“Não se pense que o problema orçamental está resolvido”

Luís Campos e Cunha adverte que a saída do procedimento por défice excessivo é apenas um primeiro passo. “Acabámos de sair dos cuidados intensivos, mas ainda estamos hospitalizados, o que significa que não vamos correr a maratona. ”

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"Tirando os comentadores e os políticos da Assembleia da República, alguém deu pela falta desse investimento público? A economia cresceu e até cresceu mais do que o esperado", lembra o economista NUNO FERREIRA SANTOS
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"Não podemos, como se fez no passado, aumentar desmesuradamente os funcionários públicos, não podemos pensar que podemos fazer o TGV e coisas desse género. Isso acabou", diz Campos e Cunha NUNO FERREIRA SANTOS

Para o economista Luís Campos e Cunha, Portugal não pode repetir os erros do passado, quando o país se conseguiu libertar das amarras orçamentais impostas pelo Pacto de Estabilidade.

Que significado tem a proposta de saída de Portugal do procedimento por défice excessivo (PDE)?
É muito importante para o país. Mas é apenas o primeiro passo. Tivemos 10%, 11% de défice e era totalmente necessário estabilizar do ponto de vista orçamental. Isso aconteceu e, portanto, como corolário disso saímos do PDE. Agora, não se pense que o problema orçamental está resolvido. O problema orçamental está, digamos, estabilizado. Acabámos de sair dos cuidados intensivos, mas ainda estamos hospitalizados, o que significa que não vamos correr a maratona. Também sou funcionário público, mas não podemos, como se fez no passado, aumentar desmesuradamente os funcionários públicos, não podemos pensar que podemos fazer o TGV e coisas desse género. Isso acabou, não pode voltar a acontecer. Não pode ser com cortes não pensados de impostos como houve. Tudo isso foi um erro crasso que viemos a pagar muito caro. Teve consequências para os portugueses, com a taxa de desemprego a subir para 17%, coisa nunca vista nas estatísticas portuguesas e que provavelmente atravessámos em consequência desse desmando orçamental de 2007 até 2011. Provavelmente tivemos o período mais grave da economia portuguesa desde a fundação da nacionalidade.

Se o erro se repetisse, se Portugal, passado um ano ou dois, não cumprisse as regras, o que acha que poderia acontecer ao país?
O que se passou no passado repetir-se-ia a provavelmente, se houvesse desmandos orçamentais. Estou convencido que não vai haver, pelo menos essa expectativa, e as declarações do primeiro-ministro vão nesse sentido. Segundo, as nossas regras continuam a ser muito duras e muito e difíceis e é importante que o Programa de Estabilidade e Crescimento seja cumprido. Temos de diminuir a dívida pública, que está em níveis muito elevados, mas sustentáveis, assim a queiramos pagar. 

Com um crescimento acima do esperado e com a saída do PDE ganhamos uma folga. O que devemos fazer com ela?
Não acho que haja grande folga orçamental. Pura e simplesmente continuamos hospitalizados e saímos de cuidados intensivos. Temos de pensar que temos de diminuir a dívida, as próprias regras do Pacto de Estabilidade implicam que do ponto de vista estrutural o défice tem de cair 0,6% e, portanto, continuamos a ter a um escrutínio importante e a ter de ter muito cuidado do ponto de vista orçamental como tivemos nos últimos anos. Mas não devemos ter este tipo de comportamento por causa do Pacto de Estabilidade. Se não estivéssemos no euro e não estivéssemos sujeitos ao Pacto de Estabilidade, provavelmente o mecanismo de funcionamento dos mercados impor-nos-ia regras muito mais complicadas, não escritas mas provavelmente muito mais difíceis de cumprir. Portanto, não é por imposição do Pacto de Estabilidade, temos de ter uma política orçamental com parcimónia como, aliás, todos os portugueses têm lá em casa.

Mas que tipo de consequências? O que nos poderia acontecer?
Por exemplo, quando se fala muito e se argumenta que o investimento público caiu e que em boa parte a consolidação orçamental de 2016 se deveu à sua redução. Isso é verdade. Agora, tirando os comentadores e os políticos da Assembleia da República, alguém deu pela falta desse investimento público? A economia cresceu e até cresceu mais do que o esperado. E porquê? Porque já temos um equipamento social de excelente qualidade. Provavelmente são necessários novos investimentos vultuosos, na ferrovia, e não estou a falar do TGV, nos transportes públicos, mas tudo isso é acomodável. O que não é acomodável é desmandos e investimento por investimento que foi o que aconteceu nos últimos anos e em que o investimento público não teve, depois, repercussão nenhuma em termos de crescimento e em temos de bem-estar para os portugueses. Ninguém está a dizer que é investimento zero. Estou apenas a dizer que os níveis de investimento que tivemos no passado não são necessários neste momento.

O ministro das Finanças enviou a Bruxelas uma carta em que anunciava as medidas a tomar para tornar consistentes os números que estão no Programa de Estabilidade e Crescimento. Que medidas deveriam constar essa carta?
A estabilidade dos impostos é crucial para o desenvolvimento económico. A vida é por si incerta, o futuro é por natureza incerto, e se, além disso, o Governo estiver a mudar os impostos todos os dias, a única coisa que está a criar é mais incerteza e esse tipo de incerteza deve ser evitada, portanto, evitaria mexer em impostos. Não quer dizer que não possa haver um ajustamento aqui ou acolá, mas em geral era bom que houvesse estabilidade do quadro fiscal. Depois, o quadro das leis laborais devia também ser estabilizado e, portanto, assumir que não é para ser alterado num sentido ou no outro. Diria que, do ponto de vista de despesa, devíamos prosseguir de uma forma muito forte a reestruturação da administração pública. A administração pública tem sectores de excelência que trabalham muito bem, com pessoas muito capazes, e também temos o velho Estado, também temos zonas de funcionamento de alguns ministérios ou de alguns departamentos dentro de ministérios que estão muito atrasados do ponto de vista de organização e de eficiência. E, portanto, aí tínhamos um Estado a ser mais eficaz, mas, além disso, quando se é mais eficaz, também se poupam recursos.

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