Megaprojecto ferroviário em Moçambique tem bandeira portuguesa

A construção de uma linha férrea de 500 quilómetros e de um porto de águas profundas vai ser feita por um consórcio luso-chinês que será detido em 50% pela Mota-Engil. O CEO da empresa concessionária, a TML – Thai Moçambique Logística, é português.

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Projecto de ferrovia e porto em Moçambique é aposta da Mota-Engil. Manuel Roberto

Carvão. É este o produto que justifica um investimento de quase 3 mil milhões de euros para construir em Moçambique um caminho de ferro de 500 quilómetros para ligar a zona mineira de Moatize (província de Tete) a Macuse, onde será construído um porto de águas profundas.

O objectivo é abastecer a partir daqui os mercados siderúrgicos e centrais térmicas da Índia, Japão, China e Tailândia que, se tudo correr bem, dentro de 36 meses estarão a consumir carvão moçambicano.

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Até lá, a portuguesa Mota-Engil terá um papel fulcral na construção das infra-estruturas que vão permitir este abastecimento. Em Abril está prevista a assinatura do contrato de EPC (Engineering, Procurement & Construction) entre a TML – Thai Moçambique Logistic, concessionária do corredor de Macuse, e o consórcio ME/CCEC (Mota Engil / China Nacional Complete Engineering) que venceram o concurso para a construção do caminho-de-ferro e do porto.

De fora ficaram propostas concorrentes de consórcios do Brasil, China, Turquia e Coreia do Sul.

“O valor do contrato será de 2,3 mil milhões de dólares [2,15 mil milhões de euros], mas acrescem os custos referentes à implementação do projecto, indemnizações sobre terrenos, e compra de material circulante e de equipamentos portuários, o que coloca o investimento total em aproximadamente 3 mil milhões de dólares [2,8 mil milhões de euros]”, disse ao PÚBLICO, Pires da Fonseca, o português que é CEO da Thai Moçambique Logistic (TML) e a quem compete pôr de pé este projecto.

“Penso que os portugueses poderão ser sempre uma mais valia tecnológica pelos níveis de excelência de algumas empresas e pela facilidade de comunicação com as entidades locais”, diz. Para já, além da Mota-Engil, responsável por 50% do consórcio construtor, a Siemens Portugal vai também estar presente na sinalização e telecomunicações do corredor ferroviário, num investimento próximo dos 100 milhões de euros.

“A forte presença de empresas portuguesas de engenharia, projectista e empresas de fiscalização será também bem-vinda. Penso que mesmo construtoras de menor dimensão serão chamadas a participar. Estou seguro que uma obra desta dimensão terá um efeito directo na economia portuguesa”, diz Pires da Fonseca.

“Pelo facto de eu ser português tento não esquecer as empresas portuguesas para que estas tenham oportunidade de participar num projecto desta dimensão e convido-as a apresentarem-se e a proporem as suas soluções e responderem às solicitações num modelo de concorrência aberta”, prossegue, sublinhando que a Mota-Engil terá nesta matéria um papel relevante.

À partida, dinheiro não falta. A mesma fonte diz que o financiamento do Moatize – Macuse está assegurado, sendo repartido por 70% em empréstimos e 30% de capitais próprios. O Estado chinês, através da Agência de Crédito e Exportação, pode assegurar até 85% do valor do contrato. Os restantes valores são assegurados por outras entidades bancárias, nomeadamente bancos de desenvolvimento e fundos de infra-estruturas.

A estrutura accionista da TML, que detém a concessão da construção e exploração deste corredor ferroviário, é composta pela Italian Thai Development Company (ITD), com 60% do capital, os Caminhos de Ferro de Moçambique, com 20%, e o grupo privado moçambicano Codiza, com os restantes 20%.

Três anos são suficientes para concluir um projecto desta dimensão? Pires da Fonseca diz que sim e recorda que nos últimos três anos já foram investidos cerca de 63 milhões de euros em estudos. E desengane-se quem pensa que em África as exigências ambientais são descuradas. O CEO da TML refere-se a “estudos de impacto ambiental e social com exigências múltiplas vezes superiores aos europeus”. Basta visitar a lei moçambicana nesta matéria, sugere. Daí que a parte imaterial deste megaprojecto tenha recorrido a consultores internacionais de renome como a Royal Haskoning DHV (Holanda), a Canarial (Canadá), a Aurecon (África do Sul e Austrália), a REM (Reino Unido) e a CRCC (China).

Ainda na área da consultoria participaram três empresas que falam português: a Artesacn Portugal, o escritório de Lisboa da multinacional Linklaters e a moçambicana Impacto, que pertence ao biólogo – e escritor – Mia Couto.

A parte física deste megaprojecto, está, assim, preparada para começar e estima-se que sejam necessários 25 mil trabalhadores directos divididos em três bases de trabalho para a parte ferroviária e uma para a parte portuária.

O desenvolvimento dos 500 quilómetros de linha férrea contempla a construção de 63 pontes, a maior das quais atravessa o rio Chire que provém das montanhas do Malawi. A infra-estrutura terá capacidade para comboios com três locomotivas e 210 vagões. Para isso a TML terá de adquirir 2100 vagões (provavelmente fornecidos pela Índia e China) e 40 locomotivas.

Quanto a eventuais incertezas que possam comprometer este projecto – alterações climáticas no mundo e instabilidade político-militar em Moçambique - Pires da Fonseca afasta-as.

“Não há outra forma de produzir aço se não através do carvão e Moçambique é sobretudo um produtor de carvão siderúrgico. Em relação ao carvão térmico basta ver a nível mundial quantas centrais térmicas são inauguradas todos os meses”, responde, acrescentando que, por parte da TML, há compromissos firmados a dez anos com os produtores de carvão para o transporte daquele produto.

“Estamos hoje a avaliar este projecto considerando os preços do carvão a níveis muito baixos do que o histórico poderia indicar. Essa será a tendência. E mesmo assim isso coloca este projecto como o único competitivo para o carvão de Moçambique”,

Numa primeira fase circularão nove comboios por dia com comboios de 11.000 toneladas cada. A título comparativo, em Portugal os comboios mais pesados transportam 1420 toneladas e fornecem carvão, a partir de Sines, à central termo eléctrica do Pego (Abrantes).

Quanto à estabilidade do país, o CEO da TML diz que Moçambique tem demonstrado ao longo do seu período de independência uma “elevada maturidade para resolver questões de política interna e que em nada condicionam projectos desta dimensão”.

De resto, em Moçambique estão já hoje instalados grandes operadores mineiros como é o caso dos grupos indianos ICVL, Jindal, JSW, Tata e Coal India, entre outros. As grandes reservas de carvão moçambicanas estão também na mira dos australianos da Talbot, dos japoneses da Nipon Steel, e Mitsui, e dos coreanos da Posco.

Pires da Fonseca pertenceu à administração da CP e criou a Takargo, a transportadora ferroviária de mercadorias do grupo Mota-Engil. Após uma breve passagem pela Veolia Transdev, partiu para Moçambique onde foi director geral da mineira Rio Tinto.

Foi nessas funções que estudou o corredor Moatize – Macuse.  “Quando a Rio Tinto decidiu desinvestir nos negócios do carvão e sair de Moçambique, os accionistas da TML fizeram-me o convite para liderar este projecto porque a minha curva de conhecimento estava feita”, contou ao PÚBLICO.

“Tenho muito orgulho em ser português e em poder participar neste fantástico projecto. Aqui  sinto-me a fazer algo gigante. O corredor de Macuse ficará em Moçambique para sempre”. Sobre a sua experiência na TML, que o obriga a fazer mais de 500 mil milhas de voos por ano, diz que se sente “um europeu lidando diariamente com a cultura asiática, num ambiente africano e assegurando os parâmetros técnicos europeus para garantir conforto aos financiadores globais e industriais indianos”.

A participação portuguesa no projecto não se esgota na sua construção. Pires da Fonseca está convencido que haverá oportunidades para empresas portuguesas na área das operações ferroviárias e portuárias.

O PÚBLICO contactou a Mota-Engil, mas esta não quis prestar declarações enquanto não for assinado o contrato, o que só deverá acontecer em Abril.

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