Mário Centeno: “A austeridade entra no princípio do seu fim”

PSD diz que a realidade se impôs ao sonho. Ministro das Finanças diz que não há agravamento dos impostos e fala numa “recomposição fiscal virtuosa”.

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"Com este Orçamento a carga fiscal diminui", enfatiza Mário Centeno Miguel Manso

Ouvido no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2016, o ministro das Finanças antecipou-se às críticas da oposição sobre a falta de credibilidade da estratégia orçamental e contrariou, com números, a ideia de que este ano haverá um aumento dos impostos. O seu peso diminui “0,22 pontos percentuais do PIB”, com “uma recomposição fiscal virtuosa”, sublinhou Mário Centeno, insistindo que o Governo está a virar a página e que, por isso, “a austeridade entra no princípio do seu fim”.

“Ao contrário do cenário do Programa de Estabilidade e Crescimento [elaborado pelo primeiro Governo de Passos Coelho], em que a carga fiscal aumentava, com este Orçamento a carga fiscal diminui, ao contrário do que alguns membros desta câmara, seguramente por precipitação, quiseram difundir publicamente”, atirou Mário Centeno, que sustentou que “o total de impostos cobrados será 291 milhões de euros mais baixo do que aquele com que o anterior Governo PSD/CDS se tinha comprometido com Bruxelas”.

Do que fala Centeno quando fala de uma “recomposição fiscal virtuosa”, mais amiga do crescimento? “Com a economia a crescer, ainda assim, descem os impostos directos sobre as empresas e as famílias (uma variação de -2%) e o aumento da receita [é feito] com impostos indirectos (mais 6,6%), apenas em impostos especiais, em que se associam finalidades extrafiscais, como o desincentivo ao endividamento das famílias e o equilíbrio das contas externas. Estes impostos (tabaco, ISV, álcool) sofrem uma actualização base de 3%”, sustentou.

O ministro passou ao ataque à oposição logo no início da audição parlamentar, começando por acusar PSD e CDS/PP de “falta de autoridade” para os dois partidos poderem falar de “contas certas”. As críticas de falta de credibilidade não tardaram a chegar, pela voz do deputado social-democrata Duarte Pacheco, que considerou que, entre o programa eleitoral do PS e a proposta final do Orçamento, “a realidade impôs-se ao sonho, ao irrealismo, à impreparação. No Orçamento, o deputado vê uma “manta de retalhos” que não chega a ser um jogo, mas apenas “peças soltas” onde a austeridade não acaba.

Centeno já tinha tocado neste ponto, mas colocando-a do ponto de vista oposto, quando disse que a gestão orçamental equilibrada, feita “com a diminuição da carga fiscal e a recuperação do rendimento das famílias e das empresas”, é conseguida “virando-se a página da austeridade” e “assumindo escolhas claras”.

O “estilo” da austeridade

Para contradizer esta ideia, o deputado do PSD sustentou que “é a própria UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental] que diz que ele é restritivo”. Conclusão: a austeridade não acabou, pode é “ter mudado o estilo da austeridade”, porque a realidade se impôs.

O deputado do PS João Galamba aproveitou a acusação do PSD à falta de credibilidade do Orçamento, para virar o argumento ao contrário. Se há uma alteração do cenário macroeconómico, isso “é a prova da credibilidade”, porque, ao contrário do que acontecia com a maioria PSD e CDS/PP, disse, as previsões são alteradas quando o cenário muda.

À mesa da audição parlamentar, onde estão os deputados de duas comissões (Orçamento e Segurança Social), foi lançado um desafio por Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda – “provar com dados” que o Orçamento traz o maior aumento dos impostos de sempre.

Para o deputado comunista Paulo Sá, os partidos da anterior coligação estão a tentar transmitir “a ideia de que há um brutal aumento dos impostos”, quando o OE traz é a “reversão do brutal aumento”. A redução da sobretaxa em função dos escalões de rendimento é um exemplo, mas a seguir “têm de se seguir outros passos”, defendeu.

Os deputados do Bloco de Esquerda e do PCP, aliás, enfatizaram as medidas que devolvem rendimentos e na recomposição das medidas fiscais, não deixando de marcar as suas diferenças em relação à proposta final do Governo que resultou das negociações com a Comissão Europeia.

Mariana Mortágua começou por dizer que o OE trava o empobrecimento e repõe rendimentos, mas que “fica aquém daquilo que seria possível e necessário”. Para o Bloco de Esquerda, o draft do Orçamento era melhor” do que a proposta final de OE, mas o próprio esboço já trabalhava dentro de restrições.

Paulo Sá perguntou ao ministro como agirá para “rejeitar as tentativas” da Comissão Europeia em impor decisões de política orçamental ao Governo. Centeno enfatizou que “este Governo revelou uma postura distinta em relação à Comissão Europeia, na sua negociação” e, não deixando de reconhecer as restrições europeias, disse que o “enorme esforço de ajustamento fiscal” feito pelas famílias e empresas deve ser tido em conta.

Procurando explorar contradições no discurso do Governo e dos partidos que o apoiam, a deputada do PSD Margarida Balseiro Lopes desfiou declarações de João Galamba, Paulo Sá e Pedro Filipe Soares sobre o aumento dos impostos indirectos no ano passado, quando estes o criticavam. E voltando-se para o ministro das Finanças, cujo orçamento diz estar ferido de credibilidade, perguntou: “O que é que resta do professor Mário Centeno?” A resposta do ministro: “Tão dramática e tão jovem…”

A deputada centrista Cecília Meireles reforçou o aumento do preço do gasóleo e da gasolina, por via do aumento do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP). E questionou se o benefício fiscal em sede de ISP prometido para compensar as empresas de transporte do agravamento do imposto existirá mesmo ou se “é só para inglês ver”. Isto porque, apontou a deputada, o Governo prevê que o valor da despesa fiscal associada ao ISP se mantenha igual ao do ano passado (342,5 milhões de euros). Centeno respondeu que o benefício fiscal às empresas terá efeito orçamental em 2017 e garantiu que todos esses impactos serão reflectidos quando forem conhecidas as contas para o próximo ano.

Governo não abandonou descida da TSU

Na audição, o ministro das Finanças garantiu que o Governo não deixou cair descida da Taxa Social Única dos trabalhadores com rendimentos mais baixos (salários até 600 euros), uma medida inscrita no programa de Governo e que não avançou este ano. A questão, disse o ministro, “vai ser colocada em discussão, no contexto da diversificação de fontes de financiamento da Segurança Social”.

Quanto ao regresso das 35 horas de trabalho na função pública (em vez das actuais 40 horas), o ministro das Finanças insistiu no objectivo de a medida ser implementada “sem aumento dos custos globais”. Confrontado pelo PSD sobre como é que o Governo quer implementar a medida – que António Costa diz que entrará em vigor a 1 de Julho –, Mário Centeno diz que a reposição das 35 horas “não é de discussão de natureza orçamental neste momento”.

A questão tem de ser analisada em cada entidade e em cada carreira da administração pública, referiu, já em resposta ao PCP, prometendo que “estas matérias vão ser analisadas com muito rigor”. “A negociação colectiva é o lugar mais privilegiado” para discutir o tema, afirmou.

“Não haverá despedimentos”

Sobre a entrada de apenas um trabalhador na administração pública por cada dois que saem, Centeno garantiu que “não haverá despedimentos na administração pública”. “Estamos a falar daquilo que é a rotação natural que há em todas as relações laborais e que tem a ver com a aposentação”, explicou, dizendo que a saída líquida (a rondar os 10 mil trabalhadores) resulta das previsões da Caixa Geral de Aposentações (de que se reformem 20 mil funcionários públicos este ano).

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