Governo espanhol sem poderes plenos para apresentar novo orçamento

Executivo em funções estuda “solução” para regiões autónomas. Bruxelas pressiona Rajoy a corrigir o défice

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Vai longa a discussão política sobre o que fará o executivo de gestão para corrigir o défice PEDRO ARMESTRE/AFP

Ainda Mariano Rajoy não tinha falhado as duas tentativas de investidura para formar Governo, já tinha começado em Espanha a discussão sobre o que irá fazer o executivo de gestão para corrigir o défice, não tendo plenos poderes para apresentar o Orçamento do Estado para 2017.

A hipótese de se realizarem em Dezembro novas eleições legislativas, as terceiras em apenas um ano, veio complicar ainda mais a frente orçamental na quarta economia do euro: com a indefinição política, esfuma-se a hipótese de haver um novo orçamento dentro dos prazos habituais, num momento em que Espanha está (com Portugal) sob os holofotes dos outros governos europeus para sair do Procedimento por Défice Excessivo (aberto quando o défice público de um país fica acima de 3% no prazo negociado com Bruxelas).

A pressão para o país corrigir as contas públicas não esmoreceu mesmo depois do cancelamento das sanções em Julho. Os países da zona euro têm de entregar à Comissão até 15 de Outubro um esboço do seu orçamento para o ano seguinte, o que vincula Espanha a essa obrigação.

Bruxelas quer que lhe chegue informação sobre a estratégia para 2017 mesmo estando Madrid limitada em “fazer coisas”, como referia na última quarta-feira o secretário de Estado das Finanças, Miguel Ferre. Do lado europeu não há um braço-de-ferro mas há pressão para ver medidas para baixar o défice. “Esperamos que Espanha apresente um esboço do orçamento, pelo menos prorrogado [o OE de 2016]”, avisou o comissário com a pasta dos assuntos económicos, Pierre Moscovici, numa entrevista ao El País. Um aviso a juntar à posição dos ministros das Finanças da moeda única, que na última reunião do Eurogrupo, a 9 de Setembro, insistiam com Espanha (e Portugal) para tomarem “uma acção efectiva” relativamente à redução das contas públicas até 15 de Outubro.

O exemplo português

Os países da zona euro têm até esse dia para entregar à Comissão Europeia um esboço do seu orçamento para o ano seguinte, o que vincula Espanha a essa obrigação. No entanto, a mesma dificuldade já se colocou no ano passado em relação a Portugal por causa da coincidência do calendário eleitoral com o prazo de 15 de Outubro, definido nas regras europeias.

Em Portugal, as legislativas realizavam-se a poucos dias daquele prazo (aconteceram a 4 de Outubro), o que levou a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, a escrever à Comissão Europeia informando que Portugal não iria apresentar o documento nas datas previstas, porque só o novo executivo teria “plena legitimidade para apresentar um orçamento”. E assim aconteceu. Bruxelas acedeu, por causa das eleições, mas continuou a pedir que o documento fosse entregue tão rápido quanto possível.

Com a mudança de Governo, o esboço chegou a Bruxelas em Janeiro e a proposta final em Fevereiro, vigorando temporariamente o orçamento de 2016 em duodécimos até à entrada em vigor da nova lei, o que aconteceu já perto de Abril.

As grandes linhas da estratégia orçamental definidas pelo Governo de Espanha, Bruxelas já as conhece. Os países da zona euro tiveram de enviar o Plano de Estabilidade 2016-2020 à Comissão em Abril e, no Verão, ficaram estabelecidas as novas metas para a redução do défice. O objectivo de redução até aos 3% do PIB passou para 2018, objectivo flexibilizado durante o processo de discussão das sanções a aplicar a Espanha e Portugal, que acabaram por ser canceladas.

A inexistência de um orçamento coloca algumas dificuldades acrescidas, dada a organização territorial espanhola. O governo, pela voz do secretário de Estado das Finanças, garantiu, no entanto, estar a trabalhar numa solução para “encontrar uma saída para este problema da gestão orçamental das comunidades autonómicas”.

Enquanto não se sabia se Rajoy iria ou não conseguir ser investido primeiro-ministro, discutiam-se os contornos de o impasse político converter-se num impasse orçamental. Ainda em Agosto, o jornal económico Expansión citava o director de conjuntura económica da Fundação de Caixas de Aforro (Funcas), Raymond Torres, a defender que o Governo espanhol poderia aprovar um tecto de despesa para 2017. E interpretava a posição do PSOE, ao lembrar que a Lei 50/1997 abre a porta a que o Governo, embora limitado à gestão corrente da coisa pública, possa tomar a iniciativa “em casos de urgência devidamente justificados ou por razões de interesse geral”.

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