Funcionários do fisco terão acesso restrito aos dados das contas bancárias

Acesso à informação enviada pelos bancos estará sujeito a autorização dentro do fisco, seguindo medidas de segurança previstas na Lei da Protecção de Dados Pessoais. Diploma ainda não chegou a Belém.

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Fernando Rocha Andrade defende a medida com o combate à fraude e evasão fiscais Daniel Rocha

O acesso dentro da administração fiscal à informação do saldo das contas bancárias acima de 50 mil euros, que as instituições financeiras vão ser obrigadas a enviar ao fisco a partir de 2017, “será restrito e sujeito a autorização”, seguindo as “regras agravadas” de segurança previstas na Lei da Protecção de Dados Pessoais, assegura o Ministério das Finanças.

A garantia foi dada ao PÚBLICO pelo ministério liderado por Mário Centeno, quando questionado se a informação transmitida estará acessível de forma indiscriminada aos funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ou se esse acesso terá de ser justificado.

Assim que o Governo aprovou em Conselho de Ministros este diploma a 8 de Setembro, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, garantiu que a proposta de lei – que ainda não é pública – remete “expressamente para as medidas de segurança reforçadas”. No entanto, não era claro se o acesso por parte dos funcionários da AT estaria condicionado a uma autorização, o que o Governo agora veio especificar.

O Ministério das Finanças confirma que serão cumpridas as medidas especiais de segurança incluídas “no artigo 15.º da Lei da Protecção de Dados Pessoais”. Aqui prevê-se, por exemplo, que os responsáveis pelo tratamento dos dados terão de “impedir que sistemas de tratamento automatizados de dados possam ser utilizados por pessoas não autorizadas através de instalações de transmissão de dados (controlo da utilização)” e que as pessoas autorizadas “só possam ter acesso aos dados abrangidos pela autorização (controlo de acesso)”.

O PÚBLICO sabe que o diploma do Governo ainda não chegou à Presidência da República, embora a proposta de lei já tenha sido aprovada em Conselho de Ministros há quase duas semanas, depois de incorporar “em grande medida as recomendações” feitas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que considera a medida inconstitucional.

Como o diploma ainda não é conhecido nem está de pé, “ainda não está definido, nem foi discutida” na AT a implementação dessas medidas de segurança, adianta o presidente da Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária (APIT), Nuno Barroso. Para o representante sindical, deve ser criado um regulamento que plasme claramente as regras a serem seguidas. “Este reforço de segurança tem de ser necessariamente explicado”, insiste.

Nuno Barroso admite que possa vir a ser criado dentro da AT uma equipa “que recebe e guarda os dados” comunicados pelos bancos uma vez por ano. Para poder ter acesso a uma informação sobre o saldo bancário de um contribuinte, um inspector teria de fazer uma solicitação formal a justificar o motivo pelo qual pede para aceder àquela informação, devendo haver uma resposta superior a validar ou a indeferir, sugere o presidente da APIT.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, considera a medida “essencial no combate à fraude” e antecipa igualmente que a informação “não vai chegar a todos os níveis de intervenção” da AT, mas apenas “a quem necessite dela” para exercer as funções tributárias.

Dúvidas de Marcelo

O diploma em causa prevê que os bancos enviem ao fisco, anualmente, informação sobre o valor depositado numa instituição financeira, sempre que esse saldo global é superior a 50 mil euros (os detalhes dos movimentos das contas não são enviados, apenas o saldo registado a 31 de Dezembro do ano anterior).

Esta obrigação está prevista no mesmo diploma em que o Governo transpõe para a legislação nacional uma directiva europeia que já iria obrigar os bancos a enviarem ao fisco informação sobre o saldo das contas detidas em Portugal por não residentes e sobre as contas detidas por residentes no estrangeiro.

O executivo decidiu estender as mesmas regras (com adaptações) às contas de quem vive em Portugal, considerando não existir justificação para que a AT ter acesso a menos informação do que aquela que lhe será enviada sobre os não-residentes, ao abrigo das regras europeias (e do acordo FACTA com os Estados Unidos).

A CNPD, ao dar o parecer ao anteprojecto do Governo, considerou a medida inconstitucional, vendo nela uma “restrição desnecessária e excessiva dos direitos fundamentais à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada”. O Governo, pela voz do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, embora tenha reconhecido no Parlamento que há uma diminuição da privacidade, argumenta que este é um “custo” que deve ser encarado pela sociedade portuguesa, como uma “opção colectiva”, para combater a fraude e a evasão fiscais.

Resta agora saber o que fará Marcelo Rebelo de Sousa quando o diploma lhe chegar às mãos – se dentro de 40 dias o promulga, se requer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade ou se simplesmente o veta. A questão é politicamente sensível entre São Bento e Belém. A questão passa por saber se o Presidente mantém as dúvidas levantadas em Agosto, quando se mostrou contra uma medida que permita o acesso aos dados bancários “de forma indiscriminada”.

A medida, autorizada no Orçamento do Estado deste ano, ainda estava a ser afinada pelo Governo para incluir as recomendaçoes da CNPD e o Governo manteve a intenção de pé (e ainda no último sábado o primeiro-ministro veio defender politicamente esta obrigação).

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