Lei para os lesados do BES passa à discussão na especialidade com calendário apertado

Discussão no Parlamento mostrou divergências entre os partidos sobre o modelo de solução proposto aos detentores de papel comercial.

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Lesados à espera dos deputados para concretização da solução. Diogo Baptista

A proposta de lei do Governo que visa enquadrar legalmente a solução para os lesados do papel comercial do BES foi debatida nesta sexta-feira no Parlamento, mas como o PÚBLICO tinha avançado, desceu à comissão de Orçamento e Finanças para discussão na especialidade sem votação. O requerimento apresentado pelo PS visou garantir um consenso mais alargado para aprovar o diploma que vai criar os chamados fundos de recuperação de créditos.

As profundas divergências e a pressão de calendário são agora transferidas para a discussão na comissão, onde ainda vão ser ouvidas diversas entidades. Apesar de descer com um prazo de 60 dias, o diploma terá de ser aprovado até à última votação antes das férias, a 19 de Julho, o que, a acontecer, representará um tempo recorde.

No debate desta manhã, a direita acusou o Governo de não divulgar os contornos exactos do acordo a que terá chegado com representantes dos lesados e de não divulgar quanto isso poderá custar aos cofres do Estado. E a esquerda, embora não esteja toda de acordo, defendeu ser necessário resolver a questão.

Vigarices e vigaristas, segundo o PSD

O social-democrata Carlos Silva criticou a “profunda opacidade” do processo e o facto de não se conhecerem “os termos do acordo alcançado pelo amigo do primeiro-ministro com os lesados do BES, aquele amigo para todas as ocasiões”. Disse que o Governo “engendrou uma solução ardilosa que coloca portugueses contra portugueses” – por dar condições diferentes entre os lesados -, questionou por que razão “quem ficou com o dinheiro não é chamado a responder”, e disse que o PSD se preocupa com a solução por implicar que seja usado o “dinheiro de todos os portugueses para pagar os investimentos ruinosos de alguns” – ou seja, a criação de “novos lesados: os contribuintes”.

“Esta solução, à boa maneira socialista, é a de que alguém há-de pagar; não se sabe quando nem quanto - é mais um remendo da geringonça à custa dos portugueses”, apontou. “A geringonça, através do amigo do primeiro-ministro arranjou uma solução que se resume a ilibar vigaristas que venderam banha da cobra aos clientes bancários.” Perante os protestos ruidosos dos deputados do PS, Carlos Silva replicou: “Eu pergunto ao PS se o dr. Ricardo Salgado não foi um vigarista?”

O deputado criticou a imagem de António Costa, “o primeiro-ministro-maravilha a rir-se do país da Alice”. E deixou uma série de perguntas ao secretário de Estado Mourinho Félix, que antes defendera o diploma do Governo.

“- Pretende dar esclarecimento aos deputados sobre este acordo assinado com os representantes dos lesados do BES?

- Este acordo envolve ou não garantia de Estado e diga condições, termos, custos e as verdadeiras exclusões.

- Confirma a exclusão de lesados, nomeadamente imigrantes na Venezuela, África do sul, França e Suíça?

- Os clientes lesados residentes em Portugal que subscreveram papel comercial em canais de venda do BES em igualdade de circunstância com os outros residentes mas que formalizaram as operações em jurisdições internacionais estão envolvidos ou não?

- os trabalhadores do Novo Banco que estão expressamente excluídos da protecção e renúncia relativamente às acções judiciais também estão excluídos relativamente a acções contra os supervisores e o Fundo de Resolução?”

PCP pede nacionalização do património

O comunista Miguel Tiago lembrou que o anterior Governo “nacionalizou o prejuízo da fraude bancária promovida pelo BES e deixou o vigarista fugir com o produto da vigarice”. O deputado quis saber e o Governo está disposto a fazer depender uma eventual garantia pública da nacionalização de todo o património do BES/GES, como herdades, empresas e contas em offshores, ou até a Espírito Santo Saúde, que pudesse satisfazer o pagamento aos lesados e o Estado ressarcido pelo que tem que lhes pagar.

“Ou será outra vez o Estado chamado a pagar sozinho?”, questionou. “Os banqueiros enganam os clientes e o Estado paga o prejuízo: é o paraíso do capitalismo financeiro!”, replicou.

O secretário de Estado-adjunto e das Finanças disse que o texto está disponível no site do ministério, mas poucas mais respostas directas deixou às dúvidas do PSD. Argumentou que os lesados “não são um grupo de gananciosos que se limitou a comprar produtos porque tinham um rendimento superior”, disse que aqueles activos “foram vendidos com informação enganosa, validada por entidades públicas que não cumpriram as suas funções”.

Ricardo Mourinho Félix disse que “ninguém está isento” e que o Governo está a tentar uma solução em que haja “partilha de custos entre o Estado e os lesados” ao garantir que quem acede ao acordo não poderá depois pedir indemnizações a entidades públicas, mas apenas “aos que os lesaram efectivamente – os que são os vigaristas”. “O custo para todos os portugueses já existe”, apontou, numa referência à resolução do banco. Se e quando o Estado for condenado e tiver que indemnizar é que [os contribuintes] pagarão por tudo” – aos lesados e pela resolução.

Dos cheques em branco ao capitalismo de aviário

A centrista Cecília Meireles avisou que o CDS “não colabora no branqueamento de quem enganou estas pessoas” mas também não deve passar a ideia de que “não há arguidos” e um processo judicial a decorrer. E insistiu na necessidade de “se saber, preto no branco” os termos do acordo do Governo com os lesados, como por exemplo os critérios de equidade entre os investidores e o investimento que fizeram, e ainda saber “de que montante é a garantia, ou seja, quanto vai custa a cada português”. “Não será o CDS a impedir uma solução, mas também não passa cheques em branco”, avisou.

O socialista João Galamba atacou o PSD para defender o Governo dizendo que este diploma não é o acordo com os lesados, mas antes a “solução jurídica que o permite”. “Todos os lesados que adiram a esta solução prescindem das acções contra o Estado – e por isso é uma solução que beneficia o próprio Estado. Não se trata de passar cheques em branco nem pagar erros dos outros: é encontrar uma solução”, vincou.

A deputada Mariana Mortágua disse que o Bloco não concorda que a solução seja extensível a fundos de investimento, criticou as “insuficiências e problemas de desigualdades no acesso [ao acordo] dos emigrantes” e os limites para os montantes subscritos em papel comercial. “Não sendo uma solução perfeita, foi o acordo possível”, admitiu a bloquista. “Não será pelo BE que estas pessoas vão ver as suas expectativas adiadas. E vão ter uma solução mesmo tendo ela problemas”, prometeu.

Depois, perante a acusação do PSD de que a proposta do Governo é “uma forma de capitalismo de aviário” e que o Bloco está a ser incoerente, Mariana Mortágua deu uma resposta zangada ao deputado Jorge Paulo Oliveira dizendo que “capitalismo de aviário” é a “porta giratória” usada por muita gente entre o PSD e “os bancos que vão à falência como o BPN”, as “rendas de energia”, haver “bancos salvos à conta de dinheiro do Estado, manter PPP”.

“Salvar e dar resposta a pequenos aforradores que perderam a poupança de uma vida face à fraude de Ricardo Salgado a quem toda a gente batia continência incluindo no seu partido não é capitalismo de aviário. É decência do Estado. É [a solução] perfeita? Não é com certeza. Mas não confunda a decência do Estado com capitalismo de aviário”, rematou.

Pedidos de indemnização podem prescrever a 3 de Agosto

A urgência da aprovação decorre de alguns prazos judiciais para reclamar indemnizações que poderão prescrever a 3 de Agosto, quando se completam três anos sobre a resolução do Banco Espírito Santo. A prescrição dos prazos tem sido questionada por alguns juristas, que defendem que não existe essa prescrição, mas à cautela, o grupo de trabalho que negociou a solução que pretende pagar uma parte do dinheiro perdido pelos lesados fez incluir na proposta de lei um aditamento, de forma a suspender esses prazos.

Embora de constitucionalidade duvidosa, por criar um regime de excepção para o grupo de lesados, a referida norma terá de ser aprovada (e entrar em vigor) antes de 3 de Agosto. Sobre a questão da prescrição de prazos, o grupo de trabalho ainda não fez um esclarecimento oficial sobre esta matéria. Em nota oficial a que o PÚBLICO teve acesso, mas que não foi divulga nos órgãos próprios, nomeadamente no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), refere-se que tais pedidos, “não sendo inúteis, poderão vir a revelar-se não serem necessários”.

A discussão da proposta de lei ­– que permite avançar com a solução que vai pagar aos lesados entre 5% (até  ao máximo de 250 mil euros) e 50% dos valores aplicados –, na comissão de Orçamento e Finanças poderá, no entanto, ser complexa, dada a posição do PSD, CDS e do PCP sobre esta matéria.

Mesmo que acelere agora a aprovação da lei, a chegada da solução aos lesados – que foi negociada ao longo dos últimos dois anos no grupo de trabalho que agrega o Governo, representado por Diogo Lacerda Machado, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliárias, o BES (mau), e uma associação dos lesados – está irremediavelmente atrasada mais uns meses. Já depois de vários adiamentos, o último calendário previa o pagamento da primeira tranche da solução no final de Junho/início de Julho, o que é impossível de cumprir.

Em causa estão cerca de dois mil clientes do BES, que aplicaram 430 milhões de euros em papel comercial da ESI e Rio Forte, vendido pelo banco e que, com a derrocada do grupo, não veio a ser pago.

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