Falta mostrar a quem parte pedra que se está a construir uma catedral

Como é que se consegue motivar as pessoas quando se mudam as regras da aposentação de três em três anos e quando tem que se congelar salários?

Quando se frustram expectativas no curto prazo, tem que se ter um sonho no longo prazo, tem que haver capacidade para explicar aos funcionários que os sacrifícios têm em conta um bem maior. Mas para isso tem que haver credibilidade.

Essa credibilidade existe? Em 2005 pediram-se sacrifícios e cinco anos depois pedem-se mais sacrifícios - dá a sensação de que não valem a pena.

Há uma metáfora que vem nos manuais de gestão que ilustra bem o que quero dizer. Dois operários constroem uma catedral e há alguém que lhes pergunta o que fazem; um diz "eu parto pedra" e o outro responde "eu construo uma catedral".

O primeiro partia pedra para se alimentar e o segundo tinha um sonho. O que me parece é que hoje na Administração Pública as pessoas sentem que estão a partir pedra e não sentem que estão a construir uma catedral.

Como é que se chegou a esta situação? Será porque os funcionários vêem as medidas como uma ameça?

Neste momento, os administradores públicos e o Governo não estão a ter capacidade de mostrar a quem parte pedra que está a construir uma catedral. É aqui que está o problema. O que lhes estão a dizer é que têm de continuar a partir pedra para se poderem alimentar e a outra dimensão não tem vindo ao de cima. Ao Governo, particularmente a quem tem a área da Administração Pública, está a faltar esta capacidade de liderança e de seduzir os cidadãos e os funcionários públicos.

Mas entre os cidadãos em geral corre muito a ideia de que os funcionários públicos não querem trabalhar e só querem privilégios... Acha que essa ideia se mantém muito enraizada?

No Governo anterior exagerou-se essa ideia, sem perceber que não é atacando os actores que se vai provocar mudança. Esse ambiente mantém-se e não é justo. Na Administração Pública temos bolhas de excelência e bolhas de péssimo serviço. Mas os próprios sindicatos não ajudam nada a romper o mito de que os funcionários são as sanguessugas da sociedade, quando reivindicam privilégios que o cidadão comum não tem. Como é que explica que um trabalhador do sector privado se reforme aos 65 anos de idade e que outro, pelo facto de ser funcionário público, se reforme aos 60?

A origem disto vem do Estado Novo, em que se dava ao funcionário público um conjunto de privilégios em troca de um salário claramente abaixo da média da administração privada. Mas tudo isso mudou e os sindicatos deviam ter percebido que não devem militar contra a tendência de homogeneização.

Mas no caso específico da aposentação, os funcionários já estavam à espera da convergência, não contavam era que ocorresse tão cedo.

Neste tipo de situações tem de haver alguma capacidade de previsão. Infelizmente os momentos que estamos a viver são tão incertos que não se tem conseguido garantir isso. Estas alterações que estão periodicamente a ocorrer não são boas para ninguém, nem para a Administração nem para o sector privado. Mas a alternativa era deixar ficar como estava?

Concordo que há cinco anos se devia ter previsto um conjunto de situações, contudo vivemos tempos de grande imprevisibilidade. Estes fundos públicos foram criados num mundo previsível, antes da primeira crise do petróleo nos anos 70, e agora vivemos num mundo cada vez mais incerto. O que não é admissível é não ler os sinais dos tempos e não tomar as medidas adequadas para evitar que tudo seja pior no futuro.

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