O diabo no (do) Orçamento

Nestas andanças orçamentais, nunca se fala de taxas. Estas têm a “vantagem” de se enamorarem facilmente do diabo,

A propósito dos tempos orçamentais por que passamos, ouviu-se falar muito do diabo, ou porque vinha aí ou porque não vinha.

Numa leitura mais atenta da proposta do Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano, podemos procurar o dedo mefistofélico nas entrelinhas, entre números, detalhes, jamais salientados nas conferências de imprensa e pouco encontrados nas análises jornalísticas. Como já vi escrito, o diabo costuma ser subtil, e onde não pode entrar com a cabeça mete a cauda.

Vejamos alguns exemplos dessa subtileza no OE 2017:

Nas previsões macroeconómicas, de um modo geral prudentes, diga-se em abono da verdade, há, todavia, uma que, não sendo diabólica, se afigura aliada de Lúcifer: a previsão da evolução dos preços (taxa de inflação e do deflator do PIB) de 1,5%. Mesmo com a ajuda das “descargas monetárias” do BCE é um número com algum risco, mas com uma enorme vantagem no OE: aumento de receita fiscal (em particular dos impostos indirectos) e da receita contributiva na medida da sua repercussão nos salários.

Outro ponto a assinalar é o da argúcia com que o diabo transforma a provisoriedade na definitividade. O aumento ou nascimento de impostos indirectos e o novo imposto sobre o património imobiliário vieram para ficar. Mas, o Governo diz que a isso foi obrigado, para compensar a perda de receita fiscal que advirá (aos bochechos) do fim da sobretaxa do IRS que, como prometido pelo anterior e actual Governos, tinha um carácter temporário, apenas divergindo no período para o seu pleno desaparecimento. Em suma, mesmo não aumentando a pressão fiscal global, a carga fiscal aumenta transformando receita temporária em definitiva…

Nestas andanças orçamentais, nunca se fala de taxas. Estas têm a “vantagem” de se enamorarem facilmente do diabo, escondidas em mapas intragáveis para (não) se lerem, e aparentam alguma benignidade face ao carácter mais doloroso dos impostos e, finalmente, não necessitam de aprovação parlamentar.

Desde há muito, o Estado (central, empresarial, regulador, autárquico) viciou-se em taxas. Há tributos de toda a espécie e feitio inscritas no OE, cujo nome, não raro, é uma forma capciosa de impostos dissimulados: taxas, adicionais, contribuições extraordinárias, tarifas, emolumentos, licenças, etc.

Basta folhear o OE para lá encontrar essas taxas do diabo na Administração Central e Fundos Autónomos (e excluindo autarquias…): taxas de justiça, registo de notariado, registo predial, registo civil, registo comercial, vinícolas, moderadoras, sobre espectáculos e divertimentos, energia, geologia e minas, comercialização e abate de gado, fiscalização de actividades comerciais e industriais, licenciamentos diversos, etc.

Perante as taxas do diabo, onde está, neste OE, o diabo das taxas? No seu aumento, não despiciendo: 160 milhões de euros (passam de 2.200 M para 2.360 M de euros). Uma ajudinha tributária subtil, mas preciosa de quase 0,1% do PIB. Esta comparação não vem, evidentemente, explicitada no extenso relatório (como, aliás, não vem a discriminação dos impostos).

Por fim, e mais importante, a meritória diminuição do défice (0,8 pp de 2,4% para 1,6%) é devida em 5/8 ao cenário macroeconómico, em 4/8 a “outros efeitos” (leia-se receitas extraordinárias ou inchadas, como sejam a garantia do Estado ao BPP e os exponenciados dividendos do Banco de Portugal) e – imagine-se! – a diferença entre receita e despesa expurgada destes factores contribui não para a diminuição, mas para o agravamento do défice em 1/8. Que diabo? A farinha do diabo vai-se toda em farelo…

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