FMI reconhece “progresso notável” português, mas prevê abrandamento a prazo

Impressionados com aquilo que foi feito no orçamento e na banca durante o último ano, os técnicos do FMI estão entre os mais optimistas para 2017 e 2018, mas a instituição mantém perspectivas sombrias para os anos seguintes.

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Subir Lall foi durante quatro anos chefe de missão do FMI em Portugal LM MIGUEL MANSO

A contenção da despesa pública, o cumprimento das metas para o défice e as medidas de estabilização do sector financeiro impressionaram os técnicos do Fundo Monetário Internacional que visitaram o país, que falam agora de um “progresso notável” de Portugal durante o último ano. No entanto, em Washington, continuam-se a ver vários motivos para que o país, após um crescimento de 2,5% este ano, possa regressar a médio prazo para as taxas de variação do PIB baixas que se tornaram um hábito desde o início do século.

No relatório publicado esta sexta-feira pela equipa do FMI que visitou Portugal em Junho para realizar a avaliação anual no âmbito do artigo IV da instituição, confirma-se a melhoria das projecções para o país que já tinha sido anunciada há três meses, no dia em que foi concluída a missão. Depois de em Fevereiro deste ano ter apostado num crescimento de apenas 1,3% para Portugal em 2017, o Fundo passou nessa altura a ser uma das entidades mais optimistas em relação à força da retoma, apontando para uma variação do PIB de 2,5% este ano, o que só por si garantia que, na frente orçamental, a meta de 1,5% para o défice público deste ano ficasse “bem ao alcance” do Governo.

No documento agora publicado, além de reiterarem estas projecções, os técnicos do FMI explicam com mais detalhe o porquê desta melhoria tão acentuada das perspectivas. O Fundo reconhece, num tom elogioso que não tem sido muito frequente, que “Portugal realizou um progresso notável durante o último ano na redução na redução das incertezas em torno dos riscos de curto prazo”. Em particular, é destacado aquilo que foi feito ao nível da contenção da despesa pública - que permitiu que as metas para o défice fossem alcançadas e país saísse do Procedimento por Défice Excessivo – e na recuperação da confiança e da estabilidade no sector bancário, nomeadamente com as capitalizações na CGD e no BCP, a venda do Novo Banco reestruturação accionista no BPI.

O FMI diz que é neste cenário de maior estabilidade que se assiste a uma retoma das exportações – com um peso grande do turismo, mas com a ajuda de vários outros sectores – e do investimento, o que suporta o crescimento forte de 2,5% este ano a que se seguirá uma variação do PIB de 2% no ano seguinte.

Mas se aquilo a que assistiu no último ano forçou o FMI a mudar de forma muito acentuada as suas projecções económicas para 2017 e 2018, já em relação aos anos seguintes a instituição mantém o seu cepticismo em relação à capacidade da economia portuguesa.

O Fundo continua a antecipar uma caminhada progressiva para taxas de crescimento próximas de 1%. O resultado estimado para 2021 é apenas ligeiramente melhor do que o apresentado em Fevereiro. Nessa altura, a previsão era de 1%, agora é de 1,2%.

No relatório, o FMI enuncia as suas razões para não acreditar que tenha havido uma melhoria substancial do potencial de crescimento da economia portuguesa e para temer que aquilo que impulsiona actualmente o PIB possa vir a deixar de estar presente no médio prazo.

Em primeiro lugar, o Fundo diz que existe “um circulo vicioso de bancos frágeis, elevados níveis de crédito malparado e fraco investimento que continua a restringir o crescimento de médio prazo”. E, se até pode haver motivos para pensar que um maior desempenho da economia europeia pode levar a resultados ainda melhor do que o previsto no curto prazo, no médio prazo os riscos que existem são pela negativa.

São várias as coisas que o FMI vê a poderem correr mal a prazo: o crescimento do turismo deve tornar-se bem mais moderado depois do desempenho impressionante dos últimos anos; os níveis mínimos históricos que se registam na poupança tornam difícil uma aceleração do consumo; o aumento dos custos unitários do trabalho que se registaram mais recentemente fazem com que as empresas voltem a sentir dificuldades em reforçar o investimento sem recurso ao crédito.

É por isso que para o FMI, o crescimento potencial da economia portuguesa continua sem ir além dos 1,2%, um valor que é apenas ligeiramente melhor do que os 0,8% que foram a média do crescimento anual registado na primeira década deste século.

O que fazer para aumentar este crescimento potencial? Um aumento da produtividade e níveis de investimento muito elevados, diz o FMI. De acordo com os cálculos apresentados no relatório, seria preciso uma variação anual do investimento de 6,5% para, aos níveis actuais da produtividade, colocar o crescimento potencial da economia nos 2%. Um aumento tão forte do investimento pode não ser sustentável dado o nível de endividamento do país, considera o FMI, que defende, numa repetição daquilo que afirma em todos os relatórios, “esforços mais ambiciosos para enfrentar os obstáculos estruturais ao investimento”.

Nas reuniões com os técnicos do FMI, as autoridades portuguesas deixaram claro que não concordam com esta visão sombria em relação ao futuro da economia. De acordo com o que é dito no relatório, do lado português defendeu-se que ”as mudanças estruturais na economia nos anos mais recentes puseram Portugal rumo a um crescimento mais elevado”. Foram vários os argumentos apresentados. Por um lado, quem entra agora no mercado de trabalho tem níveis de qualificação mais elevados, o que pode conduzir a uma subida sustentada da produtividade. Depois, o desempenho das exportações, com ganhos de quota de mercado, são uma prova de que as empresas portuguesas estão agora a competir em segmentos com maior valor acrescentado. Por fim, a melhoria da situação na banca vai permitir que o acesso ao financiamento deixe de ser um entrave ao investimento das empresas.

Esta linha de argumentação não chegou para convencer os técnicos do FMI que, por isso, antecipam um cenário de abrandamento progressivo das exportações e do investimento, com consequências negativas no ritmo a que se podem vir a criar novos empregos.

Este foi o último relatório do FMI sobre Portugal em que Subir Lall participou como chefe de missão, já que a partir de agora o lugar passará a ser ocupado pelo mexicano Alfredo Cuevas.

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