“É inaceitável que a banca ponha uma cruz em cima do sector da construção”

Pedro Gonçalves, presidente do Vallis, espera que “um dia a história se escreva e se faça justiça” a algumas instituições financeiras “que tiveram a visão de perceber que, na economia, nem só os bancos são sistémicos. Há outras áreas”

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Pedro Gonçalves: “O sector da construção teve um peso excessivo” mas “as culpas terão de ser repartidas” Adriano Miranda

A Ramos Catarino foi o último grupo a integrar o portfólio das empresas de construção que integram o fundo Vallis, criado em 2011 para acelerar a recuperação de algumas empresas do sector. Com balanço reforçado, prepara-se para retomar o lugar de destaque que já ocupou no mercado. Pedro Gonçalves, presidente do conselho de administração da Vallis e do grupo Ramos Catarino, diz que actualmente o mercado português, com os investidores privados e o mercado da reabilitação urbana a trazer confiança ao sector da construção, atravessa um bom momento para relançar empresas como a Ramos Catarino.

Há um ano, quando se soube que o grupo Catarino iria integrar o fundo Vallis, a família tinha em curso vários processos especiais de recuperação (PER). Como é que eles ficaram resolvidos e como é que a empresa está actualmente em termos de balanço? 
O negócio soube-se há um ano, mas a escritura só foi feita em Setembro. A Vallis não integrou todas as empresas do grupo, só aquelas que estão mais ligadas ao sector da construção, decoração e design. As outras ficaram na família. Actualmente, os PER que envolviam essas empresas estão todos terminados e aprovados, e a empresa está com um balanço reforçado e pronta para discutir no mercado, mostrando bons indicadores financeiros. Temos um rácio de autonomia financeira de 16,1% e uma liquidez geral de 2,75. Se olharmos só para os indicadores da construtora, a autonomia financeira atinge os 21,4% e a liquidez, 6,96. Estes números comparam bem com o das empresas que estão no mercado.

Há a expectativa de que o grupo Elevo, onde estão agrupadas as outras construtoras do fundo, venha a ser alienado a eventuais investidores. O ramo da construção do fundo Vallis ficará com a Ramos Catarino ou pretende aliená-la também?
O grupo Ramos Catarino (RC) está posicionado de uma forma diferente das outras construtoras que acabaram por ser agregadas no grupo Elevo, não só porque tem um espaço próprio e uma estratégia própria, mas também porque estão num estádio muito diferente. As empresas que constituem a Elevo foram adquiridas há já cinco anos, têm uma história e um percurso de cinco anos, têm uma maior maturidade.

Vão ser vendidas?
Não nos podemos esquecer qual é a própria vocação de um fundo como o Vallis, que é um fundo de recuperação. Reestruturadas que estejam as empresas, elas devem ser colocadas no mercado. A vocação dos investidores do fundo não é ficarem eternamente donos de empresas de construção, neste caso em concreto. As empresas que constituem o grupo Elevo têm um percurso já de cinco anos, já colocaram no terreno um determinado plano estratégico e atingiram determinadas metas. Enfim, torna-se natural pensar na sua alienação em termos de sociedade gestora do fundo. O caso da Ramos Catarino é diferente. Não fechamos as portas se aparecer um interessado no grupo, mas entendemos que ainda há aqui um trabalho de consolidação do processo de recuperação.

O que está ainda por fazer?
A reorganização da empresa, o próprio quadro humano, tudo isso está por fazer. Se as oportunidades aparecerem, não deixaremos de ver com atenção. Mas, neste momento, estamos concentrados em fazer o seu relançamento, em criar uma estratégia de crescimento. Houve ainda outra diferença relativamente às outras empresas de construção que integram o grupo Elevo. Decidimos fazer a aquisição apenas de 75% do capital e não 100%. Assim, mantemos o interesse accionista de sinalizar o legado que vem de trás, a rede de clientes, à qual damos muita importância.

O sucesso da recuperação das empresas está sempre dependente da atitude com que o sector financeiro olha para ela. Como é que tem sido com as empresas de construção?
Em mercados maduros como é o nosso, onde há bastante competitividade ao nível dos construtores, é normal que os clientes procurem ter as melhores condições de pagamento. Em muitos casos, significa que tem de se pagar primeiro a fornecedores antes de receber de clientes, o que obriga a ter instrumentos que só o sector financeiro pode dar. E aqui está a haver sinais fortíssimos de uma contradição. Isto é, o sector financeiro está a acreditar na retoma da área de construção, colocando dinheiro do lado do imobiliário, mas está muito retractivo no apoio que dá a quem tem de construir.

Como assim?
O sector financeiro está a acautelar-se, exigindo ao promotor imobiliário que exija ao construtor um determinado tipo de garantias. Mas depois não as aceita quando é o sector da construção quem lhas vai pedir! É preocupante o movimento de concentração a que estamos a assistir, o estreitamento de alternativas e de interlocutores que as empresas têm. Um dos mais activos players do mercado da construção no sector da reabilitação em Portugal é uma empresa espanhola. É por acaso? Se calhar, não é.

A banca já está em condições de poder acompanhar as empresas de construção?
Na minha opinião, sim. A prova é que há bancos que acompanham — perceba a delicadeza da posição em que eu estou [os bancos Millennium BCP e Novo Banco têm participações do fundo Vallis]. Mas tenho de dizer que há bancos que acompanham e que continuam capazes de entender o negócio, e de pôr à disposição instrumentos para esses negócios. E também há outra banca, cujo modelo de negócio é tão avesso ao risco que não chegam sequer a fazer análises. Provavelmente, há uma banca cujo modelo de negócio futuro para a sua rentabilidade passa por — aliás, como todos os dias lemos no jornal que há alguém que o vai fazer — aumentar comissões.

Não acha normal que, depois de tantos desvarios, sejam exigidas garantias?
Se tivermos uma banca cujo único critério seja o dos colaterais e o das garantias que possam ser prestadas pelo promotor, esqueçam, que não iremos ver crescer a nossa economia como precisamos.

Não concorda que a exposição da banca ao sector da construção foi excessiva?
Se me disser que o sector da construção teve um peso excessivo, concordo. Mas as culpas terão de ser repartidas. Se as instituições internacionais tivessem pensado isso de Portugal, tínhamos fechado as portas em 2011. Os investidores continuam a comprar divida pública, porque acreditam que, depois de ter tido uma fase em que pode ter cometido erros na sua estratégia, o país tem outro caminho. O que gostaria de ver era a banca olhar, hoje, para a realidade do sector da construção, olhando para um sector que teve de se regenerar, que se reajustar, que se readaptar. Já acho inaceitável que se ponha uma cruz em cima de um sector por inteiro.

A construção está a ser crucificada pela banca?
Pode ser que um dia a história se escreva e se faça justiça a alguns protagonistas de bancos, que tiveram a visão de perceber que na economia nem só os bancos são sistémicos. Há outras áreas. Se quando a crise eclodiu em 2012 não tivesse havido essas instituições, e essas pessoas, garanto que teríamos tido uma crise económica e social ainda maior, muito mais profunda. Há sinais, agora, de que a retoma pode acontecer. Mas todos os agentes neste processo têm de o entender. O sector financeiro também.

Não está optimista com a sustentabilidade da retoma do sector?
Eu não gosto de usar a palavra “optimista”. Prefiro dizer que estou “confiante”. Estamos a assistir ao reaparecimento de um fenómeno que já vem do tempo dos meus avós, que aplicavam o dinheiro no construído, no imóvel, no arrendamento. Isso está a acontecer no habitacional, mas também no retalho, uma área que também nos interessa muito.

O grupo Ramos Catarino actua em todas essas áreas: habitação, comércio, indústria. Que peso tem cada uma delas no grupo?
Hoje deveremos estar com 30% no residencial, 30% no comercial, 30% no turismo e 10% no industrial. O meu objectivo é, claramente, ver o industrial a subir. Mas gostaria de ver os quatro segmentos sempre equilibrados, porque são todos importantes, e podem ajudar a ter algum efeito anticíclico.

E quais são os mercados estratégicos do grupo Ramos Catarino?
Os quatro mercados em que está actualmente. Em Portugal, queremos recuperar a dimensão que já tivemos. Se for executada, já temos uma carteira de encomendas que nos vai permitir duplicar a actividade. Em Espanha, para nós um mercado importante, basta dizer que facturamos 15 milhões, enquanto em Portugal facturamos dez. Não queremos propriamente aumentar a actividade, mas sim melhorar a rentabilidade. Os outros dois, a França e o Reino Unido, são os nossos dois mercados de crescimento. Em França, temos em curso, neste momento, dez obras. Não estamos propriamente a construir de raiz, estamos a reabilitar. O modelo nestes países, ao contrário da tradição em Portugal em que se lança uma empreitada geral, chave-na-mão, é lançar lotes por especialidades. O que nos dá algumas vantagens, temos mais oportunidades de entrada e permite-nos dar passos mais seguros. Foi assim que fizemos no Reino Unido, onde só chegámos há três anos. Começou por obras de 100 mil libras (113,5 mil euros) até chegar a um contrato de 3,5 milhões de libras.     

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