FMI deixa o aviso: riscos de estagnação alimentam populismos

Fundo insiste que Portugal e Itália têm sistemas bancários vulneráveis. Crescimento na zona euro melhora, mas continua em desaceleração.

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O FMI, liderado por Christine Lagarde, prevê que a economia mundial cresça 3,1% este ano JOHN MACDOUGALL/AFP

Mais pessimista sobre a economia dos Estados Unidos, mais optimista em relação à zona euro do que há três meses, o Fundo Monetário Internacional (FMI) está a contar com um crescimento moderado do PIB mundial: a abrandar este ano e a acelerar-se no próximo. Mas oito anos depois da crise financeira internacional o risco de estagnação nas economias desenvolvidas não está afastado e, perante uma conjuntura incerta, o fundo diz ser preciso evitar que se alimentem tentações populistas, com “apelos proteccionistas” em relação ao comércio internacional e às políticas de imigração. E pede medidas para impulsionar o crescimento global.

No relatório Perspectivas da Economia Mundial, divulgado nesta terça-feira em Washington, o FMI prevê que o PIB mundial avance 3,1% este ano e 3,4% em 2017, ao mesmo ritmo previsto em Julho. Mas há uma diferença importante: o crescimento dos Estados Unidos foi revisto em baixa para 1,6% este ano (quando a previsão era superior a 2%) e para 2,2% no próximo (também mais baixa).

Bancos vulneráveis

Para a zona euro, as expectativas melhoraram e o FMI está ligeiramente mais optimista sobre a Alemanha e Espanha, embora mais pessimista em relação a França e Itália. A trajectória de crescimento na moeda única continua a ser de desaceleração face a 2015, com o PIB a passar de um crescimento de 2% no ano passado para 1,7% este ano (mais 0,1% do que o projectado em Julho). Para 2017, o nível de crescimento arrefece para 1,5%, ainda que também aqui o valor esperado melhore em relação ao projectado em Julho.

Na zona euro, porém, há um risco que o FMI volta a apontar: o balanço dos bancos causa preocupações “em alguns países com sistemas bancários mais vulneráveis, como Itália e Portugal”. E insiste que “a crescente turbulência financeira e a retracção de capitais nas economias emergentes parecem ter-se tornado menos proeminentes, mas ainda permanecem”.

A análise do FMI centra-se nas principais regiões e economias mundiais, não referindo considerações específicas sobre a economia portuguesa; apenas reafirma as previsões já conhecidas: um crescimento de 1% este ano e de 1,1% no próximo. Para o desemprego é projectada uma taxa de 11,2% este ano, com uma redução para 10,7% em 2017.

Falar em perigo de estagnação não é nada para que o FMI já não tenha alertado antes. Mas no relatório de hoje não só repete, como destaca o aviso: não está afastado o “risco de estagnação prolongada”, com a baixa procura a comprometer os níveis de produção e a alimentar uma inflação baixa.

O “Brexit” e os Estados Unidos

Com a desaceleração da economia americana, a fragilidade do comércio mundial e a incerteza gerada com o “Brexit”, antevê-se “um crescimento moderado para 2016” e uma recuperação progressiva no próximo ano, “quase inteiramente graças aos países emergentes e aos países em desenvolvimento”. Desde o relatório anterior, há algumas mudanças assinaladas pelo FMI: se, por um lado, aumentou a incerteza com o cenário de saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e os Estados Unidos estão a crescer menos do que o previsto no segundo trimestre, por outro, o FMI vê sinais mais claros de que o Brasil e a Rússia “se aproximam de uma saída da recessão”.

O FMI refere novos choques, como o “Brexit”, os ajustamentos em curso na economia mundial, com o reequilíbrio da economia chinesa e o ajustamento dos países exportadores de matérias-primas à diminuição da procura. As reacções do mercado ao resultado do referendo britânico de 23 de Junho foram “globalmente limitadas”, mas as acções dos bancos continuam sob pressão, “em particular os países com sistemas bancários mais frágeis”, e a incerteza sobre o impacto nas perspectivas macroeconómicas continua a pairar, “em particular na Europa”.

Maurice Obstfeld, director de investigação do FMI, nota mesmo a “natureza precária da recuperação mundial” e lembra as ameaças que o mundo ainda enfrenta oito anos depois da crise financeira internacional. “O espectro da estagnação persistente, particularmente nas economias desenvolvidas, pode alimentar ainda mais os apelos populistas a [maiores] restrições no comércio e na imigração”, vinca o fundo numa nota sobre o relatório.

O FMI sublinha mesmo que a votação pela saída do Reino Unido da UE e a campanha presidencial nos Estados Unidos vieram colocar na ordem do dia a discussão “das questões ligada à mobilidade da mão-de-obra e das migrações, à integração do comércio mundial e aos regulamentos internacionais”.

Para suportar o crescimento no curto prazo, o fundo defende que os bancos centrais nos países desenvolvidos devem manter políticanas quais a produtividade é mais baixa e há pressões económicas ligadas ao envelhecimento da população. “Sempre que possível, os governos devem gastar mais em educação, tecnologia e infra-estruturas para expandir a capacidade produtiva, tomando medidas para atenuar as desigualdades.” É também preciso aumentar o crescimento potencial através de “reformas estruturais” que reduzam as barreiras à entrada no mercado laboral.

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