“Estamos a trabalhar em novas taxas no domínio da fiscalidade verde”

Ministro do Ambiente reúne-se nesta quarta-feira com os taxistas por causa da Uber, de quem diz que "não pode exercer a actividade contratando quem contrata".

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Matos Fernandes, ministro do Ambiente, diz que "a Uber não pode exercer a actividade contratando quem contrata" Enric Vives-Rubio

No dia em que se reúne com os taxistas para tornar esta actividade “mais qualificada”, num momento de tensão com a Uber, o ministro do Ambiente adianta que o Governo está a preparar novas taxas no âmbito da fiscalidade verde para o orçamento de 2017. Matos Fernandes quer criar já no próximo ano um superfundo ambiental, que agregará uma receita mínima de 165 milhões para reforçar o transporte colectivo e intervir nas costas portuguesas e zonas inundáveis, por exemplo. O governante reconhece ainda que não há como cancelar os grandes projectos de barragens “sem pagamento de indemnizações”. Considera a privatização da EGF “um assunto praticamente encerrado”, mas está a trabalhar para dar às autarquias “o papel que lhes é devido” na gestão. E, nas águas, já interveio para “ajudar as autarquias” a rever os contratos de concessão de primeira geração.

Já recebeu a informação que pediu a Espanha sobre as falhas na central nuclear de Almaraz?
As falhas foram todas reportadas e, num grau de gravidade de um a sete, foram de grau zero. O ministro que tutela a Energia respondeu-me dizendo que está absolutamente seguro sobre o que Espanha tem feito neste domínio.

Da parte do Governo português não há medidas a tomar?
A central não está de todo sob a nossa responsabilidade, mas as informações do Governo espanhol sobre as condições de segurança da central são robustas.

Como se resolve o problema do défice de inspectores, que são partilhados entre o ambiente e a agricultura?
Admitimos recentemente 16 novos inspectores, boa parte deles na área do ambiente. Além disso, como a fiscalização no domínio do ambiente é exercida por diversas entidades, estamos a articular essas mesmas entidades. Acredito que, com os recursos que temos, conseguimos ter um avanço muito grande na capacidade inspectiva, com um enfoque muito grande no rio Tejo, onde havia uma certa sensação de impunidade resultante de processos inspectivos que não foram concluídos. Já fizemos 112 inspecções, tenho controlado esse processo muito de perto e vejo grande motivação para fazer mais e ser mais consequente na acção.

O Governo já decidiu o que vai fazer com a receita da taxa de carbono este ano?
Penso que mais importante do que falar do destino dessa receita é dizer que estamos próximos de concluir a constituição do superfundo ambiental. O ministério gere quatro fundos de dimensões distintas e é fundamental agregar essas receitas de forma a poder definir, a cada ano, as prioridades na sua aplicação. Este fundo terá uma receita mínima previsível de 165 milhões de euros. Digo receita mínima porque o fundo também é alimentado pela taxa da deposição de resíduos em aterro e pelas receitas dos leilões de licenças de carbono, em que há expectativa de crescimento.

Para onde vai canalizar essas verbas?
Há quatro áreas fundamentais. Uma é a mitigação às alterações climáticas, com um enfoque muito grande na promoção do transporte colectivo e na introdução e reforço da mobilidade eléctrica. Uma segunda área é a adaptação às alterações climáticas. Portugal é um país que sofre essas consequências, queremos muito reduzir os gases com efeitos de estufa. Indesmentivelmente já sentimos consequências e as costas portuguesas e as zonas inundáveis são duas áreas específicas onde este superfundo irá intervir. Um terceiro eixo tem a ver com o uso racional da água e a protecção dos recursos hídricos, com as compensações necessárias entre os sistemas em alta que têm resultados positivos e os que não têm e que temos de ajudar financeiramente. Um quarto domínio é o da conservação da natureza e da biodiversidade.

Os 165 milhões vêm de onde?
Do fundo português de carbono, que vive essencialmente das receitas dos leilões de carbono; do fundo de intervenção ambiental, que vive das taxas de deposição de resíduos em aterro; do fundo da conservação da biodiversidade, que tinha as receitas associadas aos sacos de plásticos e que teve uma receita pouco mais que residual; e da taxa de recursos hídricos, que todos pagamos. Estamos, no entanto, a avaliar outras fontes de financiamento que no futuro engrossem este superfundo.

Está a falar de novas taxas?
As novas taxas em que estamos a trabalhar estão a ser configuradas no domínio da fiscalidade verde. Enquanto as receitas do superfundo ambiental são receitas do Ministério do Ambiente, para utilizar em políticas do ministério, as da fiscalidade verde não são receitas nossas. No passado foi introduzida a fiscalidade verde e eu não posso deixar de atribuir mérito a quem pôs no espaço público essa questão. O que é importante é que as receitas da fiscalidade verde sirvam para beneficiar os comportamentos ambientalmente positivos, numa lógica de neutralidade fiscal. Queremos assegurar que esta receita fiscal seja toda ela dentro do sector do ambiente. Há muito a explorar.

Por exemplo?
Ainda estamos a trabalhar nisso. Feitas as contas do final do ano, vimos que os números foram muito diferentes do que se esperava. Isto é, os 160 milhões que se esperava de receita [para aplicar à neutralidade fiscal] foram 105 milhões. Temos claramente de ter contas mais afinadas. É uma matéria que temos de trabalhar internamente, até Abril, Maio e depois partilhar com as Finanças, para que no Orçamento do Estado para 2017 esteja cá fora.

O que motivou os desvios?
Só lhe sei falar das contas a posteriori e uma das grandes divergências teve a ver com os sacos de plástico. O sucesso foi tão grande que o valor da receita foi muito reduzido. Quando isto se associa a uma perspectiva de neutralidade fiscal e ela está longíssimo de acontecer, estamos a perturbar as contas do Estado e não queremos que isso aconteça. No que diz respeito aos sacos de plástico não há muito a fazer, a taxa deve manter-se, mas a alteração do comportamento ambiental está conseguida, portanto não há grandes expectativas de receita.

Acaba por assumir que haverá novas taxas. A comissão para a reforma da fiscalidade verde propôs muitas…
É verdade. Dou-lhe um exemplo concreto: Portugal é um dos poucos países da União Europeia onde ainda se pode caçar com chumbo. Esse é um exemplo concreto de um produto a taxar. 

Também havia a possibilidade de impor uma taxa aos bilhetes de avião para compensar as emissões de CO2.
Aquilo que estamos a fazer tem muito a ver com o ambiente, com descobrir onde estão as receitas possíveis e onde pode haver neutralidade, ou seja, onde podemos beneficiar comportamentos. Já temos exemplos concretos, como aparelhos redutores do consumo de água que merecem ser valorizados ou as bombas de calor para aquecer a água. Esse trabalho é feito a pensar na eficiência energética e no uso parcimonioso dos recursos. É por aí que queremos desenhar esta neutralidade fiscal.

A comissão também tinha sugerido a criação de um mecanismo de monitorização das medidas. Vai criá-lo?
A necessidade de acompanhar a fiscalidade verde é da maior importância, porque o caso dos sacos de plástico foi de facto um grande sucesso, mas acredito que possa ser um epifenómeno. Não é normalmente no período de um ano que muda de forma tão dramática o comportamento das pessoas. Por isso, sim, queremos ter alguém que acompanhe de perto com as Finanças a fiscalidade verde, porque tem de haver períodos de três anos para avaliar as medidas.

Isso pressupõe a criação de uma comissão de acompanhamento?
Sim, em conjunto com as Finanças.

Quando é que o superfundo vai estar operacional?
Queremos aprovar o diploma o mais tardar em Junho, sabendo que o superfundo ambiental só entrará em funcionamento em Janeiro do próximo ano.

Equaciona fazer alguma alteração aos tarifários nos transportes públicos?
O que está previsto para o próximo ano está decidido. As mudanças possíveis nunca poderão ter uma grande dimensão. Aquela que foi a nossa aposta para este ano foi a de estender o passe social a todo o país. Vi com muita simpatia, mas com impossibilidade orçamental, a proposta do partido Os Verdes de ser atribuído o Passe 4-18 sem condição de recursos. Porque acho que essa é mesmo a idade para motivar a utilização de transportes.

O PCP também já veio pedir que se voltasse atrás na fusão das transportadoras públicas. Há essa possibilidade?
Vale a pena perceber quais são os ganhos que decorrem de haver serviços partilhados. O facto de haver até empresas com donos diferentes não inibe a existência de serviços partilhados. É uma reflexão que cabe às empresas.

Porque é que não esperou pela decisão do Tribunal de Contas (TdC) em vez de ser o Governo a assumir a responsabilidade de anular os contratos das subconcessões?
O grau de risco jurídico decorrente de as transportadoras terem anulado os contratos ou de não haver visto do TdC é exactamente igual e há experiências do passado que comprovam isso mesmo. Surgiu na alta velocidade. O Governo tem toda a legitimidade para invocar o interesse público e não faltam motivos. Antes de dizer que os contratos são ilegais, quero sobretudo dizer que os contratos são maus. Partem de uma base de rede reduzidíssima e obrigariam as empresas a comprar veículos a gasóleo e em segunda mão. Encontrámos um conjunto de ilegalidades e não houve necessidade de invocar o interesse público para anular os contratos.

Sobre o tema da cobrança de multas nos transportes e o atraso que já leva, qual é a solução?
Essa matéria preocupa-nos porque reduz receitas às empresas. É em primeiro lugar responsabilidade das empresas agir com mais diligência para garantir que a utilização dos transportes é feita com um título legal. E temos que encontrar uma forma simplificada de cobrar as multas.

Afirmou recentemente que a Uber é ilegal. Essa é uma declaração que compromete todo o Governo?
Não vou responder directamente à sua pergunta. O serviço de transporte que é feito nas cidades, enquanto serviço de táxi, tem regras próprias. A Uber é uma plataforma que contrata uma forma de serviço nas cidades que só pode ser o táxi. Portanto não tenho dúvidas de que os transportes contratados pela Uber são em tudo comparados aos táxis e nesse sentido são ilegais à luz da lei portuguesa.

Mas não há aqui um factor inovação a considerar?
Uma coisa diferente é pensar o que pode ser o futuro da Uber ou de plataformas como esta ou de outras formas de contratação de transporte nas cidades. Quando esses transportes forem no domínio da economia partilhada, parecem-me sempre exercícios muito positivos. Mas à data de hoje, com as regras portuguesas, a Uber não pode exercer a actividade contratando quem contrata. Podia, por exemplo, contratar taxistas.

Portugal vai aguardar uma clarificação a nível europeu ou vai tomar medidas?
A clarificação ao nível europeu tem a ver com as plataformas, porque depois cada país tem as suas regras. Queremos contribuir para que o serviço de táxi seja mais qualificado em Portugal. Estamos empenhados nisso e consideramos indispensável envolver os taxistas nessa qualificação. Quanto à Uber, não fechamos os olhos, não fazemos de conta que as coisas não existem, mas, da maneira como a actividade é exercida – e repito, não é a plataforma, são os transportes contratados através da Uber – não segue as regras portuguesas.

Essa requalificação dos táxis que vias poderá seguir?
Vamos reunir-nos nesta quarta-feira e não quero estar aqui a dar novidades aos senhores taxistas antes do encontro, mas consideramos que a eficiência energética dos táxis, a renovação dos táxis e a construção de plataformas de contratação são matérias importantes em que queremos ajudar a fazer melhor. Depois também está desenhado, com a intenção de ser aprovado num prazo semelhante ao do superfundo ambiental, o regulamento do transporte público flexível. O regulamento dirige-se essencialmente a territórios de baixa densidade, mas também a territórios de menor densidade nos concelhos metropolitanos.

Os Verdes estão a aguardar que a reavaliação do Plano Nacional de Barragens (PNB) reúna argumentos legais que permitam cancelar os projectos. É isso que está a preparar?
No dia 31 de Março esse trabalho estará definido. Estamos a trabalhar em três áreas, nas grandes barragens, nas mini-hídricas e na demolição de barragens que já não têm uso ou um uso irrelevante. Já encontrámos dez barragens que poderão ser demolidas nos próximos dois, três anos. Não é simples de fazer, mas parece-nos da maior importância porque Portugal foi deixando ficar nos rios as barreiras que já não tinham utilidade. No domínio das mini-hídricas, já identificámos muitas que não irão ser construídas e, nas grandes barragens, não quero antecipar nada publicamente. São poucas as que não têm construção iniciada e estamos a olhar para elas de forma muito clara. Não encontramos forma de haver reversão sem pagamento de indemnizações e as limitações orçamentais são aquelas que se conhece. Estamos a falar, gostemos ou não, de processos absolutamente legais no seu licenciamento, quer ao nível dos concursos, quer da avaliação ambiental. Temos este compromisso de reavaliação, mas não tenho nada a anunciar neste momento.

Disse no Parlamento que não concordava com as garantias de potência…
No que diz respeito às barragens do PNB, os concursos foram feitos e a contraprestação dos privados entregue sem se falar em garantias de potência. Nas barragens que fazem parte do PNB, esse plano foi desenhado sem qualquer garantia de potência e assim se manterá.

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Enric Vives-Rubio

A privatização do sector das águas está afastada?
A privatização do sector das águas ao nível dos sistemas em alta é um cenário que não existe, nem a concessão a privados. Aquilo que poderá acontecer é as autarquias, no âmbito do que é o seu mandato político, poderem fazer esses contratos de concessão. Fazia parte do programa do Governo auxiliar as autarquias a reverem os seus contratos de concessão de primeira geração e neste momento o presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos já está a fazer esse trabalho com muitas autarquias, porque alguns desses contratos trouxeram muito mais consequências negativas do que positivas.

Quais são os planos para o sector dos resíduos?
Uma das frentes em que estamos a trabalhar diz respeito à possibilidade de existirem duas licenças para a recolha e reciclagem em Portugal. Só existe uma [Sociedade Ponto Verde] e há uma segunda intenção. Mas a situação que herdámos poderia dar origem a duas licenças muito desiguais. Outras frentes são as guias electrónicas para o transporte de resíduos e a redução da deposição de resíduos em aterro. Nesta área, os desafios que se colocam são brutais. O novo pacote europeu da economia circular define que só 10% dos resíduos poderão ser depositados até 2030. Portugal fez um trabalho louvável, mas está longe de chegar aqui [os dados do Eurostat apontam para uma taxa de deposição de 50% em 2013]. Há um volume financeiro significativo no Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos para investir, mas para os 90 milhões de euros disponibilizados neste primeiro aviso, tivemos 170 milhões em candidaturas. Reduzir a 10% a deposição dos resíduos é um longo trabalho. A presidência holandesa está muito empenhada em chegar a Junho com o pacote da economia circular aprovado, mas não vai ser simples.

O que seria então desejável?
O que estamos a tentar fazer, e estamos alinhados com muitos outros países da UE, é derrogar a data e fazer com que haja um conjunto de regras claras para que a meta seja derrogada, porque não temos recursos para a cumprir nem com o apoio do Portugal 2020. Pressupõe, num novo ciclo de apoios comunitários, depois de 2020, voltar a alocar muito dinheiro ao sector dos resíduos.

A privatização da EGF, cuja reversão chegou a estar nos planos do Governo, é assunto encerrado?
É um assunto praticamente encerrado. Não encontrámos nenhuma ilegalidade no processo. Aquilo em que estamos a trabalhar com algum sucesso é na construção de acordos parassociais para a gestão entre o parceiro privado [a Mota-Engil] e as autarquias, que garantam às autarquias um papel muito relevante na gestão. Estou convencido que o equilíbrio de forças na gestão será conseguido.

A Valorsul é um desses casos?
É claramente um desses casos. Há uma proposta de acordo parassocial desenhada, as partes ainda não estão completamente de acordo, mas isso poderá acontecer no prazo de semanas. O que nos interessa é garantir o serviço público e a boa gestão e que as autarquias têm o papel que lhes é devido. O que não quer dizer que venham a desistir das suas acções em tribunal.

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