Afinal, que ideias dos 12 economistas do PS ficaram para trás?

O Governo cedeu, já todos sabemos. À esquerda e em Bruxelas. Entre a apresentação do relatório dos 12 economistas coordenados por Mário Centeno e a proposta do Orçamento, há mudanças significativas. Veja oito exemplos.

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Mário Centeno, actual ministro das Finanças, coordenou relatório que antecedeu o programa eleitoral do PS Nuno Ferreira Santos

Do grupo de 12 economistas a quem o PS pediu para traçar o cenário macroeconómico do seu programa eleitoral, saíram, até agora, os três principais ministros das áreas económicas; dois secretários de Estado; um assessor económico do primeiro-ministro; e ainda dois dos deputados com mais destaque na Comissão de Orçamento e Finanças.

Além de terem sido decisivos na definição do programa com que o partido concorreu às eleições, é inquestionável a influência que estes economistas têm agora na condução da política económica do Governo. Ainda assim, passados dez meses desde a apresentação do relatório “Uma Década para Portugal”, fica a dúvida se o que tinham defendido como estratégia para o país sobreviveu às duas difíceis negociações que PS e Governo fizeram. Primeiro com os partidos à sua esquerda e depois com Bruxelas.

Entre o relatório e a proposta de Orçamento do Estado (OE) entregue, sexta-feira, na Assembleia da República há muitas diferenças. Algumas podem estar relacionadas com o facto de haver medidas em fase de estudo, mas é evidente também o efeito que as concessões realizadas nas negociações com o BE, PCP e PEV, primeiro, e com a Comissão Europeia (CE), depois, tiveram no conjunto das medidas adoptadas e no impacto projectado para a economia.

Com os partidos à esquerda, as vítimas principais terão sido as intenções de mudanças estruturais nos mercados de trabalho e de produto. Com a Comissão, perdeu-se uma parte significativa do estímulo de curto prazo que se pretendia dar à economia para desbloquear o potencial de crescimento.

Numa entrevista ao Expresso este sábado, o ministro das Finanças garantiu que entre os planos iniciais e aquilo que surge no orçamento “há traços que permanecem muito claros”. Uma análise às prioridades definidas pelos economistas e aquilo que está presente no OE mostra o que ficou e o que desapareceu ou foi adiado.

O impulso para a economia que perdeu força

Era uma das ideias centrais do relatório dos economistas do PS e mantém-se, em todos os discursos, como uma prioridade do Governo: desbloquear o potencial de crescimento da economia portuguesa através de um impulso de curto prazo no rendimento das famílias, principalmente as mais pobres.

Para isso, eram apresentadas duas linhas de acção principais. Primeiro, reverter de forma mais rápida do que a prevista pelo anterior Governo as medidas de austeridade temporárias, como o corte salarial na função pública e a sobretaxa de IRS. E, segundo, reduzir a taxa de contribuição para a segurança social (TSU) dos trabalhadores até 4 pontos percentuais de forma gradual entre 2016 e 2018. Este corte da TSU seria temporário e resultaria numa redução do valor das pensões desses trabalhadores no futuro. A ideia era injectar dinheiro na economia já, quando mais é preciso.

Os economistas avançavam ainda com a criação de um complemento salarial anual para os trabalhadores com menores rendimentos, para os retirar do limiar da pobreza.

Na negociação com os partidos de esquerda muita coisa mudou. Por um lado, a ideia do corte temporário da TSU foi quase totalmente abandonada e a redução passou a aplicar-se apenas aos trabalhadores com salários abaixo de 600 euros. Em compensação, a reversão dos cortes salariais e da sobretaxa foi acelerada, numa tentativa de responder aos pedidos do Bloco de Esquerda e do PCP para eliminar já essas medidas. De igual modo, a fórmula de actualização das pensões deixou de estar congelada.

Na prática, Governo abdicou, com a negociação à esquerda, da estratégia de antecipação de rendimentos para todos os trabalhadores, centrando a política de recuperação dos rendimentos na devolução da sobretaxa e nos funcionários públicos, com a TSU com um efeito mais marginal junto dos trabalhadores mais pobres.

Ao negociar com Bruxelas, já no último dia de discussões, mesmo a redução da TSU para os mais pobres acabou por cair, para garantir mais 135 milhões de euros de redução do défice. Além disso, foram introduzidos impostos sobre o consumo que, de forma indirecta, afectam o poder de compra das famílias. É o caso dos combustíveis, das compras de veículos, do tabaco ou do acesso ao crédito ao consumo.

Pelo meio, o Complemento Salarial Anual (CSA) deixou de estar previsto para 2016, estando contudo em fase de estudo para aplicação durante a legislatura.

No total, a perda da medida de redução da TSU dos trabalhadores e o lançamento de novos impostos foram compensados apenas parcialmente pela aceleração da reversão das medidas de austeridade. O estímulo de curto prazo para desbloquear o potencial de crescimento da economia será assim consideravelmente menor. Isso ajudará a explicar porque é que os 12 economistas apontavam para um crescimento da economia de 2,4% este ano e agora, no OE, a previsão não vá além dos 1,8%.

A taxa que ia descer, mas ficou pelo caminho

Os economistas do PS viam também nos constrangimentos financeiros do sector empresarial um obstáculo ao arranque da economia, ao investimento e à criação de emprego. E entre as principais medidas sugeridas para a resolução desse problema estava mais uma vez a TSU, neste caso a empresarial, que sugeriam descesse 4 pontos percentuais de forma permanente, mas gradual até 2018. Eram previstas medidas de compensação, como a travagem da descida do IRC, para não afectar o financiamento da Segurança Social.

No acordo com os partidos à esquerda, a descida da TSU caiu, desaparecendo por isso um dos estímulos que era dado ao sector empresarial, até porque o congelamento do IRC, que supostamente era uma medida de compensação, se manteve.

No apoio ao sector da restauração, a descida do IVA dos 23% para 13% fez também parte das sugestões dos economistas. Essa medida sobreviveu quase incólume até ao OE, acabando por ficar de fora apenas algumas bebidas. Outra medida que se manteve foi a aceleração da execução dos fundos comunitários.

A função pública ainda precisa de encolher

Na área da Administração Pública, os economistas tentaram marcar a diferença face às medidas do governo de Passos Coelho/Paulo Portas. Apontavam para a eliminação dos cortes salariais dos trabalhadores do Estado em dois anos (em vez de quatro); ponderavam a possibilidade de redução do horário semanal para as 35 horas, desde que isso não tivesse repercussões orçamentais; prometiam o descongelamento das progressões na carreira a partir de 2018 e destacavam a importância de contratar jovens quadros para rejuvenescer a Administração, estabilizando o número de funcionários.

Das negociações com os partidos de esquerda saiu uma boa notícia: o fim dos cortes salariais foi acelerado e em Outubro as reduções desaparecem por completo. As restantes medidas mantiveram-se e foram integradas no programa de governo do PS.

Contudo, a negociação com Bruxelas ditou alterações significativas na gestão de pessoal no Estado. Em vez de estabilizar o número de trabalhadores e aliviar as restrições às novas entradas, o Governo foi obrigado a recuperar a regra que apenas permite a entrada de um novo trabalhador por cada dois que saem e a reduzir 10 mil funcionários até ao fim do ano.

Centeno quis inovar no despedimento mas abdicou 

A equipa de Centeno propunha duas medidas para resolver o problema do uso excessivo de contratos a prazo e reduzir a litigância laboral em caso de despedimento. A introdução do despedimento conciliatório para os novos contratos (que aproximava o despedimento individual do colectivo e aumentava as compensações pagas aos trabalhadores despedidos) e a redução dos contratos a prazo (limitando-os à substituição de trabalhadores). Ao mesmo tempo, propunham penalizar a TSU paga pelos empregadores com elevada rotação de trabalhadores.

As medidas foram plasmadas no programa eleitoral, mas após a assinatura dos acordos com o PCP, BE e PEV, o PS teve de rever os objectivos. O despedimento conciliatório — que gerou polémica desde o primeiro momento, mesmo dentro do PS — caiu e os socialistas prometeram que a medida não constaria do seu programa.

A redução do âmbito dos contratos a prazo e o aumento da TSU para penalizar a precariedade passaram incólumes e constam do programa do Governo. As medidas deverão ser analisadas no âmbito do Plano Nacional Contra a Precariedade que será apresentado e debatido na Concertação Social.

O documento dos economistas não apontava qualquer meta para o aumento do salário mínimo nacional (SMN). O assunto nem era abordado. No programa eleitoral, António Costa também era vago: prometia revalorizar o SMN, sem apontar valores.

No acordo assinado com o BE fixou-se o compromisso de que o SMN atingiria os 600 euros durante a legislatura. No programa de Governo, o PS fixou os aumentos anuais até 2019. A primeira etapa já está em vigor: o SMN subiu de 505 para 530 euros em Janeiro de 2016.

Um nó górdio por resolver

No documento dos economistas estavam previstas três medidas para diversificar o financiamento da Segurança Social: a consignação de parte da receita do IRC, a criação de um novo imposto sobre heranças de elevado valor e um encaixe com as receitas adicionais geradas pela taxa de penalização da rotação excessiva aplicada aos empregadores. Estas medidas eram, depois, compensadas pela redução gradual da TSU das empresas em 0,4 pontos percentuais até 2018, medida que se tornaria permanente de 2018 em diante.

No programa eleitoral, a consignação das receitas de IRC foram substituídas pela intenção de alargar a incidência dos descontos das empresas aos lucros. Ao mesmo tempo, o PS comprometia-se a baixar a TSU dos contratos permanentes suportada pelos empregadores. Com os acordos assinados com a esquerda, o Governo deixou cair a redução da TSU das empresas e as restantes medidas ficaram em banho-maria. A diversificação das fontes de financiamento será debatida na Concertação Social.

A principais mudanças

Nas negociações com a esquerda:

  • Os cortes salariais na função pública vão desaparecer mais depressa
  • A redução da sobretaxa do IRS é acelerada
  • Só os trabalhadores com salários abaixo de 600 euros passariam a pagar menos TSU
  • Desaparece a intenção de cortar a TSU paga pelas empresas
  • O despedimento conciliatório é eliminado do programa do Governo

Nas negociações com Bruxelas:

  • Foram introduzidos novos impostos que aumentam a tributação sobre os combustíveis, as compras de veículos, o tabaco ou o acesso ao crédito ao consumo
  • O corte da TSU para os trabalhadores com salários inferiores a 600 euros foi afinal adiado
  • Será recuperada a regra que apenas permite a entrada de um trabalhador por cada dois que deixam o Estado
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