Há valores que deviam durar sempre

Se se cometer o erro estrondoso de acabar com a marca Montepio, fica claro que o marketing e a visão estratégica do banco assumiram um papel menor em todo o contexto.

O Montepio está a conhecer um dos momentos mais turbulentos desde a sua fundação, em 1844, altura em que se cria a actividade bancária da Associação Mutualista Montepio, com a designação de Caixa Económica Montepio Geral. Trata-se, pois, de um banco com 173 anos, repletos de história, com uma cultura muito própria e valores bastante diferenciados, sendo o mais antigo de entre os bancos actualmente existentes no mercado português.

Tive a grata satisfação de colaborar com o Montepio em diferentes ocasiões, das quais destaco uma mudança de toda a identidade corporativa, precisamente na altura em que se criou a assinatura “Há valores que duram sempre”. O valor dessa expressão está parcialmente em balanço, através do seu goodwill, mas vai muito para além disso. De facto, os valores que sempre defendeu e transmitiu vão muito para além dos valores de balanço. Representam a ética, a confiança, a solidariedade e a integridade. O Montepio é um banco de referência na Economia Social e desempenha um papel ímpar na história da actividade financeira das instituições portuguesas. Talvez nenhuma outra instituição financeira tenha tanto de cultura intrínseca e genuína como o Montepio.

Actualmente, lê-se nos vários meios de comunicação social que se adivinha a eliminação da marca Montepio, no que respeita ao negócio bancário. Toda a estratégia da marca Montepio conheceu várias etapas e a Caixa Económica Montepio Geral viu encurtada a designação para Montepio num processo que visou elevar a sua visibilidade e imagem no difícil jogo da competitividade do mercado bancário. Foi assim que se multiplicou por vários balcões e expressou a sua dimensão nacional, regional e local, com forte impacto no mercado açoriano. É por isso que custa muito ver a ligeireza com que se fala das marcas, e no Montepio em particular, como se as mesmas fossem apenas nomes sem história e representassem apenas rótulos, facilmente descartáveis. A história recente do BES e do Novo Banco parece não ter servido de lição.

Não se matam marcas por decisão administrativa. Quem o faz não tem o mínimo de sensibilidade para perceber que a marca é um dos principais activos de uma empresa e o elemento que une toda a comunidade de colaboradores e clientes.

Mas o BES acabou. Era uma marca vencedora porque tinha um activo fortíssimo. A marca tinha autonomia e podia e deveria ter sido salvaguardada. Antes, já o Millennium BCP havia liquidado a Nova Rede, o que também se veio a manifestar como outro erro grave de estratégia de marketing. Nessa altura, afirmei numa entrevista ao DN que no caso do Novo Banco “correu tudo muito mal, mas fica o case study para que ninguém o possa repetir. Afinal, que confiança tem um cliente ou um colaborador no futuro?”.

Se se cometer o erro estrondoso de acabar com a marca Montepio, fica claro que o marketing e a visão estratégica do banco assumiram um papel menor em todo o contexto. Já para não falar de vários custos inerentes a este processo, como sejam: perda de clientes ou perda de produto bancário nos clientes actuais; custo de todo o processo de uma nova identidade corporativa e respectivas campanhas (dão imenso jeito às agências de publicidade e comunicação e, por isso, são favoráveis à mudança); custo de imagem a curto prazo e perda de goodwill numa futura venda; e afectação do sentimento de pertença ao Montepio de colaboradores e clientes.

Basta o facto de já se discutir o problema da eliminação da marca Montepio para que isso constitua um fenómeno de entropia total: no mercado, que fica inseguro, mas sobretudo em toda a estrutura de colaboradores e, em particular, nas actividades comerciais e de marketing. Afinal, como se motiva a área comercial com notícias destas? Como se defendem os valores e a missão do banco, quando o seu principal activo está na corda bamba? Como se argumenta aos clientes que este é um fenómeno passageiro?

Gerir a marca Montepio não é gerir uma folha de Excel. É perceber que os números da folha de Excel são o resultado de 173 anos de dedicação, empenho, perseverança, sinceridade e solidariedade. Os números só têm significado se percebermos a sua origem. Marcas forte e agressivas como a Nova Rede e o BES não podiam ter acabado, mas já não existem.

A marca Montepio não pode terminar. Há uma missão, visão e valores para serem respeitados e que duram há quase dois séculos. Tal como a assinatura que recordo com saudade: “Há valores que (deveriam) duram sempre.”

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