“O que beneficia os turistas beneficia os residentes”

Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo Vila Galé, afirma que o aumento do turismo conseguiu estimular a recuperação de edifícios degradados e traz vantagens às cidades. Mas defende equilíbrio e algum controlo das actividades de animação turística.

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O gestor considera "antipático que, quando se quer promover a imagem de um país, a primeira coisa que se peça é uma taxa" DR

Ruas seguras, limpas, edifícios recuperados. Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador dos hotéis Vila Galé, defende que o aumento do turismo só traz vantagens para os residentes. O segundo maior grupo hoteleiro do país está de olho no fenómeno do alojamento local e quer continuar a expandir a cadeia, ao ritmo de um novo hotel por ano. Com 20 unidades em Portugal e sete no Brasil, há outros destinos no horizonte: Espanha, Cabo Verde. Moçambique e Cuba estão em estudo.

No Brasil, que já vale 40% das vendas, a empresa tem de fazer (quase) tudo diferente para agradar aos turistas locais. Os brasileiros são fiéis a determinadas marcas (é impensável não ter whiskey Jonny Walker Red Laber, por exemplo) e têm “enraizada uma cultura de serviço”: em qualquer hotel esperam ter alguém que lhes transporte a mala para o quarto e lhes estacione o carro.

O grupo Vila Galé divide entre Portugal e Brasil o destino dos seus hotéis. Quando é que espera que o Brasil supere as vendas em Portugal?

Não tenho a certeza de que isso venha a acontecer. Nós não parámos os investimentos em Portugal e temos tido crescimento nos dois países. Portugal ainda representa a maior fatia de negócio e é onde temos o maior número de unidades hoteleiras (20, comparando com sete no Brasil). Se continuarmos a crescer simultaneamente em Portugal e no Brasil, como é expectável, pode ser até que o Brasil nunca venha a pesar mais do que Portugal. Isso não é estratégico para nós. Fomos para aquele país porque achámos que tinha muitas oportunidades: não existia muita oferta de resorts e fomos dos primeiros grupos hoteleiros a desenvolver o conceito de resort all inclusive [tudo incluído]. Em 2006/2007, quando lançámos o Vila Galé Marés [em Guarajuba, Salvador da Baía] não existia nada de semelhante e, mesmo hoje, um país daquela dimensão tem apenas 25 resorts.

Como é que o ambiente político e económico que se vive no Brasil está a reflectir-se nos vossos hotéis, sendo que 90% da ocupação é garantida por brasileiros?

Até à data, e contrariamente aos nossos receios, não sentimos queda. A explicação que encontramos é que, efectivamente, o impacto nas viagens se sentiu mais para fora do Brasil. Não só poderá ter havido uma diminuição do poder de compra e há menos pessoas a viajar, como também se regista uma desvalorização do real, que afecta quem vai para a Europa e para os Estados Unidos. No último ano, a desvalorização do real foi de quase 30% – na perspectiva dos brasileiros foi o euro que se valorizou. Este fluxo que viajava para a Europa está, agora, a fazer mais turismo interno e os nossos resorts acabaram por não sofrer quedas. Como não apareceram novos projectos hoteleiros ou resorts no Brasil, temos essa vantagem.

O que é que tiveram de fazer diferente para satisfazer os clientes brasileiros?

Nos hotéis de cidade as diferenças são menores. Os resorts têm desde logo um produto diferenciador, são unidades muito maiores do que as que temos em Portugal e há muito mais áreas de animação e espaços de lazer. Em termos gerais, tivemos de adaptar a estrutura e orgânica dos hotéis. No Brasil é tudo mais estanque e as pessoas têm funções muito definidas dentro de cada área. Um pequeno exemplo: um empregado de restaurante que veja qualquer coisa suja no chão não apanha. A lógica é chamar alguém da limpeza para limpar. Numa primeira fase, tentámos forçar mais uma cultura europeia, depois percebemos que nós é que tínhamos de nos adaptar. Além disso, tivemos de perceber o consumidor brasileiro. É, por exemplo, impensável não ter whiskey Johnnie Walker Red Label. Aqui em Portugal se tivesse em alternativa Cutty Sark ou J&B não haveria problema, mas no Brasil o Red Label é a única referência. O mesmo se passa com a cerveja. Outra diferença é que ainda há uma cultura enraizada de serviço. É impensável um cliente brasileiro transportar uma mala para o quarto, assim como não ter alguém para lhe estacionar o carro. Ainda há muita gente a fazer este tipo de tarefas.

Significa que têm de ter o dobro das pessoas a trabalhar?

Não é o dobro mas é bastante mais gente do que em Portugal. Alguns edifícios em São Paulo ainda têm ascensorista, alguém cuja função é carregar num botão. Não estou a criticar, nem a dizer que é melhor ou pior. É diferente e, por isso, temos de perceber como reagem as pessoas que frequentam os nossos hotéis. Há ainda outra dificuldade que se prende com a qualificação dos trabalhadores. É muito diferente ter um hotel no centro da cidade e outro isolado a 70 quilómetros de Salvador onde uma parte significativa da minha mão-de-obra tem de ser local. Estamos a falar de pessoas que vivem em casas sem pavimento, que não usam talheres, nem guardanapos. Onde todos os conceitos de limpeza e arrumação são realidades diferentes. Há coisas que aqui em Portugal não tenho de explicar e lá temos de o fazer. Por exemplo, detalhar a forma de utilização de detergentes, esfregonas e aspiradores – electrodoméstico que não existe para muitas destas pessoas que fazem as limpezas dos quartos. Isto obriga a mudar processos. Confrontamo-nos também com dificuldade em reter as pessoas porque se vive muito para o dia-a-dia. Mudam de emprego, não porque há um problema, mas porque lhes apetece. Não se preocupam com o futuro, com a família. Temos de tentar perceber isto sem fazer qualquer juízo de valor. É uma realidade. Em algumas áreas há pessoas que não sabem ler e, por isso, não podemos ter instruções escritas.

Em termos internacionais estão de olho noutros destinos?

Uma das filosofias que temos seguido é manter um crescimento sustentado, que nos permita ir gozando cada um dos nossos projectos. Temos vindo a crescer ao ritmo de um hotel por ano. Como têm surgido oportunidades no Brasil e em Portugal, temos dado preferência a estes dois países. A internacionalização obriga a começar de novo e uma coisa é abrir um hotel em Portugal, onde a máquina está montada, e outra é entrar num novo destino. Mas há quatro destinos que têm estado no radar: Moçambique, Cuba, Espanha (Madrid e Barcelona) e Cabo Verde (Boavista e Sal). Até à data ainda não se concretizou mas fariam sentido para nós.

Em Portugal têm 20 hotéis. Quais são os planos de aberturas nos próximos anos?

No ano passado concretizámos mais dois sonhos. Um era estar em Évora, um destino com procura, e o Douro. Alargámos ainda mais a nossa presença nacional. Está em fase final de licenciamento um segundo hotel no Porto, que complementa o que já temos mas é localizado mais perto da zona da Ribeira. Andamos à procura de um segundo hotel em Lisboa. Temos o Ópera na zona de Alcântara mais virado para o segmento de empresas e queremos ter outro mais virado para o segmento de lazer. Neste momento, não é a melhor fase para comprar porque há muitos investidores nacionais e internacionais à procura de edifícios em Lisboa e o mercado está muito inflacionado. Não temos conseguido fechar. Temos apresentado propostas e visto muita coisa. A metodologia agora adoptada pelos proprietários é pedir propostas e escolher a melhor. Assim é muito difícil. Nunca sabemos o que os outros apresentam. Depois, há uma outra capital de distrito como Braga. Os Açores estiveram no radar já duas vezes mas ainda não se concretizou. Têm uma oferta hoteleira razoável e apesar de terem aumentado a notoriedade e o volume de turistas com a entrada das low cost ainda é um destino muito sazonal. Achámos que a nossa entrada não iria trazer valor acrescido ao destino, seria um risco de canibalizar aquele negócio. Se para os que estão seria roubar clientes e não contribuir para fazer crescer o destino não vale a pena. Não é o que se passa com Évora ou Coimbra onde conseguimos trazer novos clientes. A taxa de ocupação de outros hotéis não caiu com a nossa entrada.

O perfil dos hóspedes mudou com o boom no turismo nacional?

Não. Temos um perfil alargado de hotéis, uns mais de cidade, outros de lazer e família. Conseguimos cobrir desde jovens casais de 30 anos, a pessoas com 70 e 80 anos. Não sentimos grande mudança no perfil das pessoas, mas o que é positivo é que todos os mercados [emissores] cresceram e não foi uma coisa localizada. No ano passado e neste ano também registámos aumentos em Inglaterra, Holanda, Espanha, França, algo que não é habitual. Este fenómeno de crescimento generalizado em todos os mercados é novo. Mesmo o russo, fala-se já de uma possibilidade de crescimento.

Até que ponto a instabilidade dos países concorrentes contribuiu para os bons resultados do turismo em Portugal?

Casada com o aumento da notoriedade, essa é uma das principais razões para o crescimento do turismo. Costumo dizer que numa página de revista tenho um artigo sobre Portugal como um destino a visitar, com boa oferta, boa gastronomia, pessoas simpáticas. E na página do lado um texto sobre problemas de segurança na Turquia. O casamento das duas notícias dá muito jeito.

Mas é um casamento duradouro?

Se esses destinos voltarem a recuperar há-de haver um abrandamento. Mas consigo sempre capitalizar esse fluxo. Os índices de satisfação dos clientes que nos visitam são elevados e se eu aproveitar agora para os fidelizar talvez não voltem a ir a outros destinos. Outros voltarão a ir para o Egipto, para a Tunísia, para a Turquia. A questão é que, como são vários anos seguidos com problemas, é cada vez mais difícil recuperar. Mas penso no drama de quem está nestes países que fez tudo certo, tem bons produtos, boa comunicação e de repente é afectado por algo que escapa ao controlo. O que preocupa agora é o fenómeno aleatório. Quando há incidentes em capitais europeias, em aeroportos, o pensamento é “eu não vou viajar”. Este receio afecta Portugal e todos os outros países.

A par do aumento de turistas, conseguiram aumentar os preços?

Sim. Diria que é a lei da oferta e da procura a funcionar. A melhor forma de aumentar preços não é por decreto ou combinação entre operadores. É quando há procura. Tem-se conseguido aumentar o preço médio, mas muitas vezes não tem a ver com crescimento do valor ao consumidor final. Prende-se com mudanças nos canais de distribuição ou das próprias tipologias de quartos. Depende se conseguir vender mais suites ou mais quartos com vista para o mar em vez de standard. Tudo influencia o preço médio, que tem vindo a subir 8 a 9%.

Como é que olha para a crescente concorrência e profissionalização do alojamento local?

A minha preocupação legítima é que haja o cumprimento de regras de segurança, higiene e obrigações fiscais. O fenómeno do alojamento local não é recente, o Algarve estava inundado. Agora tem mais visibilidade e a oferta está mais identificada. A minha preocupação é perceber porque é que uma parte dos clientes está a optar por este tipo de alojamento. E há várias explicações. Primeiro, o alojamento local só cresce em determinadas zonas. Muitos funcionam bem porque conseguiram encontrar edifícios em zonas da cidade onde não há possibilidade de ter hotéis, como o Príncipe Real ou Alfama, em Lisboa. Nestes locais é difícil comprar um edifício que se possa adaptar para hotelaria. Segundo, têm capacidade para acolher famílias, algo a que os hotéis respondem mal. Há ainda muitas pessoas que dispensam os serviços oferecidos pelas unidades e que não acham necessário ter de pagar por spas, bares ou restaurantes que não querem utilizar. De forma alguma vai haver um fenómeno de substituição, mas tenho três hipóteses: encontrar modelos de hotel com menos serviços (como já há), desenvolver quartos adequados para famílias ou entrar no negócio, como algumas cadeias já estão a fazer. Posso aproveitar a minha capacidade de gestão e entrar neste segmento.

E vai fazê-lo?

Temos estado a olhar, mas o negócio não é melhor do que o dos hotéis. Para o ser, tinha de haver uma dimensão mínima e ter os apartamentos todos no mesmo edifício, por exemplo. Mas temos estado a observar. Não temos nada a postura de hostilizar. Há clientes para todos.

As notícias de novos hotéis que se vão instalar em Lisboa em edifícios históricos e o sentimento de “invasão de turistas” estão a gerar preocupação nos residentes. Como é que olha para esta questão?

Não concordo minimamente [com essa visão], nem tem justificação nenhuma. O que beneficia os turistas beneficia os residentes. O que os turistas gostam é de ruas seguras, ruas limpas, bem iluminadas, com boas infra-estruturas. E tudo isto beneficia os residentes. No centro de Lisboa estava tudo devoluto e não houve um fenómeno de expulsão dos habitantes. Falo essencialmente da Baixa e do Bairro Alto, onde havia edifícios degradados, sem aproveitamento económico nenhum. Há geração de emprego, movimentação nas ruas e manutenção de uma parte do comércio. Outra irá desaparecer, mas isso tem mais a ver com falta de procura de alguns negócios. É muito engraçado ter uma retrosaria, mas ninguém vai à retrosaria hoje. Dito isto, obviamente tem de haver algum equilíbrio na preservação dos espaços da cidade e algum controlo das actividades de animação turística. Faz sentido a Baixa ser só hotéis? Não. Retira autenticidade à cidade. O ideal seria ter hotéis, zonas de residência e zonas de escritórios. Mas, sinceramente, não acho que esteja a prejudicar a cidade e não é a opinião generalizada.

A taxa turística é fortemente contestada pela Confederação do Turismo. Partilha a mesma ideia?

Não. Penso que não afecta a nossa competitividade. O que é que eu não gosto? Do nome e do conceito. Acho antipático que, quando se quer promover a imagem de um país que quer receber turistas, a primeira coisa que se peça é uma taxa. Depois, não gosto que sirva de subterfúgio para tapar dificuldades financeiras das autarquias, que é outra questão.

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