Jovens e mais informados, os brasileiros procuram o vinho português

Oito mil pessoas passaram pelo evento dos jornais PÚBLICO, O Globo e ViniPortugal. Há um público bastante jovem mas cada vez mais informado interessado em vinhos. Para Portugal é uma oportunidade para contar as suas histórias e foi isso que os 66 produtores presentes fizeram durante três dias.

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O actor português Paulo Rocha visitou o mercado dos vinhos Sibila Lind
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Os críticos de vinho Pedro Garcias e Luís Lopes numa sessão de "Tomar um copo" com vinhos do Alentejo Sibila Lind
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Os jornalistas do PÚBLICO Alexandra Prado Coelho e Manuel Carvalho nos preparativos para a prova de harmonização de queijos e vinhos Sibila Lind
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Carlos Reis e Adriana Calcanhotto apresentam a sessão "Tomar um copo", seguindo uma citação de Eça de Queirós: "Depois do segundo copo de Bairrada" Sibila Lind

António, Maria e Fábio têm, com dois outros amigos, um grupo que costuma juntar-se para falar de uma paixão comum: o vinho. Hoje têm cerca de 34 anos, mas “há mais de dez”, garante António, que se encantaram com o vinho. A diferença é que no início não tinham disponibilidade económica para experimentar os vinhos mais interessantes e hoje as coisas mudaram. Foi por isso que os encontrámos na zona do mercado do Vinhos de Portugal no Rio, o evento organizado pelos jornais PÚBLICO e O Globo, em parceria com a ViniPortugal, e que na sua terceira edição, entre os dias 20 e 22, levou oito mil pessoas ao CasaShopping, na Barra da Tijuca.

“Agora temos poder de compra para adquirir vinhos melhores”, explica António Queirós , copo ainda vazio na mão e olhar a vaguear pela sala para tentar decidir por qual dos 66 produtores presentes vai começar as provas. Diz que é apreciador de vinho verde e talvez comece por aí, mas antes de se despedir conta que, quando se juntam, os cinco amigos provam vinhos de muitos sítios, com destaque para os chilenos e os argentinos.

E é precisamente esta uma das batalhas que Portugal aqui está a travar: dar a conhecer os seus vinhos, as suas regiões, as suas 250 castas e toda a complexidade do seu mundo vitivinícola exige muita explicação e a cada nova entrada de público (as sessões decorrem de manhã até à noite com a duração de duas horas cada) os produtores voltam ao trabalho, explicando de que região são, como é que o clima influencia os vinhos que fazem, que características têm os solos, quais são as castas usadas em cada vinho. O público mostra-se curioso e, entre os que não sabem praticamente nada de vinho e os que já têm um bom conhecimento dos vinhos portugueses, as perguntas, mais ou menos específicas, são imensas.

Juliana Kelman, brasileira que, juntamente com o marido, se apaixonou pelo Dão, onde comprou uma propriedade e começou a fazer vinho com o seu nome, está no Vinhos de Portugal no Rio pelo segundo ano e nota diferenças. “As pessoas hoje estão com uma postura diferente, mais críticas, já sabem discernir melhor vinhos de diferentes gamas, sabem comprar melhor. O brasileiro está aprendendo com muita rapidez a consumir vinhos e isso é muito bom para os produtores que investem em qualidade.”

Claro que a faixa etária faz diferença. “O público na faixa dos 65 para cima e os mais jovens têm mais dificuldade em fazer essas avaliações do que os que têm entre 30 e 60 anos. O jovem ainda pede um vinho mais fácil, mais rápido e os mais velhos também estão, por tradição, habituados a vinhos mais fáceis.” Mas a boa notícia é que – como foi evidente durante os três dias do Vinhos de Portugal no Rio – há muitos jovens interessados. “O vinho traz cultura”, explica Juliana, “e passa a ser uma bebida muito mais interessante para uma conversa do que qualquer outra. Quando fala de vinho você fala da cultura de um país, da história do produtor e isso torna a conversa muito mais interessante do que com uma cerveja ou um suco.”

E a crise que o país atravessa, não a preocupa? “Julgo que a crise é passageira. Da mesma maneira que é capaz de parar a economia, a partir do momento em que se coloca esta novamente na direcção certa, as apostas vêm rapidamente e a gente consegue sair do buraco.”

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"O brasileiro está aprendendo com muita rapidez a consumir vinhos", diz a brasileira Juliana Kelman, que faz agora vinhos no Dão

Mas se Juliana é praticamente uma estreante neste mundo, não muito longe do seu expositor está um veterano nestas coisas e que é também um dos mais conhecidos enólogos portugueses, Anselmo Mendes. “Já venho ao Brasil há vinte anos e o que noto é que, muito à custa também do trabalho dos produtores portugueses, os brasileiros já sabem um pouco mais sobre vinho.” Tem sido uma aprendizagem, mas está a dar frutos. O país da cerveja cada vez tem mais curiosidade relativamente ao vinho e essa é uma oportunidade que tem que ser aproveitada. “Tive aqui grupos de pessoas que acabaram a faculdade, têm menos de 30 anos, e já vêm informados e com uma capacidade melhor de assimilar. Há uns anos eu chegava aqui e diziam ‘me dá vinho’ e vinho era tinto, a que alguns chamam até ‘preto’. Hoje noto que muitos, de origem portuguesa mas também italiana, por exemplo, têm já a cultura do vinho que vem dos pais mas que já não é só aquela coisa da ‘terrinha’ [como muitos brasileiros chamam a Portugal]. Essa barreira está a ser ultrapassada.”

Tem havido muito trabalho dos portugueses, é certo, mas também a ajuda preciosa de alguns brasileiros. Deise Novakoski é sommelier e foi curadora do Espaço Senac, uma novidade este ano no Vinhos de Portugal no Rio. A escola que no Brasil forma muitos chefs de cozinha e sommeliers convidou Deise para propôr uma programação paralela que acompanhasse os três dias do evento e ela aproveitou a oportunidade para, com a ajuda de vários chefs convidados, tentar mostar como os vinhos portugueses são versáteis e podem ser usados com comidas do mundo.

“Nós, como país colonizado, aprendemos a usar os vinhos portugueses com a gastronomia de Portugal e não pensamos muito no vinho de Portugal como um vinho universal, para a gastronomia do mundo”, diz. “Estou tentando que as pessoas do Rio vejam esses vinhos com outras combinações, com a gastronomia francesa, de Marrocos, de Itália e com a própria culinária brasileira de raiz que está ressurgindo.” E, ao mesmo tempo, Deise quer mostar “esse novo Portugal vitivinícola que apareceu” e que muitos brasileiros, agarrados “a uma ideia antiga dos vinhos portugueses”, ainda não descobriram.

“Vejo hoje uma alegria muito grande no vinho português. Antigamente, eram vinhos muito robustos, muito puxados, fechados, sempre precisavam ir para o decanter três, quatro horas, precisavam de muita solenidade para serem servidos, de pratos muito encorpados. Hoje não, são vinhos fáceis, mais alegres, aromáticos, frutados”, afirma. “Os brancos de Portugal são perfeitos para a nossa gastronomia. Os espumantes parece que foram feitos para nós. Os brancos deveriam estar em todos os restaurantes do Rio e as pessoas às vezes nem sabem que o Douro faz vinho branco.”

A sommelier brasileira – “a minha relação com Portugal vem há muito tempo, costumo dizer que fui amante de D. João”, brinca – defende que o país deve ter uma estratégia muito clara: “Sair do círculo da colónia portuguesa e dos restaurantes portugueses e procurar novos espaços, cruzamentos com outras gastronomias”. A avaliar pela sala sempre cheia que o Senac teve no Vinhos de Portugal, a ideia é um sucesso.

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Dirceu Vianna Júnior, Master of Wine, fez uma prova onde comparou grandes vinhos portugueses de anos diferentes

Outro brasileiro que tem estado ligado ao evento desde a primeira edição e que tem um papel fundamental neste esforço de fazer passar a mensagem no Brasil é o Master of Wine Dirceu Vianna Júnior. O Vinhos de Portugal tem várias provas e harmonizações, entre as mais formais e as conversas informais no Espaço Tomar um Copo, com críticos dos dois jornais organizadores e este ano também Luís Lopes, da Revista de Vinho e Carlos Reis da Universidade de Coimbra, que veio falar, com a cantora Adriana Calcanhotto, do vinho na obra de Eça de Queirós.

Uma das provas formais foi aquela em que Dirceu comparou grandes vinhos portugueses de anos diferentes. O exercício foi muito curioso porque permitiu que o público percebesse, por exemplo, como algum tempo de guarda pode ser vantajoso para um Alvarinho (neste caso o Muros de Melgaço de Anselmo Mendes, colheitas de 2014 e de 2008). “Estas provas comparadas são muito interessantes para o público”, explica. “Num país como o Brasil em que pouca gente tem uma garrafeira em casa, isto é uma coisa que eles não têm a oportunidade de fazer”. O resultado da prova terá surpreendido os participantes. “A ideia aqui é mostrar que coisas que as pessoas pensam de uma maneira não são assim. Pensa-se que os brancos têm que ser jovens, bebidos de um ano para o outro, mas não é assim, muitas vezes com oito anos de idade estão fantásticos.” E a prova foi que, quando Dirceu pediu uma votação de braço no ar sobre qual tinha sido o Muros de Melgaço preferido, apenas duas pessoas entre 30 disseram preferir o mais jovem, as outras escolheram o de 2008. “Não me surpreendi porque eu tinha degustado os vinhos antes”, conta Dirceu, “mas acho que eles com certeza aprenderam algo”.

Ao longo dos três dias, por entre provas só dedicadas aos grandes Portos Clássicos, aos Grandes Tintos e Grandes Brancos, ao Moscatel de Setúbal ou aos “vinhos brancos do século XX”, os visitantes aprenderam muito. Mas no tão variado mundo dos vinhos portugueses há certamente ainda muito mais para aprender. E se muitos dos que passaram pelo Casa Shopping estavam de malas prontas para viajar para Portugal e incluíram mais pontos de passagem no itinerário que tinham planeado, há outros que ainda confessam não saber exactamente onde fica o Dão ou Setúbal. Mas todos querem saber mais. E, por isso mesmo, os organizadores do Vinhos de Portugal no Rio já prometeram que para o próximo ano o evento estará de volta.

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