Não é contabilidade, é democracia

Os ministros a União Europeia propuseram novas regras orçamentais na União Europeia.

As regras orçamentais na União Europeia há muito que deixaram de ser uma ciência exacta. Basta lembrar a recente polémica a envolver Portugal. Quando o Governo enviou para Bruxelas um documento com o esboço do Orçamento para 2016, com os mesmos números e com as mesmas medidas, Mário Centeno calculava uma descida no défice estrutural (aquele que não tem em conta os efeitos da conjuntura económica e as medidas extraordinárias) de 0,2 pontos percentuais, enquanto a Comissão apontava não para uma descida, mas para um agravamento deste indicador em 0,4 pontos percentuais. Isto tudo porque Lisboa e Bruxelas não se entendiam sobre a forma como deveriam ser contabilizadas as medidas de reversão da austeridade. Não se trata apenas de contabilidade, já que a diferença entre um número e outro significa muitos milhões de euros de austeridade, a mais ou a menos, na vida dos portugueses.

Daí que seja de aplaudir o anúncio feito este fim-de-semana pelos ministros das Finanças da União Europeia, que fizeram uma proposta para alterar o Pacto de Estabilidade e Crescimento – no sentido de substituir a regra do défice estrutural por uma outra que visa colocar um travão à despesa pública. Não se trata aqui de engenharia financeira, mas de conceitos que afectam o nosso dia-a-dia. O conceito de défice estrutural, pelo exemplo acima, percebe-se que é confuso, volátil, subjectivo, interpretativo e quase arbitrário e faz com que um ministro das Finanças esteja a trabalhar para uma variável que não consegue controlar, nem sequer calcular. Isto acabava por resultar numa transferência de soberania desnecessária e pouco transparente dos ministros de governos democraticamente eleitos para técnicos burocratas que estão algures em Bruxelas atrás de uma máquina de calcular.

Ao substituir este conceito pelo da despesa estrutural primária (que terá de evoluir em função do potencial de crescimento da economia), ganha-se em várias frentes. Tira-se aos governos a tentação de invariavelmente fazer a consolidação das contas públicas sempre pelo lado mais fácil – o dos impostos e das receitas – e os ministros passam a poder tomar decisões mais facilmente escrutináveis e que vão privilegiar as reformas estruturais. A maior vantagem naturalmente é que a governação de um país deixa de estar dependente de fórmulas matemáticas obscuras e subjectivas, que invariavelmente dão azo a diferenças de tratamentos entre países com problemas idênticos.

O Governo português esteve bem a marcar a agenda europeia, quando, em Março deste ano, juntamente com outros sete países, enviou uma carta à Comissão Europeia a criticar precisamente o que dizia ser a "tarefa complexa" de calcular o défice estrutural. A concretizar-se a mudança, é mais um passo em frente para credibilizar o projecto europeu, desde que os países, nomeadamente o nosso, não olhem para as novas regras como um convite ao afrouxamento da disciplina orçamental.

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