Merkel encontra novos aliados contra proteccionismo de Trump

É o primeiro G20 que não conta com os EUA como um dos grandes defensores do comércio livre. Europa, China e Japão respondem com mais união.

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Angela Merkel e Xi Jinping encontraram-se esta semana antes do G20 LUSA/FILIP SINGER

É numa das cidades do mundo que mais tem beneficiado com o comércio internacional que se realiza a partir desta sexta-feira a primeira reunião do G20 em que é verdadeiramente colocada em causa a ideia de que as maiores potências mundiais querem avançar para um objectivo de comércio livre.

Hamburgo – a segunda maior cidade alemã e o terceiro mais importante porto da Europa – será o palco do primeiro encontro dos líderes das maiores economias avançadas e emergentes desde que a eleição de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos mudou por completo o tom do debate sobre política comercial em todo o mundo.

Em anteriores reuniões do G20, as discussões mais acesas estavam geralmente reservadas para os efeitos de contágio que as políticas monetárias nas potências tradicionais tinham na estabilidade de todas as economias do mundo, especialmente as emergentes. É verdade que os excedentes comerciais da China e da Alemanha já faziam parte da agenda, mas as divergências existentes acabavam por ser minimizadas com a introdução, no comunicado final, das habituais intenções de melhor coordenação das políticas e de avanços no objectivo de uma cada vez maior liberalização do comércio.

O cenário agora é diferente. Durante a campanha eleitoral e já depois de eleito, Donald Trump tem repetido em diversas ocasiões a ideia de que a culpa dos problemas de desemprego e redução de salários que afectam os norte-americanos residentes em zonas industriais está nos acordos comerciais “injustos” assinados pelos EUA e, particularmente, nas políticas comerciais e cambiais agressivas de países como a China e a Alemanha, cujos enormes excedentes comerciais contrastam com os défices norte-americanos.

A resposta, diz Trump, é estabelecer novos acordos comerciais mais favoráveis aos Estados Unidos, não colocando de lado a possibilidade de retaliar com a aplicação de maiores obstáculos à entrada de produtos no país. Com Trump, o cenário de uma nova era de proteccionismo passou a ser uma possibilidade real e a forma consistente como o Presidente dos Estados Unidos tem vindo a repetir a sua posição sobre o assunto faz com que poucos acreditem que haja a hipótese de uma aproximação dos EUA às posições que são defendidas pelos líderes dos países que mais apoiam a globalização.

Do outro lado da discussão vão estar principalmente a China e a Europa, contando esta última com o protagonismo da anfitriã Angela Merkel. E, neste caso, aquilo que a chegada de Donald Trump parece ter feito, foi abrir um espaço livre para quem se queira assumir como o novo campeão da globalização. Merkel e Xi Jinping, o Presidente da China, têm mostrado estar disponíveis para desempenhar esse papel. E, provavelmente como forma de contrariar o poder do líder da maior economia do planeta, têm vindo a dar vários sinais de união.

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Nas vésperas da cimeira, e já depois de ser ter reunido com o líder chinês, Angela Merkel deixou claro que não pretende facilitar no debate com Trump. E colocou a questão como havendo um “nós” e um ele” no debate da política comercial. “Enquanto nós estamos a olhar para as possibilidades de cooperação que beneficiem toda a gente, a globalização é vista pela administração norte-americana mais como um processo que tem vencedores e perdedores. Qualquer pessoa que pense que pode resolver os problemas deste mundo com isolacionismo e proteccionismo está a cometer um enorme erro”, afirmou em entrevista ao Die Zeit.

Outro sinal de que outros países estão a tentar mostrar a Trump uma frente unida foi o anúncio esta semana de um entendimento político para o estabelecimento de um acordo comercial entre a União Europeia e o Japão. As negociações duravam já há vários anos, com o Japão a não querer abrir o seu mercado aos produtos agrícolas europeus e a UE a não querer fazer o mesmo aos automóveis nipónicos, mas o “factor Trump” parece ter conseguido desbloquear as conversações, mostrando ao mundo que não é preciso a participação dos Estados Unidos para abrir o comércio entre grandes potências.

Para tentar baralhar um pouco este clima de união entre as outras potências económicas, Trump ainda tem alguns trunfos (para além do enorme peso que a economia dos EUA tem em todo o mundo). Um deles é a possibilidade de colocar no topo da agenda do G20 um tema em que Europa e China não têm a mesma posição: o excesso de produção mundial de aço. Na última década, a China aumentou a produção de metais de uma forma impressionante, o que conduziu a uma redução de preços e à crise do sector nos EUA e em vários países europeus. Trump quer forçar a China a reduzir a produção, e em vários países europeus essa ideia é bem recebida. A China dificilmente aceitará recuar sem contrapartidas.

É por isso que, de acordo com a generalidade dos analistas, existem poucas expectativas que saiam da reunião do G20 de Hamburgo posições comuns sobre a questão comercial. Já foi isso que aconteceu aliás quando os ministros das Finanças do G20 se reuníram em Março e quando no mês passado se realizou a reunião do G7. Neste cenário, aquilo que pode ser visto como um bom resultado é apenas o não agravamento das divergências públicas entre os principais participantes.

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