Nem a multinacional WireCo pôde dispensar a quase bicentenária Oliveira Sá

Pela direcção da mais antiga cordoaria nacional já passaram seis gerações da mesma família. Em 2010 aceitaram a proposta de compra de uma multinacional norte-americana, porque queriam continuar a ser grandes.

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Os herdeiros Oliveira Sá e José Luís Gramaxo, o administrador Nélson Garrido
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A empresa nas instalações que ficavam na Rua da Boavista, no Porto Nélson Garrido
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Nélson Garrido
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O fundador da fábrica foi Manuel Rodrigues de Oliveira Sá Nélson Garrido

Pelo Norte ainda há muito quem diga, quando alguém se apresenta de boa saúde e parece resistir a tudo e a todos, que “está como o aço”. A frase aplica-se na perfeição à Oliveira Sá, a mais antiga fábrica de cordoaria nacional. E isto não é só porque é actualmente o único produtor nacional de cabos de aço, mas também porque desde 2010 pertence ao líder mundial WireCo, um gigante do sector que factura mais de 600 milhões de dólares por ano.

Luís Sá, que presidiu à empresa nos 40 anos que são considerados determinantes para a Oliveira Sá ser o que é hoje (entre 1970 e 2010) não mais voltou a pôr os pés na empresa, mas os seus três filhos ainda lá trabalham e lutam para que continue ser cada vez maior, dizem. Rodrigo, o mais novo, é comercial numa área importante para o grupo, os cabos industriais. Cristina, a do meio, está nas compras a nível europeu. E Miguel, o mais velho, que chegou a partilhar com o pai a gestão da empresa, é o responsável pelo segmento das pescas a nível mundial. O cargo mais importante do grupo em Portugal é ocupado por José Luís Gramaxo, que, até 2012 era presidente de um dos principais concorrentes da Oliveira Sá, a Royal Lankhosrt Euronet – que também acabou por ser comprada pela WireCo.

José Luis Gramaxo e Miguel Oliveira Sá recebem o PÚBLICO numa tarde de Verão, numa sala luminosa e de decoração quase espartana, por detrás de uma mesa limpa. “Isto aqui ficou ao gosto dos americanos. Não gostaram muito da mobília pesada, estilo inglês que cá tínhamos, nem da profusão de quadros, só caras dos meus antepassados. Até era asfixiante, admito. Mas se nos distraíssemos vendiam tudo, quase que perdíamos as fotografias de família”, conta Miguel. Ainda bem que esse "quase" não se concretizou e que na parede mais nobre da sala pudemos fazer o curioso exercício de tentar adivinhar onde é que em 1825 surgiram as primeiras instalações da Manuel Rodrigues de Oliveira Sá e Filhos, Lda. Em plena Rua da Boavista, junto às actuais instalações do Hospital Militar, Miguel aponta para o fundador da empresa que trazia um bebé pela mão: “Era o meu avô!” 

Onde está o segredo da longevidade que permite a uma empresa contar já 192 anos num mundo cada vez mais global e competitivo? “Na qualidade”, atira Miguel Oliveira Sá, com a rapidez da resposta a denunciar que não há ali margem para dúvidas. E, a acrescentar um segundo item, que alimenta o primeiro, a capacidade e a visão de investir sempre em inovação, aquela que lhes permitiu chamar a atenção com os produtos que colocava no mercado no segmento de cabos industriais de alta tecnologia.

Para Miguel Oliveira Sá, chegado à empresa em 1994, depois de concluído o curso na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a história do século XIX é difícil de contar com rigor, mas adivinha-se com alguma facilidade. “Trabalhavam fibras naturais como a juta, o sizal, o cânhamo, de forma necessariamente rudimentar. Mas sabemos que esteve sempre ligada ao sector primário, nomeadamente ao marítimo”. Foi a partir dos anos de 1960, quando começaram a entrar sintéticos no fabrico das cordas que a empresa “explodiu, digamos a assim”. “Compramos a primeira extrusora em 1966. Foi aí que começamos a ganhar rapidamente quota de mercado e a dar melhores características aos produtos, como a durabilidade e a resistência a forças maiores com menos diâmetro”, continua. As fibras naturais começam a perder interesse, a fábrica foi renovada para se adaptar às sintéticas e toda a concorrência começou a fazê-lo. 

As grandes dificuldades surgiram por altura do 25 de Abril. “Em 1974 a empresa passa por muitas dificuldades, os trabalhadores tomam conta da empresa, a Oliveira Sá está praticamente falida, a família chegou a ponderar fugir para o Brasil”, recorda o herdeiro. Mas a decisão foi, antes, enfrentar o problema e convencer o Estado e os bancos credores a fazer um contrato de viabilização – um procedimento em tudo parecido com os actuais processos de reestruturação especial de empresas (PER). A partir de 1979 a Oliveira Sá não mais voltou a dar prejuízo e em meados dos anos 1980 já tinha todos os avais pagos – o contrato durou até 1987.

Agora é José Luís Gramaxo, alguém que assistiu a esta crise mas do lado da concorrência, quem conta a sua versão da história: “Foi Luís Sá quem tomou as rédeas da empresa e lhe deu a credibilidade que precisava para desenvolver a actividade, além de criar confiança com os bancos e com os credores, até atingir o expoente máximo em 2010, quando foi comprada pela WireCo”, afirma o ex-presidente da Royal Lankhorst Euronete que, desde 2012, é responsável pelo desenvolvimento comercial da WireCo a nível mundial.

Miguel Oliveira Sá que chegou a pensar se não devia mudar de vida, porque até agora só se dedicou às cordas, admite que a chegada dos americanos trouxe-lhe novos desafios. “No início fui contra, tive muitos receios. Hoje sei que foi o melhor para a empresa, e para todos os funcionários. Permitiu-nos crescer”, avalia. Um dos receios que tinha Luis Sá, recorda o filho, era o facto de a empresa não conseguir controlar toda a cadeia produtiva – uma vez que tinha o arame para fazer os cabos de aço. “Já estávamos a deixar uma margem em quem comprávamos o arame, podíamos ser competitivos, que éramos, mas não controlávamos tudo. A WireCo veio trazer essa integração”, explica.

Houve dores nesse crescimento, claro. Houve ajustamentos a fazer, por causa da fusão de empresas que eram então concorrentes. “A Oliveira Sá fazia cabos de aço e sintéticos. Quando a Euronete entra no grupo, houve sobreposição. Ficou  aqui todo o aço, e a Euronete ficou a gerir todos os sintéticos”, explica José Luis Gramaxo. Hoje faz parte de um grupo que garante a produção, em Portugal, uma quota de mercado mundial de 55% dos fios agrícolas e de 20% das redes agrícolas; e que no mercado europeu tem uma quota nas redes de pesca superior a 60%, nos cabos marítimos mais de 65% e nos cabos de amarração de plataformas petrolíferas mais de 80%. José Luis Gramaxo é o director de vendas de todo o grupo, que factura quase 600 milhões de dólares. “E eu sou responsável por cerca de 10% desse total, apenas com o segmento das pescas. Quando foi comprada, a Oliveira Sá facturava 50 a 55 milhões de euros. E eu hoje, só com a pesca, 88 milhões de dólares”, contrapõe Miguel. 

A conversa termina com Miguel a voltar a falar do pai. “Ele deve ser a única pessoa que conheço que sabe exactamente o valor que criou nos seus 40 anos de trabalho. Começoun esta empresa a valer zero, e sabe o valor pela qual a vendeu”. Os valores da venda não foram referidos, mas sobre a saúde da empresa, percebe-se pela resposta que está como o aço. Nem a multinacional WireCo a pôde dispensar.

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