Mercados calmos, mas ainda de olhos postos na banca

Capitalização do banco Monte dei Paschi treme por causa da incerteza política e Estado pode ser forçado a intervir.

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O banco Monte dei Paschi di Siena está no centro da crise bancária italiana Reuters/Max Rossi / Reuters

Seja porque a derrota de Renzi já era esperada, seja porque em Itália uma mudança de governo já não assusta, seja porque Mario Draghi em Frankfurt pode sempre ajudar, a verdade é que, depois de tanto tempo à espera da tempestade que se seguiria a uma vitória do “não” no referendo em Itália, os mercados responderam com um dia da mais absoluta normalidade. No fim da sessão, a bolsa de Milão foi a única a cair na Europa e não foi mais que 0,22%, as taxas de juro da dívida estabilizaram em níveis muito próximos dos do final da semana passada e o euro até registou uma subida face ao dólar.

No entanto, para lá desta aparente acalmia e tranquilidade, há ainda uma razão para nervosismo: a dificuldade extra que a incerteza política traz à tarefa de encontrar uma solução rápida para os bancos mais débeis de Itália.

Nas bolsas e nos mercados monetário e da dívida, o dia começou com algum sobressalto. As bolsas registaram perdas nos primeiros minutos, o euro caiu e as taxas de juro subiram. Mas muito rapidamente, à medida que os investidores percebiam que não havia sinais de pânico à sua volta, todos estes indicadores começaram a voltar ao ponto em que se encontravam no início da sessão.

O sentimento geral é o do que, durante as últimas semanas, a generalidade dos actores do mercado já antecipava um resultado deste tipo no referendo e que, por isso, tinham nos seus portfólios a exposição à Itália considerada adequada para este tipo de cenário. Não tendo havido surpresas significativas (embora a dimensão da derrota de Renzi tenha sido maior que o esperado), não havia grandes razões para mudar.

O problema pode estar agora nas surpresas e dificuldades que possam surgir nos próximos dias. E aí, do ponto de vista dos mercados, as atenções vão estar voltadas para duas frentes: a solução governativa encontrada após a saída de Matteo Renzi e o processo de recapitalização no sector bancário.

Os dois problemas estão interligados. O referendo italiano foi feito precisamente no momento em que se está à espera que o primeiro passo para o plano de recapitalização do banco Monte dei Paschi se concretize. É no decorrer desta semana que é suposto a terceira maior instituição financeira de Itália (e a mais antiga do mundo) conseguir obter 5000 milhões de euros de capital de investidores particulares.

Se essa operação falhar, todo o resto do plano — que inclui a venda pelo banco da maior parte do seu enorme volume de crédito malparado — deixa de se poder concretizar. Os próximos dias serão assim decisivos e os sinais que foram sendo dados no final desta segunda-feira não são os mais tranquilizadores.

De acordo com o Financial Times, alguns dos principais potenciais investidores dispostos a apostar num banco que, nos últimos, já viu esfumarem-se mais de 8000 milhões de euros de capital, estão a ver no clima de incerteza política um motivo para recuarem.

Em particular, noticiava o jornal britânico esta segunda-feira ao fim do dia, os responsáveis da agência de investimento soberano do Qatar estão mais reticentes em avançar com os 1000 milhões de euros que estavam previstos, apesar dos esforço directos do ministro das Finanças italiano, Pier Carlo Padoan, para os tranquilizar.

Um fracasso deste tipo forçaria as autoridades italianas a ter de encontrar uma solução alternativa para o Monte dei Paschi, e que envolveria certamente a injecção de dinheiros públicos. A reforçar essa possibilidade, o governador do banco central austríaco e membro do conselho de governadores do BCE fez questão de assinalar esta segunda-feira que a Itália, ao contrário de outros países, ainda não efectuou intervenções públicas na banca durante esta crise. Nesse caso, as regras europeias forçam os credores do banco a suportar perdas, já que vêem os seus títulos de dívida transformados em acções, que dificilmente podem recuperar.

Em Itália, como as famílias constituem a maioria dos credores, o governo poderá tentar encontrar uma solução que proteja pelo menos a dívida até 100 mil euros, noticiaram alguns órgãos de comunicação social italianos.

Seja como for, alguma espécie de bail-in no Monte dei Paschi representaria um golpe difícil de absorver no resto do sector financeiro italiano — e potencialmente no resto dos mercados. “Seria bastante doloroso para o sistema bancário. A reacção negativa não seria apenas em relação ao Monte dei Paschi”, afirmou ao The New York Times o economista italiano Nicola Nobile.

Na linha da frente estão, por exemplo, o maior banco italiano, o UniCredit, que está a contar obter no mercado um financiamento de 13.000 milhões de euros e outros bancos de menor dimensão como o Banca Populare de Vicenza e o Veneto Banca, que precisam também de aumentar o seu capital.

É por isso que, no meio de um resultado global nas bolsas que apontou para variações muito reduzidas, o sector bancário italiano foi o que se portou pior. As acções do Monte dei Paschi, que já perderam 80% do seu valor durante este ano, caíram mais 3,5% esta segunda-feira. O Unicredit chegou a cair 6% a meio da sessão, recuperando parte das perdas na fase final.

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