Governo não explica como vai conciliar 35 horas no Estado com redução dos custos com pessoal

Ministério das Finanças quer incluir na lei solução para travar o previsível aumento da despesa com horas extraordinárias. Sindicatos da UGT decidem esta quarta-feira sobre greve de 29 de Janeiro.

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Rescisões inserem-se no âmbito dos cortes de despesa que o Governo quer aplicar, tal como a requalificação, e que afecta a função pública Enric Vives-Rubio

O Governo quer garantir que o regresso à semana de 35 horas não implicará aumentos nos gastos com pessoal, mas não explica como irá concretizar esse objectivo. A redução do tempo de trabalho na função pública é um dos temas que vão estar em cima da mesa nesta quarta-feira, durante as reuniões dos sindicatos com o ministro das Finanças e a secretária de Estado da Administração Pública, e poderá ser o mote para a primeira greve contra o executivo de António Costa. Pela mesma hora, os deputados estarão no plenário da Assembleia da República a discutir os projectos de lei do PS, PCP, BE e PEV, que defendem a reposição das 35 horas.

Para já, há muitos pontos em aberto. Saber como o Governo vai contornar o aumento da despesa com trabalho extraordinário, um dos principais riscos associados à diminuição do horário semanal; qual a abrangência da medida (será para todos os funcionários do Estado, como quer o BE, ou apenas para os que são abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) e a data de entrada em vigor.

Em resposta à ameaça de greve anunciada pelos sindicatos da CGTP – e a que alguns sindicatos da UGT admitem juntar-se – o Ministério das Finanças deixou claro, nesta terça-feira, que o regresso das 35 horas exige “especial cuidado e acompanhamento” para evitar o aumento das despesas com pessoal. E para garantir que assim é vai propor, durante a discussão na especialidade dos projectos de lei dos grupos parlamentares, “soluções” para conciliar a semana de 35 horas “com o imprescindível controlo da despesa”.

A redução do período normal de trabalho, lembra fonte oficial do gabinete de Mário Centeno, é um objectivo assumido “nos exactos termos em que é formulado no Programa do Governo, no qual se prevê o regresso ao regime das 35 horas semanais de período normal de trabalho para os trabalhadores em funções públicas sem implicar aumentos de custos globais com pessoal”.

Governo quer “solução” para controlar despesa
Tendo em conta o “contexto ainda fortemente restritivo em termos de disponibilidades orçamentais”, exige-se “especial cuidado e acompanhamento (…), de forma a prever e controlar riscos de forte impacto no consequente aumento da despesa pública, designadamente por aumento de trabalho suplementar”, acrescenta a mesma fonte.

O ministério garante que todos os projectos de lei apresentados pelos grupos parlamentares “estão a ser considerados tendo em vista o objectivo final de redução para as 35 horas” e que o Governo “aproveitará a fase de discussão e análise parlamentar para contribuir com as melhores soluções para conciliar esse objectivo com o imprescindível controlo da despesa pública”.

A forma como irá compatibilizar menos horas de trabalho com a manutenção dos custos com pessoal não é, por agora, explicada. O PÚBLICO questionou o ministério de Mário Centeno sobre o que poderá ser feito para evitar que as despesas com trabalho extra ou com a contratação de novos funcionários aumentem, mas não teve resposta.

Para se ter uma ideia, em 2013, quando o anterior Governo decidiu aumentar o horário semanal de 35 para 40 horas, a medida foi justificada com a necessidade de reduzir os encargos com trabalho suplementar e de acomodar “o ritmo de redução de pessoal” que estava em curso.

Na altura, o executivo de Passos Coelho/Paulo Portas esperava uma poupança entre 153 e 200 milhões de euros anuais. Numa carta que enviou em Maio de 2013 à Comissão Europeia, ainda antes da lei das 40 horas no Estado ser aprovada, a poupança estimada rondava os 200 milhões de euros anuais, mas no Orçamento do Estado para 2014 a estimativa foi revista em baixa e não ia além dos 153 milhões de euros anuais.

As propostas legislativas dos partidos, que serão aprovadas na sexta-feira e depois passarão à discussão na especialidade, passam ao lado da preocupação de não aumentar a despesa. O próprio PS, na exposição de motivos do seu projecto de lei, limita-se a dizer que a iniciativa “fomenta uma maior conciliação da vida familiar com a vida profissional e visa salvaguardar direitos retirados unilateralmente aos funcionários públicos pelo anterior executivo”.

35 horas negociadas por sector?
A entrada em vigor das 35 horas é outro ponto a esclarecer na discussão na especialidade. O projecto do PS prevê que seja a 1 de Julho, enquanto os projectos de lei dos outros partidos apontam para a entrada em vigor dentro de cinco (BE e PEV) ou 30 dias (PCP) após a publicação do diploma.

Em declarações ao PÚBLICO, na segunda-feira, o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro afastou a aplicação imediata da semana de 35 horas, mas admitiu que a entrada em vigor da medida possa ocorrer antes de 1 de Julho. Já nesta terça-feira, a vice-presidente da bancada do PS, Luísa Salgueiro, lembrou que "há serviços que se encontram abertos ao público oito horas e que não é possível de repente reduzir o seu funcionamento para as sete horas". Por isso, "será preciso negociar a aplicação da lei das 35 horas sector a sector, envolvendo os profissionais e os sindicatos", disse à Lusa.

Na segunda-feira, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas (FNSTFPS), ligada à CGTP, anunciou a marcação de uma greve para 29 de Janeiro se o PS não revir a sua posição sobre a entrada em vigor do diploma.

A Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), afecta à UGT, admitiu juntar-se à greve, caso o Governo não assuma o compromisso de repor de imediato as 35 horas, o fim da requalificação e a correcção dos salários mais baixos. O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), também da UGT, poderá fazer greve a 29, mas só tomará uma decisão depois da reunião com o ministro das Finanças. A decisão das duas estruturas poderá ser conhecida nesta quarta-feira.

A abrangência das 35 horas é outra questão em aberto. A proposta do PS destina-se aos funcionários abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, deixando de fora alguns trabalhadores dos organismos públicos, como é o caso dos hospitais, que se regem pelo Código do Trabalho. Apenas o BE prevê que as 35 horas se apliquem a todos os que exercem funções públicas, “independentemente do seu vínculo contratual”.

35 horas entram na campanha presidencial
O tema das 35 horas entrou também na campanha para Belém. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que “as 35 horas custam dinheiro” e, por isso, o Governo “deve estar a fazer contas à vida”. Ainda assim, o candidato apoiado pelo PSD acredita que o executivo e os sindicatos chegarão a um entendimento, sem revelar se é favorável à medida.

Sampaio da Nóvoa preferiu lembrar que ninguém esperava que o cumprimento dos acordos assinados pelo PS com o BE, PCP e PEV ia ser fácil e disse que é preciso acompanhar a matéria com cuidado e convicção.

Já Edgar Silva, candidato apoiado pelo PCP, defendeu que é "urgente" a aplicação das 35 horas e evitou pronunciar-se sobre a greve, que é “um direito constitucional”.

Em Leiria, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, Marisa Matias, disse que a reposição das 35 horas é um caminho que deve ser feito no sector público e privado, considerando "um sinal de modernidade" o Estado "começar a dar o exemplo".

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