Há “verbas excessivas” da UE para a educação, em detrimento da formação

Paulo Nunes de Almeida, presidente da AEP, defende que os planos de formação e capacitação são um “mau exemplo” de uso de fundos europeus. E avança que ainda há pagamentos em falta do anterior quadro comunitário, da ordem dos cem milhões.

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“Cumprir pagamentos é cumprir prazos. Isso é o mais importante”, diz Paulo Nunes de Almeida FERNANDO VELUDO/NFACTOS

Paulo Nunes de Almeida assumiu a liderança da Associação Empresarial de Portugal (AEP) há quase dois anos, com a saída de José António Barros, de quem era vice-presidente. Tem uma longa carreira associativa, iniciada na Associação Nacional Jovens Empresários  e que passou pela Associação Comercial do Porto e pela Associação do Têxtil e Vestuário e Portugal. O Portugal 2020, a capitalização das empresas e o sistema bancário são os temas que mais o preocupam, por serem fundamentais para atingir a meta de dar às exportações um peso de 50% no PIB. 

Como imagina que vai ser o ano de 2016 para os empresários portugueses?
Não está a ser um ano fácil. Há muitos sinais que vêm do exterior e que nos preocupam. Sabemos que a economia portuguesa não desceu tanto como seria previsível porque houve por parte da procura externa um comportamento bastante favorável.  Aliás, houve uma reacção brutal dos empresários e só graças a isso foi possível aumentar o peso das exportações do PIB de um valor inferior a 30% para um valor superior a 40%. Esse comportamento favorável está a mudar em mercados externos que nos são muito próximos. Mas não desistimos, e achamos que é atingível o objectivo de chegar a um peso de 50% do PIB. Há mercados tradicionais que estão a atravessar problemas, como Angola, o Brasil ou a Rússia. Da parte dos empresários, sobretudo os que estavam muito posicionados para esses mercados, obviamente que estão a ter algumas dificuldades, têm que encontrar alternativas, que se colocam a vários níveis. Não só de natureza comercial, mas também de alguns recebimentos que não estão a ser pagos. Mas há outros que estão a crescer e que achamos que são uma boa aposta, como o Irão, ou os Estados Unidos, mercado para o qual a AEP está a desenvolver projectos especiais. 

As compras a Portugal por Angola caíram mais de mil milhões de euros só no ano passado. Com que espírito é que aceitaram organizar a FILDA (Feira Internacional de Angola)?
Sabemos que é um grande desafio, mas estamos muito motivados. Sentimos que as empresas portuguesas não vão deixar de encarar a sua presença nesse mercado como algo importante. Pelos sinais que nos são dados pela própria governação de Angola, é um mercado que tendencialmente se vai alterar. Vai tentar cada vez mais – e é um caminho lógico e certo – produzir internamente produtos que até agora importava. A internacionalização vai ter que ir muito para além da mera exportação. Portugal deve mudar esse paradigma.

Isso implica investimentos de vulto por parte das empresas. Com que fontes de financiamento?
O Portugal2020 é uma grande alavanca de apoio ao investimento das empresas. Arrancou rápido, aliás: Portugal foi dos primeiros a assinar o Acordo de Parceria, e chegou a lançar um concurso ainda em 2014, mas depois acabou por ter uma quebra muito grande. Isto fez com que o Portugal 2020 ainda esteja muito longe do que seriam as expectativas, praticamente dois anos depois do arranque.

O Plano 100, para acelerar a chegada de 100 milhões de euros às empresas, nos primeiros 100 dias de governação, não serviu como paliativo?
Esse modelo, que até teve metas ultrapassadas, deveria servir de estímulo para que efectivamente se acelerasse as decisões e os pagamentos. Agora o objectivo passou para 450 milhões até ao fim do ano. Mas mais importante até do que o que se passa no Portugal 2020, e já temos chamado a atenção do Governo, é o facto de ainda haver pagamentos atrasados do anterior QREN. Para nós torna-se difícil estar a defender a entrada em funcionamento do Portugal 2020 quando existem ciclos anteriores para fechar.

Estamos a falar de que montantes?
Não sei quantificar exactamente, mas, pelo que as empresas nos têm reportado, o problema deve atingir cerca de 100 milhões de euros. A nossa expectativa é que até ao final de Junho seja possível praticamente concluir esses pagamentos. Pelas informações que temos por parte do Governo acreditamos que sim.

Consegue perceber porque é que isto acontece?
Há várias razões. É sempre difícil encerrar estes quadros porque há um avolumar de projectos. Com o período de transição, e quando se tenta dar um arranque ao novo quadro, as equipas estão simultaneamente a analisar processos que fecham e a analisar processos que abrem. Isto é complexo. Mais ainda quando não tem havido reforços de recursos humanos nas instituições públicas, como todos sabemos. Admito que haja também algum factor que tem a ver com o equilíbrio das contas públicas e com o facto de o Governo estar muito monitorizado pela UE naquilo que tem a ver com as questões de contabilidade pública. O que posso dizer é que, em termos de Portugal 2020, há programas que funcionam muito bem, como aqueles que estão a dar apoios à internacionalização, e há programas que funcionam muito mal.

Exemplos?
No caso da AEP e das empresas que estão connosco, temos conseguido trabalhar bem, com o programa de apoio à internacionalização. Sinto que o Compete está muito motivado para apoiar a internacionalização das empresas, quer de uma forma directa quer através dos projectos em conjunto. Tem havido uma grande dinâmica e os pagamentos têm sido feitos. O programa Business on the way da AEP é paradigmático, e onde temos em curso um investimento na casa dos cinco milhões de euros, com 55 acções, e presença em 44 mercados. Isto fala por si só da dimensão do projecto. Como mau exemplo dou tudo o que tenha a ver com o âmbito dos planos de formação e capacitação. Porque tem havido uma transferência de verbas excessivas para a educação e tem-se retirado verbas para a formação. É muito importante que neste Governo exista um forte peso político para tentar contrariar esta tendência de verbas, que na nossa opinião é muito errada.

O nível de capitais próprios das empresas é apontado como uma grande dificuldade para o acesso ao financiamento.
Sob o ponto de vista técnico este problema não é muito fácil de se explicar. Porque o nível de endividamento de uma empresa não pode ser visto apenas entre o que devo e o que tenho. Também tem a ver com os meios que liberto, o EBITDA. Mas olhando em termos estatísticos é um facto que, em média, as empresas estão subcapitalizadas. Tem a ver com razões históricas, culturais e até fiscais. Porque o dinheiro dos sócios nem sempre foi tratado de uma forma, pelo menos igual, ao capital alheio. Depois porque houve durante muitos anos um processo parte do sistema financeiro que favoreceu o endividamento das empresas. Mas é um facto que houve um processo de desalavancagem do sistema bancário, que está neste momento sujeito a normas e a regras muito exigentes por parte do BCE e do Banco de Portugal. Hoje estamos a chegar a uma situação que é um pouco anómala: os bancos têm dinheiro para emprestar mas não o fazem porque não encontram no mercado condições que eles próprios consideram necessárias para emprestar dinheiro.

A desalavancagem do sistema financeiro é uma obrigatoriedade face aos problemas que enfrenta. Não a defende?
O sistema financeiro tem hoje vários problemas concretos, para além de situações que ocorreram em determinados bancos, e que também por si só dificultam a vida das empresas. O futuro do sistema financeiro é algo que nos preocupa ao ponto de ter sugerido uma reunião do conselho consultivo da AEP para podermos analisar esta problemática da banca, do sistema financeiro, como vai ser o futuro e como as empresas podem vir a contar com o sistema financeiro para as ajudar a desenvolver o seu negócio.

Há uma estrutura de missão nomeada para apontar soluções para a recapitalização das empresas. Quando serão conhecidas?
Vimos com muito agrado a criação dessa estrutura de missão para a capitalização de empresas, ainda por cima liderada por José António Barros, anterior presidente desta casa, e que para além da experiência na AEP foi quem montou o sistema de garantia mútua em Portugal – que é dos bons exemplos que Portugal tem tido no funcionamento do sistema financeiro dos últimos anos. Nós estamos a trabalhar com a estrutura de missão e com outras entidades e acreditamos que até ao final de Maio possa haver resultados, e as empresas tenham ferramentas que as ajudem a melhorar o grau de capital próprio.

Quais ferramentas?
O Ministro da Economia já apresentou algumas. Por exemplo, o reforço de capitais próprios através de capitais de risco. Outra modalidade será o capital reversível, que é o que tem tido uma maior procura por parte dos empresários, em termos de pedido de informação, porque é inovadora. Trata-se de apoiar o capital próprio das empresas, e depois a recompra desse capital pode ser feita transformando-o em dívida de médio prazo, que vai sendo paga com recurso aos meios libertos. Há este conjunto de medidas e há outras que serão apresentadas por esta estrutura de missão que está a recolher contributos.

Já percebeu como vai funcionar a Instituição Financeira de Desenvolvimento  (IFD), conhecida por Banco de Fomento?
Não. O que sabemos é que existe, e que já conseguiu ultrapassar um conjunto de obstáculos de natureza administrativa para o seu funcionamento. Por exemplo, sabemos que, no âmbito do Portugal 2020, nos eixos Regional e Temático há fundos que poderão estar alocados à IFD para serem desenvolvidos. Mas é um facto que neste momento as empresas não têm ainda instrumentos que possam utilizar. Sabemos que o tema da IFD é algo que está em discussão no seio do Governo. Mas qual vai ser o futuro da IFD, não tenho hoje qualquer informação sobre isso. 

Que medidas devem ser tomadas de imediato para melhorar a saúde financeira das empresas?
Pagar os incentivos fiscais do QREN, por exemplo. Seria uma grande ajuda à economia. O mesmo se passa se cumprirem os termos de reembolso de IVA. Cumprir pagamentos é cumprir prazos. Isso é o mais importante. No Portugal 2020 não estou preocupado com as taxas de aprovação, que têm sido mais baixas que no passado, até porque isso é um sinal de exigência. O que defendo é que seja apresentado um cronograma e ele seja cumprido. No lançamento de concursos, na apreciação de projectos, na contratualização dos apoios, no pagamento dos mesmos. Outra coisa que nos preocupa é a relação com o fisco, que é muito desigual. Por isso propomos cada vez mais que seja criada uma espécie de conta corrente entre o contribuinte e o fisco. 

Qual a receptividade a essa proposta?
[Dizem] Que é muito difícil. Porque o Fisco funciona por diferentes gavetas, uma funciona de uma maneira, outra de outra, e mesmo dentro de uma mesma gaveta – como o exemplo do IVA. Muitas vezes a empresa tem IVA a receber e no período seguinte tem IVA a pagar. E tem de pagá-lo antes de o ter recebido do período anterior. Ainda é mais difícil quando falamos da Autoridade Tributária e da Segurança Social – aí é impossível haver compensação de débitos e de créditos. No âmbito do Simplex dissemos que a relação das empresas com os organismos públicos deveria apenas ser limitada a um acto e que a partir dele toda a máquina pública pudesse funcionar. Este clima de total desconfiança acaba por ser um enorme esforço despendido por parte das empresas, quando elas precisavam de ter tempo para entrar em novos mercados, inventar novos processos, aumentar a sua competitividade. Isso é que é importante para quem faz negócios. Perder tempo com obrigações burocráticas, com penhoras… Às vezes, por uma dívida de dez euros, penhoram-se dez contas bancárias.

É uma questão de tempo perdido?
Também é uma questão de tempo perdido, sim. O número de horas que a empresas portuguesas despendem para cumprimento das suas obrigações tributárias coloca Portugal numa posição muito má a nível mundial. No último relatório “Doing Business 2016”, do Banco Mundial, o indicador que mede as horas gastas anualmente com obrigações fiscais coloca Portugal na 135ª posição, com 275 horas gastas por ano. Um valor que se mantém desde 2012, e que corresponde à quarta pior posição no contexto da União Europeia. Pior que nós, só a Bulgária, a República Checa e a Hungria.

Como está a situação financeira da própria AEP?
O processo de reestruturação  começou em 2008 e teve de ser feito em simultâneo com os problemas financeiros que existiram em Portugal e com os problemas dos mercados.  Mas 2015 foi o ano em que conseguimos sentir os efeitos dessa reestruturação em termos de resultados. Se não fossem os gastos não recorrentes teríamos tido um resultado líquido positivo. Já tivemos um EBITDA positivo em 2015. Em 2013 tivemos prejuízos de 3,8 milhões, e em 2014 de 2,8 milhões.  Este foi o ano de viragem, colocando a AEP como uma prestadora de serviços a empresas, uma verdadeira câmara de comércio e indústria.

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