O perigo da “geringonça” energética

Se hoje lideramos no sector eólico, foi porque todos os ciclos políticos deram continuidade a um projecto.

Com um país em férias em modo pós-europeu e pré-olímpico, somos confrontados com a notícia de que o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista se encontram a preparar o alargamento da contribuição extraordinária sobre o sector eléctrico (CESE) aos produtores do regime especial – renováveis e cogeração. Esta medida está a ser justificada com a necessidade de combater o défice tarifário.

Nada mais perigoso e impreciso.

Duas notas: (1) o défice tarifário não teve origem com a produção renovável, mas sim com a não repercussão no custo da energia do preço do petróleo aquando da sua crise nos anos 80/90; (2) a energia renovável não gera custos ambientais, pelo contrário, permite que o país cumpra as metas de emissões ambientais, compensando sectores críticos como os transportes.

A isto há que acrescentar que a energia não é apenas um factor de produção é também um sector económico. Como tal deve assentar na valorização interna dos nossos recursos endógenos, gerar emprego, reduzir o défice externo e gerar riqueza nacional.

Ainda que o devamos ter em conta, reduzir a política energética à “gestão” do défice é redutor e em nada contribui para a sua redução.

Posto isto, convém lembrar que a criação da CESE foi acompanhada de outras medidas para os produtores do regime especial, concretamente através da publicação do D.L. nº 35/2013 de 28 de Fevereiro.

Se às empresas de energia, fora do regime especial, foi aplicada uma taxa sobre o seu activo liquido, à produção do regime especial foi acordado o pagamento de uma compensação anual de 5.800€ por MW. Com esta compensação o setor energético regulado passou a contribuir, em média, com 19M€/ano para o abatimento do défice tarifário.

Pelo que, aplicar a CESE ao sector regulado, é duplicar o seu contributo. De acordo com os dados publicados no jornal PÚBLICO, a sua contribuição passaria para 69M€/ano, somando aos 19M€ os 50M€ que resultariam da aplicação da CESE. Uma ilegal dupla tributação.

Mais do que isso, aplicar a CESE ao sector regulado, pode constituir uma violação contratual do Estado Português. Com efeito, a publicação do referido decreto lei deu força de lei a um acordo/contrato com os produtores do regime especial. Os produtores de energia em regime especial assinaram as suas declarações de aceitação e obrigação do pagamento da compensação, no exacto pressuposto de que as demais condições do D.L. seriam cumpridas.

A simples ameaça, através da divulgação de intenções como esta, de alteração deste acordo, tem impactos negativos em todas as operações de investimento estrangeiro de aquisição de activos energéticos em Portugal.

A sua concretização, põe em risco os contratos de financiamento bancários, põe em causa os projectos, viola compromissos. Tudo isto gera obrigações de indemnização previsivelmente superiores à receita estimada.

A imagem externa de Portugal é posta em causa: um Estado que não tem uma legislação estável não é um estado receptor de investimento.

O sector energético é um sector de capital intensivo e os investimentos são de longo prazo. A energia que vamos consumir em 2050 é a energia que planeamos hoje.

Se hoje lideramos no sector eólico foi porque todos os ciclos políticos, desde o governo liderado por Antonio Guterres até ao presente, deram continuidade ao projecto nacional. Não podemos permitir que este ciclo virtuoso pare. Temos os recursos, temos capacidade de os valorizar e de liderar. Sem geringonças, com estabilidade …

 

P.S.: Esta artigo foi corrigido sexta-feira dia 12 de Agosto de 2016 devido a um lapso num número.

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