HNA: quem é o grupo chinês que investiu na TAP com sotaque brasileiro

Empresa nasceu em 1993, numa parceria original com o Estado para o sector da aviação. Hoje, entre questões sobre transparência dos accionistas, assume-se como um dos conglomerados mais agressivos a fazer compras no estrangeiro.

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Empresa é também accionista da companhia aérea brasileira Azul DR
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Estado detém 50% do capital da TAP, cabendo 45% ao consórcio Atlantic Gateway e 5% aos trabalhadores Daniel Rocha
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Azul vai ser accionista directo da TAP e o maior detentor de direitos económicos da empresa DR

A rápida ascensão do grupo chinês HNA no panorama internacional é atestada desde logo pela empresa quando destaca, no seu site, que subiu 111 lugares no ranking da Forbes entre 2015 e 2016. No ano passado, a revista norte-americana colocava-a na 353ª posição entre as 500 maiores, com receitas de 29,56 mil milhões de dólares (cerca de 25,15 mil milhões de euros) distribuídas pelo planeta, um ano após a primeira inclusão do grupo chinês neste ranking.

Mesmo que quisesse, a HNA, que acaba de entrar no capital do consórcio que detém 45% da TAP, a Atlantic Gateway, já não conseguia ser uma empresa discreta. Em pouco mais de dois anos, desembolsou cerca de 40 mil milhões de dólares para adquirir ou entrar no capital de várias empresas, superando o ritmo de outros grandes grupos chineses.

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Na lista inclui-se, por exemplo, uma fatia de 10% do Deutsche Bank (um negócio que está a ser analisado pelo Banco Central Europeu), 25% do grupo de hotéis Hilton, a Gategroup (líder no catering para o sector da aviação) e a Swissport (uma das maiores empresas de tratamento de bagagens nos aeroportos, presente em 48 países). Nesta pequena lista, apenas o Deutsche Bank destoa, já que foi o negócio da aviação que viu nascer o grupo, em 1993.

Parceria pioneira

A abertura da economia dava os seus primeiros passos, mas o massacre do governo contra os manifestantes (principalmente estudantes) na praça de Tiananmen, em 1989, tinha complicado essa estratégia, com maior poder dos conservadores. No entanto, a ilha de Hainan, no sul, contava com o estatuto de zona económica especial. E foi nessa região, com o apoio de verbas do Banco Mundial, conforme escreveu o Financial Times (FT), que surgiu a génese do grupo: a companhia área regional Hainan, composta por capitais públicos, mas também privados.

Além do governo local, o negócio inclui, numa estratégia pioneira tendo em conta a forma como actuava então o Partido Comunista Chinês, investidores como Wang Jian, Chen Feng, Chen Wenli e Tan Xiagdong (conhecido por Adam Xiagdong e actual presidente executivo), ainda hoje ligados ao grupo. A empresa chegou a contar com o apoio financeiro do bilionário George Soros, que entretanto já se desfez da sua posição.

Hoje, a companhia de aviação de Hainan é apenas uma das várias peças do conglomerado formado pelo grupo HNA. Só companhias aéreas controla 19, com uma frota de 1250 aviões, como a Beijing Capital, a Hong-Kong Express (fundada por Stanley Ho), a Africa World Airlines, a Aigle Azur e a Deer Jet (apresentada como a maior empresa de jactos privados da Ásia), além de operar também no segmento de aluguer de aviões.

Numa lógica de negócios associados, a HNA aposta também no turismo (é dono da Caissa, ligada às viagens de chineses para o exterior), hotelaria, e nas infra-estruturas (a notícia mais recente dá conta da compra da maioria do capital do aeroporto internacional Tom Jobim/Galeão, no Rio de Janeiro).

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Compra de fatia de 10% está a ser analisada pelo BCE Reuters/Toby Melville

Depois, há também a área da logística, incluindo transporte marítimo, e construção naval. Na área das finanças, excluindo o Deutsche Bank, aposta no leasing e nos seguros, e em tendências como o financiamento peer to peer, e alargou as suas operações também às tecnologias, imobiliário, media e entretenimento, e  retalho (alimentar e não alimentar). 

Dinheiro chama dinheiro

O valor total dos activos do grupo, segundo o FT, é de 145 mil milhões de dólares (cerca de 124 mil milhões de euros). A táctica para crescer tem sido a de vários outros grupos chineses, como a Fosun: aquisições de empresas locais e estrangeiras, diversificação (preferencialmente com uma lógica de ligações nos negócios, como o turismo e hotelaria, por exemplo) e endividamento.

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Esta última estratégia tem estado na mira de investidores (algumas empresas do grupo são cotadas e várias têm outros accionistas), das grandes empresas de rating (a Standard & Poor’s classifica a HNA de “agressiva” no endividamento, palavra que neste contexto é tudo menos positiva) e, também, das próprias autoridades chinesas.

Recentemente, o regulador do sector financeiro chinês quis saber qual o grau de exposição dos bancos às empresas mais activas na compra de activos estrangeiros, com receio de que algo possa correr mal e provocar danos sistémicos (um dos visados, o grupo Wanda, já começou a vender vários dos seus negócios).

Embora recorra também a capitais próprios, muitas das operações da HNA (e de grupos semelhantes) são feitas com base em grandes empréstimos dando como colateral os activos das empresas que compraram previamente, como uma espécie de escada que se auto-sustenta mas cujo equilíbrio não deixa de ser questionado.

Ao FT, a empresa afirmou que “as operações globais do grupo e a boa condição do balanço proporcionam a flexibilidade para financiar as aquisições da forma mais eficiente possível”.

Graças aos activos no exterior, a HNA consegue escapar também ao controlo de capitais, imposto pelo Estado chinês, e continuar o ritmo de compras.

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Activos no exterior diminuem dependência da moeda chinesa Reuters/Toby Melville

Isso, no entanto, não significa que não encontre obstáculos no caminho. Há poucos dias, as autoridades norte-americanas recusaram dar luz verde à compra de uma fatia da Golden Eagle, ligada à transmissão via satélite de programas de entretenimento em aviões e navios. Isto apesar das boas relações do grupo com altas figuras norte-americanas, como Anthony Scaramucci, que durante 10 dias foi director de comunicação do presidente norte-americano, Donald Trump. De acordo com a Bloomberg, a HNA está a negociar a compra do fundo de investimento de Scaramucci, a SkyBridge Capital, mas falta ainda o “ok” dos reguladores.

Quem detém a HNA?

O rosto mais visível da HNA é o seu presidente executivo, Adam Xiagdong, mas recentemente o foco incidiu no mais desconhecido, Guan Jun. Por ele passou 29,5% do capital do grupo, até chegar a uma fundação, não lucrativa, registada em Nova Iorque, a Hainan Cihang Charity Foundation. Em termos de accionistas, no meio de uma estrutura tida como pouco transparente, há outra fundação, a Hainang Providence Cihang Foundation, com 22,75%.

A questão da opacidade foi sublinhada recentemente pelo Bank Of America. “Simplesmente não sabemos o que é que desconhecemos, e não estamos preparados para assumir esse risco”, afirmou num email o responsável da instituição financeira para o mercado asiático, Matthew M. Roder, citado pela Reuters. Já o The New York Times publicou um artigo onde afirma que o grupo tem vários negócios com familiares dos fundadores, como o irmão de Wang Jian, numa teia de relações desconhecida de outras partes interessadas.

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O negócio triangular da TAP

Ao mesmo tempo que entrava no capital da Atlantic Gateway (com uma fatia de 5,6%, ao lado de Humberto Pedrosa e David Neelman), grupo privado dono de 45% da TAP, a HNA aterrava também na pista do aeroporto da Portela. Nas vésperas do primeiro voo regular entre a China e Portugal, realizado a 26 de Julho por uma das empresas do grupo, a Beijing Capital Airlines, a companhia área Azul destacava ter “fechado um acordo” com a Beijing que permitia viajar de forma mais rápida para este país asiático, via Lisboa. Uma prova de que o interesse da HNA em Portugal é apenas uma pequena parte de um puzzle maior.

Em Fevereiro do ano passado, quando a Atlantic Gateway já tinha ganho a reprivatização da TAP, a Azul, de David Neeleman, anunciou que a Hainan ia entrar no seu capital, pagando 450 milhões de dólares (cerca de 383 milhões de euros, ao câmbio actual) em troca de 24% dos interesses económicos da empresa. O negócio, no entanto, demorou a receber a necessária aprovação das autoridades chinesas (acabou por chegar em Agosto), pelo que o investimento do grupo chinês foi, diz a Azul, feito em várias etapas.

De acordo com o documento depositado pela empresa no regulador do mercado de capitais norte-americano antes da dispersão de acções (a Azul está cotada na bolsa de Nova Iorque e na de São Paulo desde Abril deste ano), a primeira fatia foi de 120 milhões de euros, em forma de empréstimo, parte do qual foi usado “para comprar obrigações da TAP”, no valor de 90 milhões (outros 30 milhões acabaram por ser aplicados pelo Estado português, via Parpública). Essas mesmas obrigações, convertíveis em acções, vão assegurar no futuro à Azul uma participação de 6% no capital da transportadora aérea portuguesa, equivalente a 41,2% dos direitos económicos (como os dividendos).

Nessa altura, a HNA, tal como Neeleman, vão reforçar a sua presença na TAP. Até lá, o grupo chinês pode subir a posição na Atlantic Gateway.

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HNA é agora aliado de Humberto Pedrosa e David Neeleman na Atlantic Gateway/TAP Rui Gaudêncio

O memorando de entendimento assinado entre o consórcio privado e o actual Governo permitia também à HNA adquirir obrigações da TAP, convertíveis em acções, de forma directa, mas o que ficou foi a transmissão dos direitos económicos. “Tendo em consideração que a Hainan nos providenciou um empréstimo para adquirir as obrigações da TAP”, diz a Azul no documento entregue à Securities and Exchange Commission (SEC), foi dado ao grupo chinês “o direito de ficar com os benefícios económicos associados a 30 milhões de euros das obrigações compradas à TAP” (ou das acções, se for esse o caso). A HNA pode exercer esse direito, equivalente a 1/3 da posição da Azul, ou 17,13% dos direitos económicos, até ao final do ano.

A Azul garante, no entanto, que ficará sempre com a titularidade das obrigações (ou acções). Para já, o peso da HNA (que não respondeu a várias questões colocadas pelo PÚBLICO), e a ligação à Azul, já se faz sentir através do conselho de administração.

Do lado de David Neeleman, entrou agora Antonoaldo Neves para a comissão executiva da transportadora, que ocupava até aqui a cadeira de CEO da Azul (foi o responsável pela dispersão em bolsa, projecto que existe também para a TAP). Quanto ao grupo chinês, dono de 2,5% da TAP de forma indirecta, este está agora representado no conselho de administração da empresa liderada por Fernando Pinto através de Neng Li, um gestor de 36 anos que ocupa a mesma posição na Azul.

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