Novo Banco impede funcionários que não aceitaram rescisão voluntária de trabalharem

Sindicato dos Bancários do Norte considera "ilegal a suspensão de funções" e ameaça pedir a intervenção da ACT. Juristas dizem que pode estar em causa a violação do direito à ocupação efectiva previsto na lei.

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Stock da Cunha, presidente do Novo Banco. Enric Vives-Rubio

Mais de uma centena de funcionários do Novo Banco que não aceitaram a proposta de rescisão voluntária de contratos foram esta segunda-feira impedidos de continuarem a trabalhar. Os cartões de abertura de portas deixaram de funcionar, assim como o acesso ao sistema informático, o que pode configurar uma violação da lei.

Em causa estão entre 100 e 150 trabalhadores que não aderiram às rescisões propostas a um universo de 500 colaboradores do Novo Banco (que resultou da intervenção do BES).

Os trabalhadores envolvidos receberam no final da semana passada uma carta a dispensá-los da comparência no local de trabalho até 30 de Maio, sem perda de remuneração. Já anteriormente, tinham recebido cartas registadas a dispensá-los “do dever de assiduidade”, mas nunca lhes tinha sido vedado o exercício de funções.

Na carta a que o PÚBLICO teve acesso, o banco lembra que está em curso um processo de reestruturação e que, por isso, não se mostra “necessário e/ou conveniente” que os trabalhadores continuem a exercer as funções e tarefas inerentes à sua actividade profissional. Em ponto algum da carta se refere que ficam impedidos de trabalhar, apenas que ficam temporariamente desobrigados do dever de assiduidade.

Questionada pelo PÚBLICO, fonte oficial do Novo Banco limitou-se a referir que “os trabalhadores que não aceitaram a rescisão tinham informação por escrito de que seriam dispensados no âmbito do processo de redução de trabalhadores que o banco está obrigado a cumprir”.

Já o Sindicato dos Bancários do Norte (SBN) considera “totalmente ilegal a suspensão de funções” e apelou ao presidente do Novo Banco “que volte atrás e que permita aos trabalhadores o acesso ao banco e a condições que permitam o desempenho das suas funções habituais”.

Teixeira Guimarães, vice-presidente do SBN, avisa que se “a resposta não for imediata”, a estrutura sindical “vai pedir a intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho”.

O dirigente sindical considera que a “suspensão de funções decidida pela administração do banco é uma forma de pressão inaceitável”. “Estes trabalhadores não foram despedidos”, apenas lhe foi comunicado que passaram a supranumerários e que o banco não tem funções para lhes atribuir”, acrescentou, aconselhando os funcionários “a resistirem e a permanecerem nos seus locais de trabalho”.

Também Fausto Leite, advogado especialista na área laboral, recomenda aos trabalhadores que se apresentem ao serviço (com testemunhas) e comuniquem por escrito ao empregador que não aceitam a dispensa.

A regra geral, explica, “diz-nos que o trabalhador tem direito à ocupação efectiva”. Esse direito está previsto no artigo 129º do Código do Trabalho que, numa das suas alíneas, deixa claro que “é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho”. Ou seja, “a empresa pode dispensar o trabalhador de cumprir o dever de assiduidade, mas não pode impedi-lo de se apresentar ao trabalhador de apresentar ao trabalho”, enquanto o contrato se mantiver.

Como estão em causa trabalhadores que recusaram a proposta de rescisão por mútuo acordo que lhes foi feita pelo banco, Fausto Leite alerta que ao vedar o acesso ao posto de trabalho pode estar em causa uma situação de “assédio moral”, com o objectivo de pressionar os trabalhadores a aceitarem o acordo.

Tiago Cortes, advogado na área do emprego e do trabalho na PLMJ, não tem dúvidas: “não há cobertura legal” para impedir o acesso dos trabalhadores ao seu local de trabalho. “Se for vedado o acesso será uma violação do dever de ocupação efectiva”, acrescenta, lembrando que a única circunstância em que uma empresa pode impedir o acesso, sem o acordo do trabalhador, é no contexto de um despedimento colectivo e já na fase da decisão final.

Stock da Cunha pouco esclarecedor

Em declarações recentes, no Parlamento, o presidente do Novo Banco, Stock da Cunha, admitiu que a instituição iria avançar com um despedimento colectivo que deveria abranger até 150 trabalhadores, no quadro de corte de 500 funcionários.

A diferença de números é explicada pela adesão ao processo de rescisão voluntária, que “abrange 350 trabalhadores em Portugal”, adiantou Stock da Cunha aos deputados na Comissão do Trabalho e da Segurança Social. Nessa audiência, os deputados ficaram insatisfeitos com as respostas do presidente do Novo Banco, que se encontra actualmente em processo de venda.

Tiago Barbosa Ribeiro, coordenador do PS na comissão, explicou ao PÚBLICO que o gestor não tinha apresentado documentos que fundamentassem o plano de redução, nem os critérios dessa redução. O que poderá acontecer aos trabalhadores convidados a sair e que não aceitaram é uma das preocupações que não foi esclarecida, adiantou o deputado, cujo partido requereu a avaliação do processo por parte da comissão.

No parlamento, os representantes dos trabalhadores tinham denunciado pressões sobre quem foi convidado a sair e a existência de prazos curtos de resposta.

O Novo Banco - detido actualmente pelo Fundo de Resolução na sequência da derrocada do Banco Espírito Santo (BES) em 2014, e que se encontra em processo de venda -, acordou com as autoridades portuguesas e a Comissão Europeia um processo de reestruturação que incluía a redução de 1000 efectivos e o corte de 150 milhões de euros nos custos operacionais. Metade do corte de colaboradores foi garantida através de reformas antecipadas.

Aos que aceitaram a saída voluntária, a empresa está a oferecer 1,2 salários por ano de trabalho e os sindicatos conseguiram garantir “a manutenção do sistema de saúde aos trabalhadores com mais de 50 anos”.

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