“Não penso que a médio prazo Portugal recupere a liderança das vendas a Angola"

O economista angolano Manuel Alves da Rocha diz que se está a verificar uma “forte correcção na direcção dos fluxos comerciais de Angola”.

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Manuel Alves da Rocha é economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola DR

O director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola considera que .a futura integração deste país na Zona de Livre Comércio da SADC vai provocar alterações aos fluxos do comércio com Angola. Conforme noticiou esta sexta-feira o PÚBLICO, Portugal foi ultrapassado pela primeira vez pela China como maior abastecedor desse país.Em entrevista por email, este economista diz que “pode haver uma leitura política dum excesso de dependência das importações angolanas de Portugal”.

Como que explica a liderança da China como exportador para Angola? A crise provocada pela queda do preço do petróleo está relacionada com esta alteração?
Os produtos chineses são mais baratos do que os importados de Portugal. As empresas chinesas, através das diferentes linhas de crédito, têm a preferência do Governo angolano na realização de muitas obras públicas. De resto, [essa é] uma das condições dos acordos de financiamento. Muitas matérias-primas, intermédias e bens de equipamento necessárias a essas obras vêm da China. As associações empresariais angolanas têm reclamado junto do Governo este predomínio das empresas chinesas, das suas importações, porque no seu entender prejudicam a produção nacional ou as oportunidades de a desenvolver neste tipo de produtos. Se bem que sem dados confirmados, a comunidade chinesa em Angola pode rondar as 300.000 pessoas, o que ajuda a compreender o aumento das importações de bens de consumo da China, mais alinhados com os seus padrões culturais. Esta comunidade chinesa é muito activa, mesmo fora do sector das obras públicas, e desenvolve actividades diversas para as quais necessita de bens importados, que seguramente não virão da Europa. As exportações europeias para Angola acabam por apresentar preços altos derivados do valor do euro.

Que tipo de produtos estão na base do crescimento das vendas de bens chineses para Angola? Maquinaria?
A China exporta de tudo. Como se sabe para todo o mundo. Como referido, todos os bens de equipamento, intermédios e materiais de construção fazem parte da lista dos produtos importados da China. Até cimento costuma ser comprado aí (a despeito de Angola possuir duas fábricas que no entanto não cobrem as necessidades).

Acha que esta nova realidade irá manter-se, ou Portugal poderá recuperar a liderança?
Há uma diferença fundamental de comportamento entre a comunidade chinesa e portuguesa. É curioso verificar a capacidade de integração dos chineses em Angola: a maior parte deles vive nas periferias das cidades, onde têm empresas, activam a agricultura, são candongueiros, adoptam nomes angolanos/portugueses, a despeito de alguns atritos que por vezes acontecem. A comunidade portuguesa é mais distante, confina-se aos condomínios ou aos apartamentos de luxo no centro da cidade, procura relações de privilégio com o poder político através do tráfico de influências (uma forma de obter contratos) e Portugal não tem o poder financeiro das linhas de crédito da China. Penso estar em marcha – pela influência dos mecanismos de mercado e da posição fortíssima da China em África (está em curso uma nova Estratégia de Aliança China-África onde se encontram definidos todos os domínios de cooperação económica) – uma forte correcção na direcção dos fluxos comerciais (e outros) de Angola. A sua futura integração na Zona de Livre Comércio da SADC vai seguramente provocar um desvio do comércio. Não penso que a médio prazo Portugal recupere a liderança das vendas a Angola. Quando se encara a diversificação em Angola, também a das importações e dos espaços geográficos da sua proveniência está em causa. Acresce que pode haver uma leitura política dum excesso de dependência das importações angolanas de Portugal: a influência cultural veiculada pelos próprios produtos. Existem abordagens doutrinárias que pretendem reduzir a significância dos laços culturais coloniais. Com João Pedro Pereira

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