O financiamento do actual modelo de pensões do sistema previdencial da Segurança Social
A introdução de uma taxa sobre o VAL só tem sentido se for aplicada pelo menos a nível europeu, e diferente para os sectores económicos, uma vez que se for imposta num só país há o risco das empresas mais inovadoras se deslocarem para regiões onde tal contribuição não exista.
O Senado Francês publicou em 4 de Junho de 2017 um documento “Proteção social: encontrar o recurso certo, promover as boas práticas.”
Esse documento sobre o financiamento da Segurança Social Francesa tem duas partes:
A primeira trata do problema recorrente do financiamento da Segurança Social na qual se constata:
a) Um forte aumento das despesas sociais;
b) A utilização de impostos sobre todos os rendimentos para reforçar os recursos da segurança social com a criação da Contribuição Social Generalizada (CSG);
c) A redução dos encargos sociais sobre os baixos salários que levou a que o financiamento progressivo fosse substituído por um financiamento de natureza proporcional.
A segunda parte debruça-se sobre as boas falsas soluções recomendando que na escolha de um novo recurso se tivessem em conta três aspetos:
- A dinâmica potencial da receita;
- O seu impacto a médio e longo prazo;
- As consequências para os contribuintes.
Vem esta introdução a propósito do debate que se começa a realizar em Portugal sobres as Fontes Alternativas de Financiamento (FAF) e a substituição de uma parte das contribuições das empresas por uma taxa sobre o Valor Acrescentado Liquido (VAL).
O que abaixo exponho resulta da minha reflexão que desde o Livro Branco tenho vindo a fazer sobre o tema do financiamento do regime de pensões da Segurança Social e não constitui qualquer visão partidária ou ideológica sobre o tema.
Na minha opinião podem existir duas óticas sobre a forma de encarar a sustentabilidade financeira da Segurança Social.
A primeira é que se trata de um problema de curto/médio prazo resultante dos ciclos económicos. A quebra do produto na fase de recessão tem como consequências menos contribuições para a segurança social, menos emprego, menos impostos e maior desfasamento entre receitas e despesas, com estas a aumentarem pela via do desemprego. Para além da recuperação económica, novas fontes de financiamento, para além das tradicionais sobre os salários, poderiam atenuar os défices sem pôr em causa o modelo de proteção social.
A segunda é que se trata de um problema estrutural, de longo prazo, cujas consequências recessivas dos vários ciclos económicos se arrastam em crescendo no tempo, obrigando a repensar o modelo social de forma a mantê-lo em equilíbrio intergeracional. Neste caso é o modelo que definirá a forma de o financiar. Ou seja não é um problema de financiamento de curto médio/prazo mas um gap estrutural só resolúvel com a refundação do modelo.
A discussão sobre as FAF reconhece que o modelo atual deixou de funcionar em equilíbrio actuarial apenas com financiamento da massa salarial distribuída; e à medida que os défices vão aparecendo, as mudanças económicas com altas taxas de desemprego, as mudanças demográficas com envelhecimento da população no topo e na base e o efeito dos ciclos económicos recessivos com duração cada vez menor, torna necessário o recurso a novas fontes de financiamento, geralmente impostos consignados, utilização, em caso de emergência, do Fundo de Estabilização Financeiro da Segurança Social (FEFSS) e, no limite, incidência contributiva sobre os dividendos distribuídos e redução relativa das prestações, seja através da inflação, seja com impostos progressivos sobre as pensões mais elevadas.
Há quem argumente que a robotização da economia obrigará a lançar uma contribuição sobre as empresas de capital intensivo criando a figura de equivalente máquina para efeitos de aplicação da taxa contributiva que apenas tem como eventualidade a velhice (não se invalida, não adoece, não fica desempregado e não morre fisicamente).
A discussão sobre o VAL já tem que ver com mudanças estruturais na economia que não foram avaliadas nos sistemas de previdência pay-as-yo-go.
A taxa de contribuição sobre salários, com empregos fixos e mão-de-obra intensiva foram inputs exógenos e mantiveram o seu nível até que as novas realidades económicas impostas pela globalização (robotização, deslocalizações da produção, mobilidade intensa do capital, inovações e uso da internet) vieram pôr em causa a sustentabilidade estrutural do modelo social.
Antes de definirmos como é que o VAL vai resolver estes problemas estruturais é crucial definir-se previamente o modelo social condizente com a realidade das economias atuais.
A introdução de uma taxa sobre o VAL só tem sentido se for aplicada pelo menos a nível europeu, e diferente para os sectores económicos, uma vez que se for imposta num só país há o risco das empresas mais inovadoras se deslocarem para regiões onde tal contribuição não exista.
Não podemos confundir a árvore com a floresta. O modelo sueco, sem abdicar das contribuições sobre salários, não discute nem FAF nem VAL uma vez que, por definição, o sistema de pensões de velhice tem de garantir um equilíbrio actuarial intergeracional permanente.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
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