Novo regime fiscal para o registo de navios abre guerra entre Funchal e Lisboa

Governo prepara-se para levar a Conselho de Ministros um pacote de incentivos fiscais para reavivar o registo convencional de navios, que deixa a Madeira de fora

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O Registo Convencional de Navios em Portugal tem actualmente apenas dois navios sa sergio azenha - colaborador

O Ministério do Mar já tem pronta para levar a Conselho de Ministros a proposta de lei que define um regime especial de tributação para a actividade de transporte marítimo, estabelecendo pelo caminho benefícios fiscais e contributivos para os tripulantes, de forma a impulsionar a indústria da marinha mercante no país.

A ideia é tornar o registo convencional de navios mais competitivo, avançando com a chamada “tonnage tax”, um sistema fiscal especial que já vigora em alguns países da União Europeia, e que vai ao encontro das pretensões da Associação dos Armadores da Marinha de Comércio (AAMC). Mas que choca de frente com os interesses do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), que fica de fora deste pacote legislativo, vendo aí uma forma de concorrência promovida pelo próprio Estado.

O presidente do governo madeirense, Miguel Albuquerque, já escreveu ao primeiro-ministro a protestar conta o que considera ser uma proposta “anti-patriótica”, que só vai beneficiar os registos estrangeiros concorrentes.

“A manter-se a actual configuração desta proposta de lei, é um verdadeiro absurdo. Contrário ao interesse nacional”, sublinha ao PÚBLICO, argumentando que ao “discriminar negativamente” a Madeira, o Governo não só está a defraudar as expectativas dos armadores registados no MAR, como trará consequências negativas para a Madeira.

Albuquerque estabelece um paralelo com o que aconteceu em 2011 com o Centro Internacional de Negócios da Madeira. “Alteraram a legislação e quem beneficiou foram praças concorrentes como a Holanda, o Luxemburgo ou Malta”, sustenta o chefe do executivo madeirense. E ironiza: “Faz todo o sentido querer salvar o registo de Lisboa, que tem dois navios, prejudicando o da Madeira que tem 500.”

A proposta, a que o PÚBLICO teve acesso, pretende “promover a marinha mercante nacional”, potenciando o emprego associado à indústria marítima, e resulta das conclusões de um grupo de trabalho criado pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, logo no início de 2016.

“Os estudos de benchmarking realizados sobre as situações existentes nos vários países da União Europeia revelaram como principais factores críticos de sucesso o regime fiscal aplicável à actividade da marinha mercante e o regime de protecção social aplicável aos tripulantes, bem como o grau de complexidade e de morosidade das relações com a administração“, lê-se no pedido de autorização legislativa que, passando pelo Conselho de Ministros, precisará ainda do "sim" da Assembleia da República, antes de ser enviado para aprovação em Bruxelas.

Uma tonnage tax

O objectivo de Ana Paula Vitorino é estancar a sangria verificada nos últimos anos no registo convencional de navios português, que actualmente conta apenas com dois porta-contentores registados. Para isso, pretende criar uma tonnage tax  – o imposto é calculado de acordo com a tonelagem dos navios e não com base nos lucros do armador – para as sociedades que optem por registar navios em Portugal, a exemplo do que acontece com vários países europeus. Em vez de pagarem a actual taxa de IRC, de 21%, cada armador beneficiará de uma taxa de imposto mais baixa, previsível, e calculada de acordo com a tonelagem que representa.

O diploma olha também para os tripulantes, tentando alavancar um sector moribundo pela falta de oportunidades de trabalho. A proposta transpõe para o registo convencional praticamente todos os benefícios fiscais e contributivos em vigor no MAR , mas deixa os armadores ali registados de fora. O Funchal está frontalmente contra.

Primeiro, porque o diploma deixa de fora dos benefícios fiscais os navios registados no MAR. Depois, porque praticamente os convida a mudar de registo, havendo mesmo uma referência a essa possibilidade num dos artigos da nova legislação: “No caso de navios ou embarcações registados no Registo Internacional de Navios da Madeira ou noutro Estado-membro da União Europeia, pode ser requerida a transferência do registo, ficando o requerente obrigado a apresentar a respetiva certidão de registo”.

“As empresas registadas no MAR são empresas nacionais, e o Governo quer discriminar negativamente essas empresas que estão sob o mesmo ordenamento jurídico”, reclama Albuquerque, lembrando que o registo madeirense é o terceiro europeu em termos de arqueação bruta. “Sempre que se faz algo de bom em Portugal, há sempre a vontade de destruir.”

O PÚBLICO tentou ouvir o Ministério das Finanças para perceber o impacto que pode ter esta alteração fiscal nos cofres nacionais, mas a tutela recusou fazer comentários. Outras fontes contactadas pelo PÚBLICO avançaram que a expectativa é aumentar o número de navios e não apenas baixar os impostos aos poucos que lá estão registados.

Adicionalmente, a ideia é conseguir atrair navios que estão, por exemplo, registados noutros países, alguns deles que nem mar têm. Mas é um facto, concordaram várias fontes ouvidas pelo PUBLICO, que os dois sistemas vão coexistir, em concorrência.

Ao contrário do registo convencional, o MAR tem crescido, quer em número de embarcações registadas, quer em tonelagem de arqueação bruta. No final de 2016, estavam registados 491 embarcações na Madeira, que neste momento já ultrapassa o meio milhar, também à custa do registo convencional português. Já este ano, oito porta-contentores trocaram Lisboa pelo Funchal.

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