O que é que não sabemos sobre as rendas? Quase tudo

Não existem dados oficiais que nos permitam aprofundar o tema com a seriedade que ele merece.

O valor das rendas tem vindo a aumentar. Neste aspecto, não parece haver dúvidas. Mas a partir daqui tudo se torna mais complicado, porque não existem dados oficiais dos valores efectivamente pagos pelos inquilinos (ou cobrados pelos senhorios) e de como têm evoluído. Fenómenos como o crescimento do alojamento local têm feito subir o valor das rendas? Uns defendem que sim, outros dizem que não. É provável que sim, mas não temos dados oficiais para o atestar.

Seria importante analisar, por exemplo, o valor real pago pelos inquilinos de bairros como a Mouraria, em Lisboa, ou da zona da Ribeira, no Porto, nos últimos dez anos (para não ir mais longe) e verificar como têm evoluído, cruzando isso com a questão da gentrificação. Seria importante, fundamental até, mas não é possível. Tal como não se sabe a que preços entram no mercado as rendas de novas casas e como vão evoluindo, ou as alterações dos valores das rendas de habitações requalificadas, a nível nacional, no Continente, num distrito, num concelho ou até numa freguesia ou numa rua. Não se sabe, mas devia poder saber-se.

É que, não obstante o tema da habitação ser fulcral para as populações e para as acções dos decisores políticos (que se querem boas), não existem dados oficiais que nos permitam aprofundar o tema com a seriedade que ele merece.

O que existe é isto: os dados do Censos de 2011 (o próximo será em 2021) e um índice calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). No caso do INE, este está ligado ao cálculo da inflação, e apenas distingue Portugal Continental das regiões autónomas. Sabe-se a variação de preços a nível geral, e não quais os níveis de preços. E pronto, é o que há: pouco e pobre.

A maior base de dados, essa, pertence a uma empresa privada, a Confidencial Imobiliário. É a ela, que se apresenta como “a única fonte em Portugal com dados estatísticos sobre preços de transacção e contratos de arrendamento de imóveis residenciais”, que recorrem instituições como o Banco Central Europeu (BCE).

Os dados, essencialmente na forma de índices, podem ser disponibilizados a investigadores que os solicitem à Confidencial Imobiliário. No entanto, em troca têm de se comprometer com um termo de confidencialidade e o compromisso “de um artigo (não científico) para inserção na revista” da empresa. Não está aqui em causa o trabalho da empresa, que tem toda a legitimidade do seu lado, mas sim o deserto de informação ao seu redor. Devia haver mais informação, e de acesso totalmente livre. Não sei se através do Ministério das Finanças, com os dados disponibilizados pela cobrança de impostos sobre as rendas recebidas, se por parte de uma maior aposta do INE (com reforço dos recursos), se por outra via qualquer. Os dados, e a sua análise, são hoje um motor de transformação da sociedade, permitindo conhecer – e, logo, influenciar - uma determinada realidade de forma outrora impensável.

Em sectores como o das rendas, cujo mercado se quer estimular como alternativa à aquisição de habitação, isso torna-se ainda mais relevante. Já que existe agora uma secretaria de Estado da Habitação, uma das suas prioridades devia ser a criação de uma base de dados que nos desse o verdadeiro panorama do valor das rendas, desde a rua ao país inteiro, com actualização constante. Sem isso, ou quase isso, as discussões e acções sobre o tema serão sempre feitas no ar. 

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