Elon, larga o Trump

Doug Derwin chegou a encomendar um carro eléctrico Tesla, mas acabou por cancelar a compra. Em vez disso, está preparado para gastar dois milhões de dólares em protestos contra Elon Musk e Donald Trump.

Foto
Elon Musk começou a aparecer na Trump Tower quando se juntou ao conselho consultivo empresarial de Trump REUTERS/Andrew Kelly

No dia em que Donald Trump foi eleito presidente, Doug Derwin ganhou muito dinheiro. Derwin é um advogado que se tornou investidor de risco e tinha acabado de lucrar com um investimento de sucesso. Como já fizeram muitos outros ricos e poderosos de Silicon Valley, Derwin utilizou este inesperado lucro para comprar um carro eléctrico Tesla e assim protestar contra o sistema – ou, pelo menos, contra as pessoas que negam a existência das alterações climáticas, que ele acreditava serem representados pelo novo Presidente. “Uma das razões por que me senti bem com aquela compra foi por ser uma espécie de afirmação contra aquilo que estava acontecer à minha volta”, conta Derwin.

No entanto, enquanto a encomenda de Derwin passava pelos atrasos de fabrico na Tesla, ele mudou de ideias. Elon Musk, o co-fundador e CEO da Tesla, ia reunir-se com Trump e entrar em comités da nova Administração. Quanto mais Derwin reflectia sobre isto, mais zangado ficava. Em Fevereiro, quando recebeu um email a dizer que o seu sedan Modelo S estava finalmente pronto, Derwin cancelou a compra. Passou na mesma um cheque de 150 mil dólares (140.553 euros) – mas doou-o à American Civil Liberties Union (União Americana das Liberdades Civis).

“Trump estava a usar Elon para se legitimar”, afirma Derwin. “Isto diz aos eleitores pouco informados que Trump não pode ser assim tão mau, porque aqui está Elon Musk, completamente pendente das suas palavras. Foi por isso que cancelei a encomenda. É importante haver uma oposição com princípios.”

Musk recusou prestar comentários para este artigo, mas tem defendido que os moderados devem envolver-se com Trump, em vez de deixar que o Presidente seja aconselhado apenas por extremistas.

O protesto pessoal de Derwin transformou-se agora numa campanha pública plena para obrigar Musk a cortar todas as ligações com Trump. Derwin é o financiador secreto dos cartazes que apareceram nas últimas semanas perto da sede e da fábrica da Tesla em Silicon Valley, que diziam: “Elon: Please Dump Trump” (“Elon, por favor, larga o Trump”). E, na segunda-feira, Derwin lançou um novo website – www.elondumptrump.com – que contém vídeos de donos de carros Tesla insatisfeitos, autocolantes “Elon: Dump Trump” e chapéus e camisolas que dizem “Resist” (“Resiste”).

Isto é só o começo. Derwin, de 59 anos, está preparado para gastar dois milhões de dólares (cerca de 1.874.050 euros) em protestos contra Musk e Trump. Comprou 500 mil dólares de espaço publicitário nos meios de comunicação, incluindo anúncios que vão ser publicados hoje, 23 de Abril, nos jornais New York Times, Washington Post, San Francisco Chronicle e San Jose Mercury News e anúncios de televisão que vão aparecer durante os programas Meet The Press, Morning Joe e Full Frontal with Samantha Bee.

Vai também criar cabines de informação em universidades, numa tentativa de dissuadir jovens engenheiros de irem trabalhar para a Tesla ou para a Space Exploration Technologies Corp., a empresa de foguetões de Musk. O investidor oferece-se para pagar a pessoas que lhe enviem as entradas que fizeram para a compra do próximo Tesla Model 3, se estes cancelarem as suas encomendas. E vai juntar-se a grupos anti-Trump em Silicon Valley para que estes incluam o ataque a Musk nas suas campanhas.

Derwin dedicou a maior parte da sua carreira a questões jurídicas e investimentos em startups em Silicon Valley. Nunca teve um Tesla e não seguia todos os passos de Musk – o que faz com que a sua nova obsessão pareça ainda mais quixotesca. A sua raiva resulta mais de um ódio a Trump, com Musk a servir de veículo para essa ira.

“O pior que pode acontecer é eu perder algum dinheiro e talvez fazer figura de idiota em público”, diz Derwin. “Mas pareceu-me que faria sentido atacar Trump como pudesse.”

Como é que se faz a quadratura do círculo?

Musk tornou-se um fenómeno de culto de personalidade e tem sido um combatente incansável contra as alterações climáticas. É compreensível que os clientes leais tenham ficado zangados quando ele começou a aparecer na Trump Tower e se juntou ao conselho consultivo empresarial de Trump.

Muitos dos clientes da Tesla partilham as preocupações de Elon Musk e compraram os seus produtos como forma de o afirmarem. Em contrapartida, Trump descreveu o aquecimento global como um embuste e flexibilizou as políticas ambientais, ao mesmo tempo que se rodeou de pessoas que disputam o consenso científico sobre as alterações climáticas. Tem sido difícil para muitos fãs de Musk fazerem a quadratura do círculo.

Travis Kalanick, o CEO da Uber Technologies Inc., abandonou rapidamente o fórum de empresários criado por Trump depois de repercussões negativas na Internet. No entanto, Musk manteve-se inflexível perante as críticas no Twitter e na imprensa. Peter Thiel, velho amigo e sócio de Musk, é um conselheiro próximo de Trump, e portanto existe ali uma afinidade. Musk também defendeu no Twitter que faz sentido ter uma voz moderada o mais próximo possível de Trump, para o influenciar em certas questões.

Musk é extremamente lógico e suficientemente inteligente para lucrar com oportunidades, como ter uma relação próxima com o Presidente. Por várias vezes, Musk viu os lobistas dos sectores automóvel, aerospacial e energético a influenciarem políticas a favor das empresas incumbentes, ao mesmo tempo que posicionavam Musk e as suas empresas como charlatões radicais. Agora, Musk pode ter uma vantagem junto da Administração e virar as coisas a seu favor.

Para um homem que quer colonizar Marte e ter carros eléctricos a encher a Terra, faz sentido ter amigos em lugares importantes. Por exemplo, Musk tem feito pressão para que Pete Worden, apoiante de longa data do mercado espacial comercial, seja nomeado o novo director da NASA. Worden foi conselheiro da SpaceX no seu início e poderia defender a empresa.

Musk ainda brilha?

No entanto, Derwin afirma que Musk já perdeu qualquer influência que possa ter existido. Apesar da presença de Musk, Trump avançou nos cortes ao financiamento da ciência e da Agência de Protecção Ambiental norte-americana, ao mesmo tempo que reduzia as regulações sobre as empresas de exploração de carvão. “À excepção de colocar uma pilha de pneus velhos no relvado da Casa Branca e pegar-lhes fogo, não sei se Donald Trump podia fazer pior pelas alterações climáticas”, afirma Derwin. “Musk foi enganado por Trump. Não ganhou absolutamente nada.”

Recentemente, Derwin contou ao grupo de Musk sobre a sua campanha e pediu para se reunir com o CEO. Musk recusou, mas enviou três subalternos para conversar com Derwin. A reunião não teve grandes resultados, conta Derwin, levando-o a avançar com o website e outros projectos. Musk recusou prestar declarações através de um porta-voz.

“Se Elon se demitir dos conselhos e se manifestar contra as acções de Trump, eu cancelo a campanha”, garante Derwin. Comprometeu-se a doar um milhão de dólares a uma organização de solidariedade à escolha de Musk, se este usar um chapéu “Resist” e escrever no Twitter que discorda das políticas de Trump em relação às alterações climáticas.

Derwin tem pela frente uma tarefa muito difícil. Musk adora a oportunidade de provar que os seus críticos estão enganados e raramente recua numa luta. A polémica sobre ser conselheiro de Trump dissipou-se, e Musk continua a deslumbrar os fãs e a espantar os opositores: o preço das acções da Tesla atingiu valores recorde este ano e a SpaceX causou uma reviravolta na indústria aeroespacial ao demonstrar as capacidades dos seus foguetões reutilizáveis. O fardo que representam as associações a Trump nos círculos de Silicon Valley não parece ter tido grandes efeitos no brilho de Musk.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post Syndication/Bloomberg

Tradução: Rita Monteiro

Sugerir correcção
Ler 3 comentários