"Hoje temos a legislação laboral da troika"

Arménio Carlos deixa sérior avisos ao Governo: é preciso reverter a legislação laboral que se mantém desde a passagem da troika. O líder da CGTP diz ainda que o acordo para a subida do salário mínimo serviu para fazer várias "negociatas" com os patrões

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"Governo tem de pagar o que deve aos funcionários públicos"

O acordo de aumento do salário mínimo previa a discussão em concertação social de várias medidas, uma discussão que conta com a CGTP. Quais é que são as linhas vermelhas?
Hoje temos a legislação laboral da troika e da política de direita, a tal que reduziu indemnizações, facilita os despedimentos, que bloqueou a contratação colectiva, que reduziu os rendimentos dos trabalhadores, que desregulamentou os horários de trabalho. E até aqui há pouco tempo todos diziam que era uma legislação inaceitável, porque desequilibrava as relações de trabalho. Então vamos ter que resolver isso.

Como?
Revogando as normas gravosas na relação laboral, nomeadamente a caducidade das convenções colectivas, que não só se torna num instrumento de pressão das entidades patronais e das associações patronais sobre os sindicatos, como acima de tudo tenta eliminar a contratação colectiva e substituí-la pela relação individual de trabalho. Não queremos que amanhã Portugal seja conhecido pelo país da individualização das relações de trabalho, em que o trabalhador para ter um contrato tem que negociar directamente com a entidade patronal. Depois há a questão das condições de trabalho. Hoje temos condições de trabalho que são preocupantes.

Com a identificação desses problemas, com o tempo em que este Governo está em funções, se fosse outro executivo que estivesse no poder, a CGTP já tinha vim para a rua?
Procedemos de acordo com a realidade em concreto. Vamos para a rua quando entendemos e pelas razões que são conhecidas, não tínhamos outra alternativa, porque não tínhamos interlocutor, da outra parte não havia disponibilidade para o diálogo e a negociação, havia para a imposição.

Agora só tem tido diálogo.
Antes do diálogo temos de relembrar que houve um corte com a política de cortes e houve uma reposição de rendimentos e direitos. Por isso é que estamos a chegar à fase decisiva. O Governo tem de olhar de outra forma para a área laboral e para os direitos do trabalho.

E isso faz-se na concertação social?
Está provado que dificilmente será, porque também está demonstrado que as confederações patronais não querem.

E com os presentes acordos à esquerda é possível dar esse salto? O Governo pode justificar que essas matérias não estão no acordo com os restantes partidos. Essas matérias não estão incluídas nos acordos à esquerda.
Seria pobre se essa argumentação fosse utilizada. Não está no acordo, mas o facto de não estar, não quer dizer que não se possa fazer mais do que aquilo que está. Esse é o grande desafio.

E se se fizer, o Governo tem condições para continuar até ao fim?
A permanência do Governo vai sempre depender das políticas que implementar e sobretudo da mobilização dos trabalhadores, porque os trabalhadores não são masoquistas.

A alternativa não é melhor do que aquilo que têm agora, portanto, se não for dado esse salto apesar de tudo, sempre tiveram algum ganho.
O problema que neste momento se coloca é este: não queremos voltar aos tempos do passado.

E portanto mesmo que as condições não melhorem muito, sempre são melhores do que o passado.
Não, não. Não nos resignamos. Isso é a acomodação, isso é perder a expectativa de futuro, isso é transmitir uma mensagem de falta de esperança aos mais novos. Vamos empenhar-nos fortemente para que os trabalhadores e as populações participem activamente e aquilo a que apelamos aos trabalhadores é mais do que ficarem à espera daquilo que pode acontecer, sejamos, mais uma vez, os protagonistas, como foram no passado para a construção de políticas que possam ir ao encontro das suas aspirações.

A questão é se não estão a fazer uma opção por um mal menor.
Não. O problema não se coloca aqui na questão do mal menor, alguns podem defender essa tese, nós não.

Há quem diga que desde que este Governo tomou posse, a CGTP está mais ou menos interventiva.
A vida demostrou, e temos alguma experiência disso, de que o mal menor por norma torna-se em mal maior. Porquê? Hoje a reposição do salário ou uma ligeira melhoria na pensão é bem-vinda, mas daqui a um ano, se não se verificar uma melhoria, então já começa a ser crítica. Já começa a ser sujeita a crítica e daí a dois anos, então, a crítica aumentará e a contestação não parará. O Governo para ir em frente tem de ter em consideração a área laboral e social. E sobretudo tem que definir como prioridade, a sério, medidas concretas que vão ao encontro das propostas que apresentamos, porque é assim que as coisas se constroem e é assim que o futuro se desenvolve ou se promove. Não queremos voltar aos tempos do passado, mas queremos que este processo se consolide e se desenvolva.

No acordo do salário mínimo, quando a redução da taxa social única foi chumbada e se optou pela solução do pagamento especial por conta, a CGTP foi o primeiro parceiro a ser recebido pelo primeiro-ministro. Pediu-vos para assinar um acordo de concertação?
Não. O senhor primeiro-ministro informou-nos que tinha uma solução alternativa e o que dissemos é que aguardávamos pela proposta para depois nos prenunciarmos. Mas já agora deixe-me só acrescentar um dado. As confederações patronais faziam muito finca-pé que tinha que haver uma redução da taxa social única. A taxa social única caiu. As confederações patronais, no quadro normal, a seguir diziam: então se caiu a taxa social única, demarcamo-nos do acordo.

Mas não o fizeram.
Porque há ali claramente uma linha de manutenção da legislação laboral do tempo da troika e há também um pacote financeiro de milhares de milhões de euros que estão a ser desenvolvidos até o ano 2020. É disso que se trata.

Fala-se muito do salário mínimo nacional, mas foi para dar sequência a outro tipo de negociatas. À custa do salário mínimo há muita gente que não tem nada a ver com o salário mínimo e que está directamente associada à política de desigualdades que vai ter muito dinheiro. Repito, são milhares de milhões de euros.

Mas esses milhares de milhões de euros vão entrar nas empresas por que via?
Várias vias. O Recapitalizar é uma delas; Portugal 2020 é outra, formação é outra.

Mas são meios legítimos para se fazer entrar dinheiro nas empresas.
Sim. Então qual é a parte para os trabalhadores? E mais, o que é que essas medidas têm a ver com o salário mínimo nacional? Rigorosamente nada.

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