Grécia consegue acordo sobre dívida, mas nos termos europeus

FMI mudou de posição face aos credores europeus, evitando complicações financeiras a Atenas, mas sobretudo aliviando a pressão política antes do referendo britânico e das eleições na Alemanha.

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Tsipras conseguiu um acordo, mas ainda não se sabe qual o real impacto REUTERS/Alkis Konstantinidis

O presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, apelidou o acordo como "um momento importante" no longo processo que tem sido o terceiro programa financeiro à Grécia. No entanto, o desbloqueio do impasse entre os credores europeus e o FMI relativamente à reestruturação da dívida grega só aconteceu pela grande concessão que o FMI fez.

Os ministros da zona euro chegaram a um acordo na madrugada de quarta-feira que não só desbloqueia novos desembolsos, como também reestrutura a dívida grega – algo que o Governo liderado por Alexis Tsipras tinha defendido desde o início de 2015, mas que tinha criado fortes divisões entre os próprios credores.

Por um lado o FMI, reconhecendo que a dívida grega não é sustentável – as previsões de Bruxelas é de que esta chegará a 182,8% do PIB este ano –, queria garantir um alívio imediato da dívida grega. Mas, para países como a Alemanha, Eslováquia e Finlândia, a reestruturação da dívida só poderia acontecer no final do programa grego agendado para 2018. Ora, na reunião que começou na terça-feira e se prolongou pela madrugada, foi claro que o FMI abriu mão do seu grande objectivo.

"Nós, da parte do FMI, fizemos uma grande concessão, e mais vale eu falar abertamente sobre isso", disse o representante europeu do FMI, Poul Thomsen, em conferência de imprensa. "Defendíamos que estas medidas de alívio da dívida grega deveriam ser aprovadas de imediato e acabámos por acordar em aprová-las apenas depois do final do programa", continuou. "Mas todos demonstrámos flexibilidade," defendeu.

Para já, falta ainda um passo. O FMI terá de fazer uma nova análise da sustentabilidade da dívida grega baseada nas medidas acordadas no Eurogrupo e decidirá a sua participação financeira no programa até ao final do ano, se a mesma ditar que a dívida grega se tornará sustentável.

Para Pieter Cleppe, responsável pelo think tank Open Europe em Bruxelas, o FMI "perdeu" esta batalha – nomeadamente porque acabou por concordar com os números europeus que indicam que a Grécia obterá um excedente primário de 3,5% em 2018, apesar de os seus números apontarem para um valor de apenas 1,5%. Este número é relevante pela influência que tem na avaliação da sustentabilidade da dívida.

No entanto, há quem discorde de que o FMI foi o maior perdedor nas negociações. Para Claus Vistesen, economista especializado na zona euro, o FMI não só garantiu que a Grécia poderá cumprir os pagamentos que se aproximam, mas também "emergiu como o 'lado certo' nesta discussão ao ‘puxar’ pelo alívio da dívida grega".

Os credores europeus mostraram-se sempre contra o pedido grego para alívio da dívida. Foi o FMI a primeira instituição a reconhecer que tal era de facto necessário, chegando a usar este argumento como critério determinante na sua participação no terceiro resgate grego.

A mudança de posição do FMI permite ao Governo grego receber o segundo desembolso dentro do programa. Este chegará aos 10,3 mil milhões de euros e será entregue em duas fases: 7,5 mil milhões serão desembolsados no início de Junho e o restante será libertado depois do Verão.

Assim, a Grécia terá capital suficiente para pagar ao FMI e BCE no mês de Julho e evitar ficar em atraso no pagamento dos empréstimos, como aconteceu em 2015.

O comissário europeu para os assuntos económicos, Pierre Moscovici, explicou depois da reunião do Eurogrupo que o desembolso vai permitir à Grécia recuperar a confiança dos investidores, "essencial para a retoma económica a longo prazo".

Já a agência de rating Moody's disse em comunicado esta quarta-feira que o acordo é "positivo" do ponto de vista para a avaliação de crédito, pois alivia o aperto financeiro das contas gregas, apesar de não ser muito específico nas medidas de reestruturação da dívida – ou seja, não se sabe ao certo qual será o impacto do que ficou acordado.

"Apesar de o anúncio não especificar o tipo de alívio da dívida, é claro que grande parte da reestruturação será considerada apenas depois de o programa ser concluído em 2018 e fica condicionado à capacidade de o Governo grego concretizar as condições do programa", disse Alpona Banerji, vice-presidente na Moody's. Relembrou que há riscos de execução, uma vez que o Governo grego detém apenas uma pequena maioria parlamentar.

As medidas acordadas para a reestruturação da dívida grega foram divididas em três partes. A curto prazo irão incluir um alívio dos pagamentos ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira, o uso de fundos estratégicos para reduzir o risco da taxa de juro, bem como a isenção da aceleração da margem de taxa de juros.

A médio prazo, as medidas passam também pelo uso de fundos restantes associados ao programa para reduzir a dívida, como é o caso da maioria dos 20 mil milhões de euros que não chegaram a ser precisos para a recapitalização dos bancos (uma parte do valor ficará como reserva para o caso de os bancos precisarem de mais apoio, afirmou Dijsselbloem). A longo prazo, ou seja, depois de o programa ficar concluído, em 2018, fica o compromisso de se voltar a avaliar a sustentabilidade da dívida grega e aprovar novas medidas de reestruturação, se necessário.

Acima de tudo, o acordo dá espaço à Alemanha para respirar antes das eleições legislativas do próximo ano. Logo à entrada para a reunião, o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, disse que não havia vontade para qualquer alívio de dívida significativo antes do próximo ano.

A Europa, mas sobretudo a Alemanha, consegue ainda sair deste processo sem conceder um corte nominal à dívida grega – algo a que o eleitorado alemão se opõe.

O acordo permite ainda à Europa concentrar-se noutros problemas mais iminentes, nomeadamente o referendo britânico, que se realiza já no próximo mês e que irá ditar se, pela primeira vez desde a criação da UE, um dos seus membros deixará o bloco. E ainda restabelecer as relações entre Bruxelas e Atenas, principalmente desde que o partido de esquerda Syriza chegou ao poder.

"A confiança foi recuperada", defendeu Dijsselbloem no final da conferência de imprensa, lembrando como há cerca de um ano a Grécia quase deixou a zona euro.

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