Nova lei das penhoras de casas não trava execuções da banca

Fisco fica com menos margem para recuperar dívidas. Habitação pode ser penhorada mas não vendida. Já numa execução bancária, não pode haver despejo até o imóvel ser alienado.

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As Finanças só poderão vender as casas penhoradas que têm um valor patrimonial superior a 574.323 euros Guilherme Marques

A nova lei que trava a venda da habitação permanente de uma família quando a casa está sob penhora do fisco, aprovada nesta sexta-feira no Parlamento, pretende evitar os despejos, mas não trava a execução da habitação por parte dos bancos.

O diploma permite à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) penhorar a habitação própria a permanente do devedor, mas com reduzidos efeitos práticos, uma vez que o Estado fica impedido de proceder à sua venda. Os devedores vão poder permanecer na habitação enquanto a dívida permanecer. 

O novo diploma foi redigido na especialidade por um grupo de trabalho entre o PS, o BE e o PCP, depois de os três partidos terem apresentado projectos autónomos sobre as penhoras. A proposta passou na votação final global no plenário desta sexta-feira, com o CDS-PP a abster-se e o PSD a votar contra, alegando que se trata na prática de um “perdão fiscal encapotado”.

O diploma só protege a habitação própria e permanente das dívidas fiscais e aplica-se aos imóveis até 574 mil euros de valor patrimonial, ficando de fora as casas às quais se aplica a taxa máxima do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

Se a habitação tiver sido comprada com empréstimo bancário, o que implica a constituição de uma hipoteca do imóvel, a protecção da morada de família já não fica protegida pela actual lei, explicou ao PÚBLICO o deputado Paulino Ascenção, do BE.

Caso haja pagamentos de empréstimos em falta, as novas regras das penhoras não travam a possibilidade de os bancos avançarem com a execução da hipoteca e de procederem à venda do imóvel, como tem acontecido a milhares de famílias. Até ser vendida a casa, a habitação fica protegida. A lei prevê que, numa penhora ou execução de hipoteca, “o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que seja concretizada a venda do imóvel”.

Nas vendas desencadeadas pela banca, é reduzida ou mesmo nula a possibilidade de recuperação dos montantes em dívida por parte do fisco. Apenas as dívidas de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e de IMT se sobrepõem às dívidas da banca, garantidas por hipoteca.

O PCP chegou a apresentar uma proposta para impedir a execução de hipoteca da habitação própria e permanente por dívidas fiscais, mas a solução ficou de fora do novo texto dos três partidos.

Prescrição suspensa

Com as alterações agora introduzidas, o fisco fica praticamente limitado a executar as dívidas através de outros bens do devedor, se existirem. Apenas nos imóveis de valor patrimonial superior a 574.323 euros é que as Finanças podem proceder à venda do imóvel, ainda assim, com suspensão de um ano.

Actualmente, quando o fisco avança para uma penhora (se a dívida for superior a 150 euros), já segue uma ordem para satisfazer o seu pagamento. Primeiro, devem ser executadas rendas, contas, depósitos bancários, créditos. Só depois é que a AT deve penhorar os salários, os bens móveis e, por último, imóveis. No entanto, estes já são o principal bem penhorado e vendido autoridade tributária. Como a lei impede a venda da casa, agora,a atenção do fisco ficará centrada nos restantes bens, como salários, contas bancárias ou automóveis, por exemplo. Quando em Dezembro apresentou o diploma que seria depois discutido com o PS e o PCP, o Bloco lembrava que, “desde 2014, 5891 famílias já perderam a casa numa penhora por dívidas à AT”.

Assumindo as maiores dificuldades do fisco em recuperar as dívidas, a lei suspende a sua prescrição enquanto se mantiver a impossibilidade de proceder à venda do referido imóvel.

Questionado pelo PÚBLICO sobre as implicações das alterações agora propostas ao Código de Procedimento e de Processo Tributária e à Lei Geral Tributária, o fiscalista João Espanha alerta que, “na prática, a AT vai ficar sem meios para cobrar a dívida enquanto a situação se mantiver”. Assim, “a suspensão da contagem da prescrição da dívida supõe que o prazo geral [oito anos] se mantém o mesmo, mas a contagem pára. Ou seja, enquanto a casa estiver ‘suspensa’, o prazo de prescrição não está a contar, está igualmente suspenso, pelo que pode efectivamente ser ‘eterno’”, alerta o advogado fiscal.

Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, destaca que “existindo outros bens do executado é previsível que sejam estes penhorados e vendidos para satisfazer a dívida tributária, mantendo-se, contudo, a penhora do referido imóvel”.

O diploma nada refere em relação à contagem de juros de mora, fixados em 5,168 % para 2016, o que agravará substancialmente o montante em dívida. Contactado pelo PÚBLICO, João Paulo Correia, deputado do PS e subscritor da proposta de alteração da lei, admite que se aplique a norma geral.

Da leitura do diploma, Fernandes Ferreira diz que se pressupõe “que continuarão a contar juros de mora” até a dívida ficar saldada. E destaca que “não existe, desde a Lei do Orçamento do Estado de 2012, qualquer limite temporal à contagem de juros de mora”.

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