúbrica mais volátil e a execução é muito sensível ao ritmo de execução dos fundos comunitários”, afirma, explicando que, em contraponto, a não entrada de fundos se traduz numa redução da receita de capital. De qualquer modo, diz João Leão, “o Governo espera que haja uma retoma do investimento este ano”.

E em contabilidade nacional?

Para além destas dúvidas, há ainda uma incerteza de natureza contabilística. É que todos estes valores são calculados na óptica da contabilidade pública, um método estatístico que não é o utilizado para calcular o défice que é reportado a Bruxelas (nesse caso os cálculos são feitos na óptica da contabilidade nacional). Entre outras diferenças, enquanto na contabilidade pública, o que conta são as entradas e saídas de dinheiro, na contabilidade nacional os registos são feitos logo no momento em que é assumido um compromisso de despesa.

O que isto significa, por exemplo, é que se o Estado contratar um serviço ou comprar um bem, mas não os pagar imediatamente, essas despesas são registadas em contabilidade nacional, mas não aparecem em contabilidade pública.

Até ao final de Junho, de acordo com os dados das Finanças, o montante total das dívidas não financeiras tinha-se agravado em 348 milhões de euros face ao início do ano, o que mostra o adiamento no pagamento de algumas despesas. No entanto, no mesmo período do ano passado, o crescimento desse indicador até foi ligeiramente maior, de 390 milhões de euros.

Os dados do défice em contabilidade nacional até ao momento disponíveis referem-se apenas ao primeiro trimestre deste ano. As contas até Junho serão divulgadas apenas mais tarde e são responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE). O secretário do Estado do Orçamento confia, contudo, que os números do défice em contabilidade nacional “estarão de acordo com as previsões”.

Entre os partidos que apoiam o Governo e a oposição, a análise às contas publicadas não poderia ser mais diferente uma da outra. Duarte Pacheco do PSD vê uma "receita que cresce muito abaixo do estimado, o que prova que a economia está praticamente à beira da estagnação" e uma despesa “maior que a de 2015, apesar de o Governo fazer um corte brutal no investimento, praticamente 20%”.

João Galamba, do PS, observa resultados “positivos que confirmam aquilo que o Governo tem dito de que a execução está em linha com o esperado e que não há justificação para qualquer drama ou para anúncios catastrofistas em torno do cumprimento das metas orçamentais"

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