“Não faz sentido diabolizar os estágios profissionais”

Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, defende que a medida deve focar-se nos jovens e que o seu sucesso mede-se pela capacidade de os estágios se transformarem num contrato "autónomo, sem precisar de ser subsidiado".

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Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego Enric Vives-Rubio

O secretário de Estado do Emprego garante que em 2016 será feita uma avaliação aprofundada das políticas activas de emprego e dos efeitos que tiveram sobre o mercado de trabalho. Miguel Cabrita, que antes de integrar o Governo era professor no ISCTE, alerta que, quando os apoios ao emprego têm um nível de execução tão grande e abrangem tanta gente, "têm um efeito também sobre o mercado de trabalho" e sobre "as expectativas que geram nas pessoas e nas empresas". Sobre os recibos verdes, considera que o caminho passa pela revisão do processo de reconhecimento e de conversão em contrato de trabalho. Mas afasta a criminalização das falsas prestações de serviço.

Disse que encontrou o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) descapitalizado. O que é que isso significa?
As Políticas Activas de Emprego (PAE), que correspondem à grande fatia do orçamento do IEFP, tiveram níveis de execução muito elevados em 2014 e em 2015. Estes foram, de longe, os anos em que historicamente a execução foi mais elevada. Aproximadamente 450 milhões de euros por ano. O quadro que nos foi apresentado a meio de Novembro implicaria uma diminuição muito forte dos recursos disponíveis para as PAE e foi nesse sentido que falámos em descapitalização.

Essa descapitalização teve a ver com a forma como foram distribuídos os fundos europeus no Portugal 2020?
As opções de programação levaram a que a área do emprego e da formação fosse claramente subvalorizada em relação a outras áreas. Enquanto no QREN havia aproximadamente 3000 milhões para o emprego e formação, no Portugal 2020 as contas que foram feitas apontam para cerca de 1700 milhões, uma diminuição de 40%.

Como vão resolver o problema?
São processos muito complexos e não gostaríamos de antecipar cenários, até porque o quadro ainda está a arrancar. Estamos a tentar, internamente e a nível nacional, fazer mexidas no equilíbrio das medidas em áreas que tenham mais dificuldade para executar recursos financeiros ou em relação às quais os recursos não estão ainda alocados. Devemos esgotar as possibilidades, antes de falarmos de uma reprogramação.  

A diminuição dos recursos vai obrigar a uma alteração das prioridades nestas áreas?
As políticas terão de ser mais eficientes. Porque não há recursos e porque temos muitas dúvidas de que alguns dos apoios que têm sido dados - por exemplo, os programas Estímulo Emprego que financiam contratos a prazo - sejam o tipo de políticas que nos interessa financiar. Ao longo de 2016, não queria antecipar o momento exacto, haverá mudanças.

Quando uma pessoa está desempregada e vai ao centro de emprego, tem a expectativa de que lhe arranjem solução. O problema é que nem sempre essa expectativa é preenchida. 
Em primeiro lugar temos de compreender essa desilusão e ser solidários com ela. Não adianta dizer às pessoas que, como há um número muito grande de desempregados, é complicado encontrar uma solução para todos. O importante é encontrar soluções, mas há soluções melhores do que outras. Estou de acordo que, por vezes, entre não ter resposta nenhuma e ter uma má resposta, pode ser preferível ter uma má resposta. Mas não podemos generalizar, porque senão ficamos com uma proporção muito grande de respostas que são más.

O desemprego de longa e de muito longa duração continuam a ter um peso significativo. Que medidas estão a ser preparadas para atacar o problema?
Uma das variáveis é direccionar mais recursos, quer para os desempregados de longa duração, quer para os jovens. Um exemplo é o contrato-geração. É  uma medida para ser desenvolvida em 2016 e que gostaríamos que mais próximo do final do ano pudesse estar pronta para entrar em funcionamento.

A utilização de Contratos Emprego Inserção (CEI) ganhou grande relevância no Estado. Que mudanças serão feitas?
A nossa questão com os CEI é que este tipo de medidas devem existir sobretudo quando as entidades que recebem as pessoas têm alguma probabilidade de as poder absorver. Ora, no caso do Estado, sabia-se que aquelas pessoas, mesmo que fossem necessárias e que a experiência tivesse corrido bem, não poderiam ficar. Para já, o primeiro passo é fazer um levantamento exacto das situações de precariedade no Estado.

Os CEI vão continuar a ser propostos como solução aos desempregados?
É algo que não está ainda fechado e que vamos incluir na discussão com os parceiros sociais quando falarmos de PAE. Os CEI têm uma expressão bastante grande. Mais de 50 mil são no Estado, dos quais perto de 40 mil são nas autarquias.

Faz sentido manter a medida quando não se concorda com a configuração que tem?
Há aspectos que vamos ter de resolver. O primeiro é que não faz sentido que continuemos a ter um volume de necessidades tão largo assegurado por este tipo de contratos, especialmente se não houver possibilidade de contratar as pessoas. Não há nenhum compromisso para, de um momento para o outro, resolver este problema que foi criado, mas há o compromisso de identificar as situações em causa e identificar ritmos e caminhos.

Isso também se aplica aos estágios?
Não faz sentido diabolizar os estágios profissionais. São uma medida muito importante se forem utilizados para gerar uma oportunidade justa de alguém aceder a um emprego. Temos de garantir que os estágios são mais selectivos e focados nos jovens. Há margem para repensar, com os parceiros sociais, a relação dos estágios com as garantias de emprego líquido que já existem. Quando se pergunta qual é a taxa de êxito dos estágios, essa é uma questão que temos de avaliar muito cuidadosamente.

Tem sido uma questão polémica.
Temos de aprofundar os factos para que deixe de ser polémica. Quando me dizem que os estágios têm uma grande taxa de sucesso eu pergunto: é sucesso uma pessoa ter feito um estágio, a seguir ser contratada ao abrigo do programa Estímulo Emprego (em que boa parte do salário é subsidiado) e, como esse contrato está a gerar descontos [para a Segurança Social], aparecer como taxa de sucesso de um estágio? Um estágio ou dá origem a um contrato de trabalho autónomo sem precisar de ser subsidiado, ou então tenho muitas dúvidas de que possamos incorporar isto no êxito dos estágios. Isto é perverter os números. Vamos lançar um processo de avaliação mais aprofundado das PAE.

Quando?
É um trabalho que envolverá o IEFP e que queremos que seja feito nos próximos meses. O mercado de trabalho mudou muito e as PAE mudaram muito, em particular de 2013 para a frente. Precisamos de perceber o que aconteceu a estas pessoas e que lições tirar sobre o que resulta melhor e pior e os efeitos que teve na precariedade. Quando as PAE têm um nível de execução tão grande e abrangem tanta gente, têm um efeito também sobre o mercado de trabalho e sobre as expectativas que geram nas pessoas e nas empresas. Qual é o empregador que pensa em contratar de forma autónoma, se sabe que pode ter acesso a modelos de contratação que lhe saem muito mais baratos? Entre formações, estágios, Estímulo Emprego, redução da TSU, temos uma panóplia de políticas que permitem que muito facilmente as empresas joguem com isto e as pessoas andem neste circuito.

Em alguns casos não é melhor andarem nesse circuito do que estarem em casa?
Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. Mas não é sustentável. Nem para as pessoas, do ponto de vista do seu projecto de vida; nem para o Estado, do ponto de vista financeiro; nem para as empresas, porque é um péssimo sinal do ponto de vista da sua sustentabilidade. Outra questão é que podemos estar a inibir as contratações reais. A narrativa que nos era vendida era que o desemprego estava a baixar e estávamos a ter criação de emprego. Então por que é que choveu tanto dinheiro sobre o mercado de emprego?

A Comissão Europeia dizia claramente que uma parte da criação de emprego foi feita à custa das PAE.
Essa é a visão que sempre defendemos. Ninguém pode ficar insatisfeito quando a taxa de desemprego diminui de maneira consistente. O que não podemos aceitar é que nos vendessem isso como uma história de sucesso, que tinha a ver apenas com a dinâmica da economia, quando nenhum outro dado era consistente com uma descida desta dimensão. Houve uma relação com o número de ocupados, que aumentou cerca de 55 mil entre 2011 e 2015.

O aumento da TSU nos contratos a termo é uma das medidas do programa do Governo. A ideia é fazer algo semelhante ao que se propunha em 2010?
A ideia é reequilibrar o mercado de trabalho, reforçando a ideia de que é benéfico para todos que os contratos sem termo sejam a regra. A solução pensada em 2010 era a diferenciação da TSU, diminuindo 1% para os contratos permanentes e subindo 3% para os contratos a termo. Não está excluído que seja uma solução deste tipo, mas não temos ainda nenhuma proposta fechada. Esse pode ser um caminho ou penalizar as empresas que recorrem excessivamente a contratos a termo.

E como se salvaguardam as actividades sazonais?
Na agricultura e no turismo, sectores mais expostos aos picos de actividade e à sazonalidade, essas questões terão de ser salvaguardadas. Quer na eventual diferenciação da TSU, quer na penalização das empresas com excesso de rotatividade, quer em eventuais mexidas que se possam fazer nas regras dos contratos a termo. Mexer nos contratos a termo não significa eliminar a flexibilidade, porque há outros mecanismos na lei que o permitem. É como se tivéssemos incorporado um chip a dizer que a legislação laboral é rígida, mas isso já não é verdade em muitas dimensões. Do ponto de vista das compensações mudámos muitíssimo, há formas legais como os contratos de muito curta duração e intermitentes, o uso dos contratos a termo que se generalizou, já para não falar na questão do trabalho independente. Quando vamos parar de dizer que temos um mercado de trabalho pouco flexível?

Defende a criminalização do uso de falsos recibos verdes?
Sou um grande defensor da proporcionalidade. Tenho as maiores dúvidas de que faça sentido criminalizar o uso de falsos recibos verdes. Revisitar o processo de reconhecimento de falsos recibos verdes e a sua conversão em contrato de trabalho; avaliar a lei de 2013 - que trouxe coisas muito importantes -; tornar menos atractivo o recurso a recibos verdes; aumentar as penalizações; repensar os modelos contributivos parece-me o caminho correcto.

Enquanto o Governo fala em limitar a contratação a termo, as confederações patronais têm radicalizado o discurso e exigem mais flexibilização. Antecipa tempos difíceis na concertação social?
Devo confessar que não vi uma radicalização do discurso. Percebo, em particular num quadro político que é novo, que possa haver algumas desconfianças. O Governo tem dado sinais de que o caminho não é de mudança radical, mas de diálogo e de tentar encontrar compromissos que respondam aos desafios que não temos o direito de ignorar. A precariedade e a regulação do mercado de trabalho são questões reais. Não sendo o nosso caminho fazer uma reforma global do Código do Trabalho, será importante identificar os nós em que é importante mexer, construir os consensos possíveis, mas não permitir que haja bloqueios a uma decisão.

Desistiram de um acordo de longo prazo no salário mínimo?
Não desistimos. O que nos pareceu é que faria sentido fazer esse caminho passo a passo. Houve um compromisso de monitorizar trimestralmente a evolução da situação e, chegando à altura de renovar o acordo, veremos as condições que existem. Se houver condições para um acordo a três anos, tanto melhor.

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