O que não se está a discutir sobre a CGD

Não se entende o racional da venda da rede da CGD em Espanha.

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) tem estado no palco mediático por diversas razões, mas nem sempre devido a questões verdadeiramente importantes, ligadas ao seu futuro. O discurso político centraliza as atenções, mesmo quando os sons não são mais do que ruídos, e temas fulcrais acabam por ser marginalizados. Só neste contexto é que é possível compreender que não se esteja a discutir a razoabilidade da venda da rede da CGD em Espanha, abrindo totalmente o caminho aos concorrentes directos.

A alienação da operação espanhola é parte do que foi combinado com Bruxelas em troca da recapitalização, mas faz pouco sentido, pelo menos com as informações que estão disponíveis.

Espanha é o principal parceiro comercial de Portugal, com um peso de 25% nas exportações e envolvendo milhares de empresas. Olhando apenas para dados do primeiro trimestre, período em que a venda de bens puxou pelo crescimento do PIB, foi de Espanha que veio o maior contributo para a evolução das exportações.

Ora estas empresas, portuguesas e não só, precisam de ter um banco, preferencialmente ligado às duas realidades, que as apoie, nomeadamente ao nível do financiamento à tesouraria ou para investimentos a longo prazo. Tirar a CGD desta equação é fragilizar o banco estatal, mas também diversas empresas. A este universo acresce o de empresas espanholas que estejam presentes em mercados como Angola, onde a CGD pode ser uma mais-valia.

É certo que Espanha já representou um fardo de maus resultados para a CGD. Mas hoje não é assim. O processo de expansão para Espanha começou em 1991 com a aquisição do Banco da Extremadura e do Chase Manhattan Bank España. Quatro anos depois, o então Banco Luso-Español reforçou a aposta com a aquisição dos negócios do Banco Simeón.

Depois de ter fundido as operações, o nome foi mudado em 2006, para Banco Caixa Geral. Espanha, no entanto, relevou-se um negócio complicado para o banco público com uma factura da ordem dos 400 milhões, por via de empréstimos como os que foram feitos à Pescanova, La Seda ou grupo imobiliários. Muito dinheiro? Sim, certamente. Mas se tivermos em conta os prejuízos globais da CGD nos últimos seis anos, de 3878 milhões, a perda assume uma outra dimensão. Além disso, o que foi, já foi. E o negócio bancário parece estar a gerar bons resultados.

O grupo assegura, via Banco Caixa Geral Espanha (BCGE), uma rede com mais de 100 balcões, focando o seu negócio no retalho (empresas e particulares). Na sequência do acordo de recapitalização do banco público em 2012, ficou acordado com Bruxelas que a CGD iria redimensionar a sua presença neste país, além de melhorar a rentabilidade da actividade.

No relatório e contas referente a 2015, a CGD, então liderada por José de Matos, sublinhava que “na Europa, Espanha é a primeira linha de esforço de internacionalização das empresas portuguesas”. O BCGE, destacava-se, “superou todos os objectivos consignados no plano de reestruturação acordado pelo Grupo CGD com a DGComp, assegurando assim a continuidade da presença de um banco do grupo no mercado espanhol”. No ano passado, aumentou o crédito concedido, bem como os depósitos captados, e o resultado líquido foi positivo em 25 milhões de euros.

Se a lógica da recapitalização da CGD foi idêntica à de um banco privado, não se percebe o porquê da venda do negócio em Espanha, já que este é apresentado como a necessidade de um mero encaixe imediato (o que baixa desde logo o potencial de receita). Arrumada como está, a operação em Espanha pode dar um contributo para o lucro consolidado que a CGD quer atingir, e de forma continuada e sustentada.

Num contexto de reforço dos bancos espanhóis em Portugal, não se entende o racional da alienação do BCGE, excepto através do ponto de vista de Bruxelas, que aposta em menos bancos, maiores. Por isso mesmo, espera-se que essa vertente do acordo seja, no mínimo, discutida, com eventuais alternativas, e muito bem fundamentada do ponto de vista da gestão e do accionista do banco estatal. É que, até agora, tem havido apenas silêncios. 

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