Governo quer executar garantia de oito milhões de euros à Galp

Empresa desistiu em 2013 de construir uma central eléctrica em Sines. Governo diz que a Galp falhou obrigações contratualizadas e quer accionar a caução que está depositada na CGD.

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Galp foi direccionando o seu esforço de investimento para as refinarias de Sines e Matosinhos Sandra Ribeiro

O Ministério da Economia quer executar uma garantia bancária de oito milhões de euros que a Galp entregou como caução em Outubro de 2007, depois de assinar um contrato com o Estado para construção de uma central eléctrica em Sines, soube o PÚBLICO junto de fonte conhecedora do processo. A central de ciclo combinado, que deveria ter entrado em funcionamento em 2010, nunca chegou a sair do papel porque, depois de sucessivos pedidos de adiamento que foram sendo autorizados pela tutela, a Galp renunciou à licença de produção no final de 2013.

No entanto, manteve-se depositada na Caixa Geral de Depósitos (CGD) a garantia bancária de oito milhões de euros exigidos pelo Estado como caução para acautelar o cumprimento de todas as obrigações até à entrada em funcionamento da central. É este dinheiro que o Estado se prepara para executar, seguindo um parecer nesse sentido da Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG); passados mais de dois anos da renúncia à licença de Sines, a petrolífera foi formalmente notificada de que a licença caducou e que a garantia será executada por não ter respeitado a obrigação de iniciar a produção nas datas prometidas. A Galp tem cerca de duas semanas para responder à notificação e pagar a caução de forma voluntária, caso contrário, a garantia deverá ser automaticamente accionada.

“O projecto de construção de uma central eléctrica a gás natural em Sines está encerrado desde 2014, tendo a Galp assumido integral e atempadamente todos os custos associados, não existindo por isso razões para qualquer responsabilidade adicional nesta matéria”, disse ao PÚBLICO fonte oficial da petrolífera liderada por Carlos Gomes da Silva. Já o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, respondeu que “a orientação é impor o rigor a favor dos consumidores e dos contribuintes em todos os contratos na área da energia”. Pelo que o PÚBLICO apurou, o dinheiro da caução deverá ser utilizado pelo executivo para diminuir a dívida tarifária da electricidade, que era de 5080 milhões de euros em Dezembro.

Novidades em breve
A história da central de ciclo combinado a gás natural de Sines começou formalmente em Setembro de 2007 com a atribuição da licença à Galp, no primeiro Governo de José Sócrates, quando era ministro da Economia Manuel Pinho. Na época, o projecto que previa a instalação de aproximadamente 900 megawatts (MW) de capacidade, repartidos por dois grupos de produção, foi avaliado em cerca de 400 milhões de euros. Porém, ao longo dos anos, o anterior presidente da Galp, Manuel Ferreira de Oliveira, foi reiterando que o projecto carecia de racionalidade económica porque a crise fez cair o consumo de electricidade e já havia excesso de capacidade de produção instalada. Razões semelhantes às invocadas pela Iberdrola, que também ganhou licença para uma central a gás na Figueira da Foz que nunca se chegou a construir. O PÚBLICO apurou que também sobre este contrato deverá haver novidades em breve.

Paralelamente, a Galp (que é detida em 38% por Américo Amorim) foi direccionando o seu esforço de investimento para a exploração e produção de petróleo e também para as refinarias de Sines e Matosinhos. Pelo caminho ficariam, além do projecto da central (onde a Galp chegou a ter uma parceria entretanto desfeita com a International Power), a consolidação do projecto eólico Ventinveste com a Martifer, que deveria ter construído 400 MW, mas que ainda não foi além de 12 MW.

O primeiro recuo no processo da central de Sines deu-se em Junho de 2009, quando a Galp apresentou à DGEG um pedido para que o prazo de entrada em exploração fosse prorrogado de Junho de 2010 (primeiro grupo produtor) e 31 de Dezembro de 2010 (segundo grupo), para 30 de Setembro e 31 de Dezembro de 2012. Mais tarde, em Dezembro, a empresa enviaria novo pedido para que as datas passassem a ser 31 de Dezembro de 2012 e 31 Março de 2013.

A Galp argumentava que estava dependente dos prazos do concurso público de adjudicação da construção da central, que tinha de garantir um modelo de financiamento em project finance e que deveria realizar estudos ambientais adicionais. A DGEG acedeu e garantiu uma primeira prorrogação até final de 2011, mostrando-se disponível para conceder novas prorrogações, desde que pedidas até Junho de 2011 e Junho de 2012, para se cumprirem os novos prazos.

Contudo, em Dezembro de 2011, a empresa requereu que a licença de produção ficasse suspensa entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2014, queixando-se então da crise dos mercados financeiros e da quebra do consumo de electricidade. A DGEG aceitou o pedido, mas obrigando a Galp a solicitar por escrito, em Junho de 2013, a continuidade da suspensão até Dezembro de 2014. Nessa data, a empresa deveria retomar todas as suas obrigações, assegurando que os dois grupos produtores estivessem a funcionar em Março (o primeiro) e Maio (o segundo) deste ano, como a própria Galp propôs num cronograma entretanto enviado à DGEG no Verão de 2012.

Só que, em Junho de 2013, a petrolífera acabaria por renunciar à licença para a central de Sines. Nessa declaração de renúncia (que produziu efeitos seis meses depois), a Galp sustentou que o projecto não teria rentabilidade económica, além de que a sua importância para o sistema eléctrico nacional tinha desaparecido – o seu fim não comportava riscos para a segurança do abastecimento eléctrico, tendo em conta que as condições de mercado levaram à paralisação de outras centrais a gás no país, defendia a empresa. Além da queda do consumo, as centrais a gás não conseguem competir com as renováveis (que têm prioridade no sistema), nem com as centrais a carvão, que é um recurso muito mais barato.

Mas, de acordo com a documentação consultada pelo PÚBLICO, o entendimento da DGEG é que, tendo a Galp renunciado à licença de produção em Sines, essa renúncia configura um incumprimento da obrigação da entrada em exploração da central nas datas propostas pela empresa e por isso justifica-se a execução da garantia bancária de oito milhões, que deverão ser usados em benefício do sistema eléctrico nacional.

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