Irlanda recusa mexer no IRC em troca de eventual ajuda

A Irlanda deixou ontem claro que não abrirá mão da sua ultracompetitiva taxa do imposto sobre as empresas, no quadro do programa de consolidação orçamental que acompanhará obrigatoriamente um eventual plano de resgate europeu dos seus bancos.

"Claro que a nossa taxa sobre as empresas está segura", garantiu ontem Brian Lenihan, ministro irlandês das Finanças. A afirmação foi feita no rescaldo da reunião dos seus pares dos dezassete países da zona euro que, na segunda-feira à noite, acordaram o princípio de uma ajuda financeira a Dublin.

A recusa de mexer no IRC é dada como uma das principais razões que explicam a recusa do Governo irlandês de ceder à pressão que tem sido exercida por vários países e pelo Banco Central Europeu (BCE) para formalizar um pedido de socorro à eurolândia, de modo a evitar que a nova vaga de nervosismo dos mercados financeiros contagie outros países, a começar por Portugal.

A taxa irlandesa de IRC, de 12,5 por cento, tem sido central na atracção de empresas estrangeiras, mas é regularmente criticada por vários países da União Europeia (UE), nomeadamente a Alemanha, o Reino Unido ou a Áustria, que a encaram como uma forma de concorrência desleal no mercado interno comunitário.

Estes países têm fortes probabilidade de ser os primeiros a pedir o aumento deste imposto para aumentar receitas e acelerar a consolidação orçamental no programa de ajustamento a que a Irlanda terá de se submeter se, e quando, se resignar a pedir o apoio dos parceiros para salvar os seus bancos.

Se a ajuda se concretizar, será assegurada pelo novo sistema europeu de estabilidade financeira que foi criado em Maio entre a UE, os governos do euro e o FMI sob a forma de garantias bancárias até um valor máximo de 750 mil milhões de euros.

O Reino Unido deu sinais de se poder associar com um empréstimo bilateral e complementar a Dublin, uma iniciativa que resulta da sua forte exposição aos bancos irlandeses em maiores dificuldades. Olli Rehn, comissário europeu responsável pela Economia e Finanças, precisou que num cenário de activação do mecanismo europeu, "haverá sempre condições económicas e orçamentais" e uma vertente de "grande reorganização e reestruturação" do sector bancário, com o "objectivo óbvio" de o tornar "viável e sustentável".

O Governo irlandês manteve-se ontem numa posição defensiva sobre qualquer pedido de apoio. Quanto muito, aceitou que uma missão conjunta da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI se deslocasse hoje a Dublin para iniciar os trabalhos técnicos preparatórios de um possível plano de resgate, que poderá ser assim rapidamente activado em caso de necessidade.

"O Governo teve o cuidado de não pedir formalmente [a ajuda], mas iniciámos conversações para ver quais são exactamente as opções", afirmou ontem o ministro irlandês à entrada de uma nova reunião dos seus pares, desta vez alargada à totalidade dos países da UE.

"Não está em questão" que o Governo esteja a negociar um resgate, precisou o primeiro-ministro, Brian Cowen, no parlamento. Segundo Lenihan, "o que pode ser necessário poderá não ser uma transferência concreta de dinheiro agora, mas a demonstração de quanto dinheiro poderá ser disponibilizado caso se materializem novas dificuldades".

Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo que preside ao eurogrupo, afirmara no final da reunião de segunda-feira que o Governo irlandês terá de se decidir "nos próximos dias".

Por seu lado, Didier Reynders, ministro das Finanças da Bélgica que presidiu à reunião de ontem, considerou de manhã "inelutável" que a Irlanda seja objecto de uma intervenção do mecanismo europeu: "Não será possível sair desta situação sem uma ajuda", afirmou.

No final da reunião, precisou porquê: "Será muito difícil que o BCE vá mais longe em termos de fornecimento de liquidez aos bancos de certos Estados-membros, e antes de mais, talvez, da Irlanda". O aviso, que tem sido repetidamente feito por vários responsáveis do BCE, dirige-se igualmente a Portugal, cujos bancos estão, como os irlandeses, há muito fora do mercado interbancário e asseguram unicamente o seu financiamento junto do banco europeu.

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