CGD: Ministério Público suspeita de favorecimento na concessão de créditos

Os investigadores falam em "prática de favorecimento" de empresários na concessão de crédito, omissão deliberada de passivos e de ocultação de incumprimentos pelos clientes. Actos de alegada "gestão danosa" durante os mandatos de Santos Ferreira, Faria de Oliveira e José de Matos.

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Miguel Manso

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o pedido de levantamento de sigilo bancário na Caixa Geral de Depósitos (CGD), recusado pelo Banco de Portugal, entregue no Parlamento e a que o PÚBLICO teve acesso, revela a "suspeita de que a Caixa tem vindo a acumular, desde pelo menos da década de 2000, um conjunto de negócios consubstanciados em concessões de crédito, sem que as mesmas se revelassem colaterizadas por garantias bancárias adequadas". 

Num documento que procura justificar o acesso a informação sigilosa, como determinante para a investigação em curso, o Ministério Público acrescenta que os negócios em causa revelam por parte da gestão do banco público "uma deficiente análise de risco" e "negligência na observância dos níveis prudenciais adequados". Práticas que, dada a identidade dos clientes já apurada na investigação, podem "consubstanciar uma intencional prática de favorecimento de determinados agentes económicos em detrimento de outros, face às condições de acesso ao mercado de crédito".

O Ministério Público fala ainda da suspeita que as imparidades registadas pelo banco serviram para "limpar" créditos cuja concessão violou "normas de racionalidade na gestão", nomeadamente no que diz respeito à prestação de garantias. Balizando o período em que terão ocorrido estas práticas entre 2007 e 2016, a investigação centra os actos suspeitos nas gestões lideradas por Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira e José de Matos. E contabiliza em 1401,1 milhões de euros o registo de imparidades relacionado com estes créditos, embora referindo ser "a exposição bastante superior".

No documento, em que o Tribunal da Relação dispensa o Banco de Portugal do dever de sigilo bancário, os investigadores referem que "terá sido determinada a omissão de alguns registos de incumprimento, como é o caso dos triggers de imparidade" na área do imobiliário, "na medida em que se detectou que clientes que apresentavam operações vencidas e tido [como] pagas foram classificadas no segmento 'créditos sem incumprimento'". Assim, prosseguem, "tal situação aponta para uma acção deliberada no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco". 

Se vierem a ser provadas as suspeitas levantadas pelo Ministério Público, as práticas descritas no acórdão "permitem a conclusão de se estar perante um conjunto de decisões tomadas pelos órgãos de gestão do banco ou pelos respectivos decisores em cada uma das áreas envolvidas que assumem relevância criminal, sendo passíveis de configurar, pelo menos, a comissão de crime de administração danosa". 

O PÚBLICO sabe que o Banco de Portugal ainda não foi notificado por qualquer das partes da deliberação do Tribunal da Relação, não conhecendo sequer os fundamentos do acórdão. Segundo fonte do supervisor, só depois de os conhecer, é que irá decidir o que fazer sobre a decisão. 

Oficialmente, o Banco de Portugal não comenta processos em litigância. 

Este acórdão surge depois de na semana passada o relator da comissão de inquérito à Caixa, o deputado socialista Carlos Pereira, ter ilibado os anteriores governos de interferência na gestão do banco público. 

No final do acórdão, o Tribunal sublinha, perante o descrito no documento, que o Banco de Portugal deve "fornecer ao Ministério Público todos os elementos solicitados".

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