Novas regras de bail-in não impedem subida de depósitos com mais de 100 mil euros

Valor global das grandes contas subiu 12% para 65 mil mihões de euros, segundo dados do Fundo de Garantia de Depósitos.

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Funcionamento do reembolso de depósitos vai sofrer alterações Rui Gaudêncio

As contas com mais de cem mil euros subiram em Portugal, apesar da entrada em vigor das regras que permitem envolver estes depositantes em caso de colapso do banco. De acordo com os dados do relatório e contas de 2016 do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), agora disponibilizado, o valor global destas grandes contas chegou aos 65.028 milhões de euros em Junho do ano passado (última data para a qual há dados recolhidos pelo FGD), o que representa uma subida de 12% (6932 milhões) face a idêntico período de 2015.

Este dado torna-se mais relevante quando se tem em conta que, nos dozes meses anteriores, o movimento tinha sido de descida (-6%) e que, pelo meio, houve a resolução do Banif (Dezembro de 2015) e, desde Janeiro de 2016,  o montante dos depósitos acima de 100 mil euros passou a potencial alvo das autoridades caso seja necessário intervir num banco.

O valor actual dos grandes depósitos é, neste momento, o mais elevado desde 2011, e só por pouco é que não o ultrapassa. Nada é dito no relatório e contas do FGD sobre o porquê do crescimento dos grandes depósitos, cujo ritmo foi superior ao dos depósitos elegíveis (6,6%, para 172.031 milhões de euros) e do montante global coberto pela garantia (4,3%, para 130.211 milhões).

Esta subida em todos os indicadores acontece, por sua vez, num quadro de baixa de taxas de juro, que penaliza os depósitos.

Ricardo Cabral, economista, diz que, embora seja difícil interpretar os dados, “três factores podem explicar o aumento do volume de depósitos: a concessão de novo crédito, que resulta na criação de nova moeda creditícia e de depósitos; o saldo positivo das contas externas do país (entra mais dinheiro na economia nacional do que sai); e a emissão de moeda pela autoridade monetária (BCE), nomeadamente em resultado do programa de expansão quantitativa”.

Para Ricardo Cabral, “à excepção da concessão de crédito”, que, diz, “terá sido marginalmente negativa no período em análise”, os outros dois factores “deverão ter contribuído para a subida dos depósitos elegíveis”.

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Quanto ao aumento do volume de depósitos em contas com mais de cem mil euros, diz ser provavelmente “o facto mais interessante”, e que poderá indiciar que os depositantes com esse nível de saldos “estão menos preocupados com a possibilidade de bail-in dos depósitos”. Algo que, acrescenta este economista que tem acompanhado os temas da banca, “parece razoável dados os desenvolvimentos desde então”, em que não houve o envolvimento dos depósitos nas intervenções efectuadas.

Na mesma linha, o economista João César das Neves, além de referir que não é a primeira vez que se regista uma subida, destaca que a ideia destes depósitos não estarem garantidos “só é válida no caso de resolução da instituição, que permanece um cenário remoto para os aforradores - as surpresas do BES e BANIF tornaram-no mais plausível, mas o facto de terem sido surpresas, confirma que os investidores tendem a desvalorizar esse cenário“.

Por outro lado, Ricardo Cabral realça que pode também haver a influência de outros factores, como alterações metodológicas.

Mais grandes contas

Neste último aspecto, em Março de 2015 entrou em vigor (no âmbito de várias mudanças ligadas à banca) uma transformação no universo abrangido pela garantia de depósitos, e as grandes empresas passaram a estar incluídas. Isso teria já produzido efeitos nas contas do relatório anterior do FGD, mas poderá também ter influenciado os dados agora divulgados.

De fora continuam, por exemplo, os depósitos de empresas de investimento ou de seguros, ou de instituições de crédito e financeiras (do total de depósitos existentes no país, apenas uma parte é elegível no âmbito do FGD, desse universo, a lei protege apenas as contas até aos cem mil euros, por titular).

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Além do FGD existe o Fundo de Garantia de Crédito Agrícola Mútuo (FGCAM), mas que tem uma expressão reduzida e ainda não divulgou os dados do ano passado.

Numa análise aos dados do FGD, verifica-se que houve um reforço nas contas superiores a cem mil euros, mas também um crescimento na quantidade. Cerca de 1,5% do total de depositantes têm contas com mais de cem mil euros (contra os anteriores 1,3%) – a esmagadora maioria, 79,8%, detém menos de dez mil euros --, mas há casos de pessoas com mais de uma conta, até porque o universo de titulares elegíveis pelo FGD, 15,7 milhões, é superior ao da população residente em Portugal.     

Alterações no processo de reembolsos

Até hoje, o FGD só foi accionado uma vez, na sequência da liquidação do Banco Privado Português (BPP). E, no caso de ser necessário voltar a reembolsar depósitos, vai haver em breve novas regras. De acordo com o FGD, está em curso “um novo processo”, mais “robusto e mais seguro”. Quando estiver pronto (algo se espera que aconteça no ano que vem), o novo sistema poderá funcionar como uma espécie de portal dedicado, ao qual os visados poderão aceder com um password. Depois, “em caso de indisponibilidade de depósitos”, será possível “consultar informação e interagir com o Fundo”, podendo depois receber os valores em causa por transferência. No caso do BPP, cujos depósitos começaram a ser pagos em 2010, todo o processo foi conduzido por correspondência física (pessoal ou através dos correios).

Actualmente, as regras estipulam que o reembolso “deve ser efectuado no prazo de vinte dias a contar da data em que se verifica a indisponibilidade dos depósitos numa instituição participante”, mas há o compromisso de avançar “uma parcela de até dez mil euros de todos os depósitos garantidos no prazo máximo de sete dias úteis”.

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BPP obrigou à intervenção do FGD, que já reembolsou 102 milhões de euros Daniel Rocha

Ao todo, o FGD já reembolsou 101,8 milhões de euros a ex-clientes do BPP, valor a que acresce 394 mil euros e que ainda não chegaram aos seus destinatários “por questões operacionais alheias ao Fundo”. O caso BPP obrigou ainda à provisão de 1,78 milhões, estimando-se que a factura com a instituição financeira chegue aos 104 milhões. Luís Máximo dos Santos, nomeado presidente do FGD em Julho de 2016, por indicação do Banco de Portugal (do qual é membro do conselho de administração), foi anteriormente o responsável pela comissão liquidatária do BPP. Ao lado de Máximo dos Santos (que esteve também à frente da comissão liquidatária do BES) está Carlos Conceição, em representação do Ministério das Finanças, e Maria Manuela Athayde Marques em nome da Associação Portuguesa de Bancos.

Investimentos com prejuízos

De acordo com o relatório e contas do FGD, este teve um prejuízo de 1,4 milhões de euros (contra um lucro de 1,6 milhões em 2015), algo que se explica pelo perfil conservador de investimento associado, canalizando os recursos financeiros para dívida soberana de países da zona euro (com retorno negativo no curto prazo) e para depósitos no Banco Portugal (cuja taxa de remuneração é negativa). A perda, aliás, seria de 1,8 milhões, mas acabou mitigada pelo ganho das contribuições anuais das 43 instituições de crédito que participam no FGD e pela reversão de provisões ligadas ao BPP.

Apesar do prejuízo, diz esta instituição, a relação entre os recursos próprios do FGD, agora nos 1549 milhões de euros, e os depósitos efectivamente cobertos é de 1,19%, valor que compara com os 0,8% definidos a nível europeu. Isso, de acordo com o relatório, faz com que o FGD continue “entre os sistemas de garantia de depósitos mais bem capitalizados no espaço da União Europeia”.

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