O sr. Baptista é saudável e corre poucos riscos de queda, diz-lhe o telefone

Fraunhofer já está a comercializar programa de monitorização de parâmetros de saúde de idosos desenvolvido com empresas portuguesas.

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António Baptista é um dos 400 idosos portugueses que, no Porto e em Évora, aceitaram testar o SmartCompanion LARA JACINTO/NFACTOS
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A Fraunhofer Portugal está a desenvolver um ambiente para smartphones e aplicações capazes de apoiar, e monitorizar, o estado de saúde de pessoas, principalmente idosos, a viverem sozinhos, ligando-os também a um cuidador. O Smart Companion já está à venda em alguns países europeus, sob a marca GoLifePhone, mas em casa do sr. Baptista, no Porto, e de outras 13 pessoas, as soluções continuam a ser testadas para que possam ser usadas, com a maior facilidade possível, por muitos daqueles que, no dia-a-dia, têm pouco contacto com a tecnologia.

António Baptista é, aos 77 anos, uma excelente cobaia das soluções desenvolvidas no centro de Investigação da Fraunhofer, no Porto. Apesar da idade, tem interesse pelas tecnologias e usa criticamente as ferramentas que, durante, dois meses, lhe foram colocadas nas mãos. Há três anos que este portuense apoia o instituto de origem alemã, participando nos testes em projectos na área do “Ambient Assisted Living”, o AAL, depois de ter sido descoberto pela enfermeira Sílvia Rego, responsável pela Rede Colaborar, quando frequentava um curso básico de informática na Junta de Paranhos. É um dos 400 membros desta rede de pessoas que aceitam experimentar as soluções desenvolvidas.

O AAL4ALL é um projecto âncora do Health Cluster Portugal, um investimento de 6,8 milhões de euros financiado pelo QREN que envolve dezenas de entidades, entre universidades, centros de investigação e empresas da área das tecnologias da informação e da saúde, lideradas pela Fraunhofer Portugal. Uma das linhas de trabalho deu origem ao SmartCompanion, que começa por ser um esforço de adaptação de telemóveis, com um sistema operativo vulgar, o Android, num aparelho que pode ser manuseado, intuitivamente, por pessoas com pouca propensão para as tecnologias, mas às quais as tecnologias podem, de alguma forma, ser úteis.

Para além do ambiente, que pode simplisticamente ser descrito como uma espécie de novo sistema operativo com grandes ícones e um desenho fácil de entender, o projecto inclui o desenvolvimento de aplicações, novas ou já existentes, para monitorizar um conjunto de parâmetros relacionados com a saúde e o bem-estar do utilizador. Cujos dados são partilhados num portal online, acessível a um cuidador – Dina, a sua filha mais velha, no caso de António Baptista – que pode, remotamente, acompanhar a evolução do estado de saúde do seu familiar. Em Évora, zona onde há muita gente isolada e onde decorre também este piloto do Smartcompanion, é a GNR que tem a incumbência de monitorizar o utilizador-cobaia.

O software tem sido desenvolvido por mais de uma centena de pessoas no centro de investigação Fraunhofer Aicos, instalado no UPTEC - Parque Tecnológico da Universidade do Porto, na Asprela, em Paranhos, a poucas centenas de metros do Bairro de São Tomé, onde António Baptista, 77 anos, reformado a fazer umas horas como agente do Círculo de Leitores, vive com a mulher, Conceição. Há 40 anos, precisamente, os dois tinham ocupado este apartamento com os três filhos. Trouxeram uns colchões e todos os dias, à noite, vinham do Bairro de Pereiró dormir numa casa com porta e ferrolho improvisados, acompanhando, desta estranha maneira, o andamento das obras que, naquela época de sobressalto pós-revolucionário, decorriam com a normalidade possível, de dia.

Em Fevereiro de 75, a casa foi-lhes oficialmente entregue e puderam trazer ainda a avó dele e uma tia dela. E por aqui ficaram. Os filhos cresceram e, como se pode ver por um belo retrato na sala, tipo Família Forsyte, a deles cresceu à dimensão de uma equipa de futebol, e já inclui um bisneto. Reúnem-se todos, ao domingo à tarde, e não lhes faltam visitas à semana. Por isso, os Baptistas, que se casaram num 24 de Dezembro, às sete da manhã, há 55 anos, vivem sozinhos, mas é como se não vivessem. O que os torna umas cobaias imperfeitas, nesse campo, dado não representarem o estereótipo dos 400 mil idosos que, só em Portugal, não têm companhia, e que são o mercado preferencial deste tipo de soluções.

No mundo ocidental, o envelhecimento da população está a fazer aumentar, a um ritmo galopante, o número de pessoas nessa condição. No Reino Unido, por exemplo, 2,5 milhões de pessoas com mais de 75 anos, ou seja, metade desta franja etária, vivem sozinhas. Percebe-se, por isso que, segundo o investigador Filipe Sousa, a Fraunhofer tenha desenvolvido versões em inglês, alemão, francês, espanhol, sueco, norueguês e mandarim, para o mercado chinês, do seu SmartCompanium, que já é comercializado por uma firma sedeada na Holanda, sob o nome comercial GoLifePhone.

Com o AAL4ALL, o Health Cluster pretende “criar um mercado nacional orientado para produtos e serviços destinados a Ambient Assisted Living (AAL)”. E este projecto já está a contribuir para esse objectivo, tendo em conta que a Fraunhofer obtém já receitas por cada licença vendida do GoLifePhone, enquanto continua a melhorar e a acrescentar novas funcionalidades ao serviço, em colaboração com as empresas do sector.

O Smartphone de António Baptista diz-lhe que é um idoso activo. Afinal, o trabalho de agente do Círculo de Leitores obriga-o a uma volta a pé diária – não tão grande quanto no tempo em que as enciclopédias se vendiam como pãezinhos, nota – para entregar livros e receber encomendas de clientes. O monitor de actividade não engana. Nos dias de semana o gráfico mostra-lhe uns milhares de calorias queimadas e assinala bem mais do que os 150 minutos de actividade física vigorosa semanais que a Organização Mundial de Saúde recomenda. Ao fim-de-semana, a curva acalma. Se isso não acontece, é porque foram “passear à tarde”, lembra Conceição.   

Com tanta actividade, e poucos problemas de saúde, este homem que até já foi operado "à máquina" – o coração, no caso – corre poucos riscos de queda. Pelo menos é que lhe diz outra aplicação que, com recurso ao acelerómetro, mede a velocidade de deslocação, as assimetrias no corpo (uma perna mais curta que outra, se for o caso, por exemplo), a actividade e as transições entre posições (deitar, sentar, levantar). O monitor do sr. Baptista, espécie de conta-rotações, não sai do verde. Bom sinal.

Outra aplicação, esta “inútil” para este filho de uma criada de servir que aprendeu a sua profissão, artes gráficas, no Colégio dos Salesianos, pede-lhe, com dois toques, para abrir o programa e escolher a opção, que diga (através de um imoticon), se está muito bem, apenas bem, aborrecido ou mal. “Eu estou sempre bem ou muito bem” garante. Não espanta por isso que a filha lhe tenha ligado de imediato, há umas semanas, surpreendida por receber o SMS automático indicando que o pai estava aborrecido. “Bom. Eu tenho os dedos grossos, um bocado atrevidos, e isto às vezes vai sem querer”, explica António Baptista, dando conta de um dos problemas que as equipas envolvidas no projecto tentam minimizar.

Filipe Sousa assume que nem tudo o que o SmartCompanion oferece é original. A possibilidade de ligar automaticamente para o 112, o ICE (In Case of Emergency), que permite a um socorrista verificar a identidade, dados de saúde, medicação, alergias de uma vítima e ligar de imediato para os cuidadores definidos, existe noutras aplicações no mercado. O que a Fraunhofer está, com os seu parceiros, a fazer, é a criar um ambiente amigável, onde essas soluções, com um desenho e funcionalidades adaptadas às necessidades, sejam efectivamente utilizáveis pelo público-alvo.

O telefone é igual a outro qualquer, permitindo a instalação de apps convencionais, como browsers para navegar na Internet e outras. E claro, rápido como é na adatação, António Baptista já se diverte, como todos, a fotografar com ele. "Temos utilizadores de todo o tipo. Alguns nunca pegaram num smartphone e têm muitas dificuldades, mas são essenciais para percebermos as limitações de uma parte das pessoas, e tentar chegar a uma solução. Se for utilizável por estes, sê-lo-á pelos mais aptos", nota Sílvia Rego.

O projecto inclui o desenvolvimento das mesmas soluções para tablets e, numa iniciativa da Meo, os dados recolhidos no smartphone até podem ser vistos no televisor do utilizador e do respectivo cuidador, evitando assim a necessidade de um computador. O acesso à Internet, que é pago, ainda é inevitável, mas noutra linha de trabalho há quem esteja a tentar que os dados sejam transferidos via SMS, para baixar os custos de utilização do SmartCompanion, adianta Filipe Sousa.

A Fraunhofer espera conseguir integrar novas funcionalidades, no domínio da nutrição e da indução, neste campo, de comportamentos saudáveis. O investigador acrescenta que, mais dia menos dia, estes e outros tipos de dados, como a tensão arterial, serão recolhidos no telefone e enviados directamente para a ficha electrónica de cada um de nós no Serviço Nacional de Saúde. O que permitirá uma monitorização mais sistemática, e sem necessidade de deslocações frequentes às consultas do médico de família. Sendo que, facilmente, este poderá receber um alerta, quando algum parâmetro se afastar dos valores normais.

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