Não queremos aviõezinhos

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Se a TAP pode ser privatizada, quer dizer que há interessados, e isso quer dizer que, à partida, a TAP é rentável. Se o Estado quer negócios rentáveis, porquê tanto salsifré à volta da compra da frota de dois submarinos alemães que tão proveitosa se revelou para Portugal? Os “naves do ar” são mais do que as “naves do fundo do mar”? Paulo Sacadura P., 52 anos, referenciado nas fichas do Ministério Público (MP) como: “Interveniente com papel relevante na forma como foram negociados e adjudicados os contratos de aquisição e de contrapartidas.”

R: Haver manifestações de interesse pode não querer dizer que haja propostas finais. Uma coisa é o que se diz, outra o que se faz, outra o que o povo sabe que se fez, e outra ainda quem é que no fim ganha com isso. A propósito, parabéns pelo arquivamento, se o leitor é quem eu estou a pensar. Mas o grande desafio da TAP está relacionado com a questão da rentabilidade das frotas de transportes. Com os submarinos provou-se que uma injecção de capital pode ser coroada de êxito para, pelo menos, cinco privados (ou seis). Enfim, correu mal para os alemães que estão presos por terem corrompido sem haver, do lado accionista português, qualquer corrupto. Mas isso não altera nada: a operação submarinos foi uma privatização que nos deve guiar também no negócio da aviação comercial.

Pode dar garantias de que, uma vez consumada a privatização da TAP sem consultar os seus accionistas (nós, os portugueses), se mantêm as rotas para o Brasil e Venezuela? E as entrevistas podem-se fazer a bordo ou serão proibidas como os cigarros? Por outro lado, ao vender os aviões a privados estrangeiros, um avião da ex-TAP, ao voar por cima do Atlântico, deixará de ser território soberano português e, por isso mesmo, ficará livre da arbitrariedade de juízes, jornalistas medíocres e professores de Direito, não acha? José Pinto de Sousa, 57 anos, na ficha do MP: “O 44 de Évora.”

R: A privatização da TAP fazia parte do programa dos partidos que se propuseram a eleições, faz parte do programa do Governo e até o PS está euforicamente a favor, embora o secretário-geral diga repetidamente que está contra. Os accionistas foram consultados e aprovam a nossa filosofia: vamos vender a TAP na sua totalidade aos estrangeiros para a companhia ficar cada vez mais portuguesa! Mais de 51% dos parlamentares aprovam esta sua detenção... esta nossa privatização, quero dizer. Esta privatização ainda agora começou.

Depois de tanto esforço para criar 350 mil novos emigrantes em três anos, a greve que os sindicatos da TAP marcaram é inadmissível. Acha suficiente decretar “serviços mínimos” para grevistas que quiseram estragar o Natal de emigrantes e turistas (tantos deles compradores potenciais da TAP)? E mais do que uma requisição civil, não seria melhor uma total “requisição fiscal” dos ordenados até que uns piegas que se julgam donos do país sejam despedidos na privatização? Pedro P. Coelho, 50 anos, na ficha do MP: “agente tecnofórmico amnésico”.

R: Vender a TAP o mais depressa possível é acautelar o futuro do país. Os trabalhadores da TAP, e o interesse nacional, estão protegidos por dois anos, isto é, até quase ano e meio depois das eleições. Dois anos inteiros até vender tudinho até ao caroço é honrar nove séculos de História. Nós fizemos o trabalho de casa preparatório e acreditamos que é impossível injectar dinheiro na TAP, porque a companhia que sobrava depois da injecção de capital não era a TAP que conhecemos. Pelo contrário, se vendermos a TAP toda a uns tipos que eu não sei quem são, esta vai continuar a mesma TAP que nos orgulha, sempre a crescer.

Em vez de privatizar aviões, porque é que não constrói uma frota de caravelas para descobrirmos o mundo outra vez e ficarmos ricos? A. Costa, 53 anos, na ficha do MP: “reiterado descobridor da Índia”.

R: Como eu disse, o PS é a favor da privatização total da TAP, só que ainda não se deu conta disso. Os socialistas são teimosos e pouco abertos a negociações, ao contrário do Governo. Quanto à sua pergunta, não vejo como seja possível não vender a TAP. Para mim, a sigla já quer dizer Tás Altamente Privatizada. E o PS também pensa assim, não sei se já disse.

No tiene miedo que TAP se quede como Iberia, que perdió su importancia en Sud-America, comprada por British Airways? M. Rajoy, 59 anos, na ficha do MP: “receptador espanhol de envelopes de dinheiro em caixas de sapatos”.

R: Antes de mais, a Espanha fica num espaço geográfico diferente. Portugal não fica no Sudeste asiático. Poderão objectar que Espanha também não, só que não podemos esquecer que os espanhóis não podem fazer rotas compridas e voltar no mesmo dia porque ainda não acabaram com a “siesta”. Mas a esfera da questão é outra: porque é que nós portugueses havemos de ficar com aviõezinhos? Nós não somos crianças. Não tenho brevet mas se quiser ir a Madrid apanhar um avião para o Rio de Janeiro ou Luanda, posso perfeitamente ir no meu carro. A não ser que o venda, depende da proposta.

Numa TAP privatizada, os passageiros terão direito a beber um copo de cerveja ou um Compal de pêssego num voo de longo curso? Pires Amendoim e Lima, 52 anos, alcunha no MP: “O taxas e taxinhas”.

R: O caderno de encargos dá garantias adicionais de que sim. Mais uma saqueta de alcagóitas, com IVA a 23%. O público tem de ter consciência de que uma violação desta parceria estratégica implica a reversão do negócio. A não ser que não implique, mas isso já não é com este Governo.

O Presidente da República felicitou os homens do ecocentro da Póvoa de Varzim que devolveram quase cinco mil euros encontrados no lixo, mas esqueceu-se de devolver as mais-valias que ganhou no lixo tóxico do BPN. A propósito, o senhor secretário de Estado vai comer muitas “fatias douradas” no Natal? Aníbal Silva, 75 anos, na ficha do MP: “amigo de suspeitos referenciados”.

R: Eu prefiro chamar-lhes “rabanadas”. “Fatias douradas” só depois da privatização total da TAP, que isso é que vai valer ouro. Eu já nem durmo a pensar nisso e a responder a perguntas dos leitores.

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