Banca: venda abusiva de produtos aos clientes punida com expulsão

Instituições financeiras vão ter de guardar provas do cumprimento de obrigações legais, avaliar se os produtos que estão a vender são adequados ao cliente e se os funcionários estão qualificados para exercer a actividade.

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Lei procura evitar novos casos de lesados na banca portuguesa. LUSA/Gregório Cunha

Depois das muitas e graves falhas na comercialização de produtos bancários na Europa, de que são exemplo em Portugal os casos dos lesados do BES e do Banif, entre outros, a protecção dos clientes particulares vai ser reforçada na legislação nacional, através de directivas e regulamentos comunitários que impõem regras mais apertadas desde a concepção dos produtos até à sua venda final, sem esquecer as sanções decorrentes do não cumprimento das normas legais.

O ante-projecto que altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), para além de outros diplomas, a que o PÚBLICO teve acesso, vem regular a actuação das instituições de crédito no âmbito da criação e comercialização de produtos e serviços bancários de retalho, mas também responsabilizar mais a hierarquia de decisão. 

Assim, ao regime de infracções especialmente graves é incluído o não cumprimento dos deveres a observar na criação e comercialização de produtos e serviços bancários criados pela alteração legislativa. Mas é ao nível das sanções acessórias que vai ser acrescentada uma alínea que afectará mais os gestores bancários. Essa adenda estabelece “a revogação da autorização ou o cancelamento do registo para o exercício de funções de administração, gestão, direcção ou fiscalização em quaisquer entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal”.

É que boa parte das alterações - que terão de ser aprovada em Conselho de Ministros, seguindo depois para a Assembleia da República - assenta na criação de um modelo de governação e monitorização interno que envolve várias hierarquias. “As instituições de crédito devem estabelecer e aplicar procedimentos específicos para a governação e monitorização dos produtos e serviços bancários de retalho, aplicáveis à criação, desenvolvimento, concepção, combinação ou alteração significativa desses produtos e serviços e à comercialização (…), de modo a garantir que os interesses, objectivos e características dos clientes destinatários dos mesmos sejam tidos em conta, com a finalidade de prevenir potenciais prejuízos para os clientes e de minimizar o risco de conflitos de interesses”, estabelece o diploma.

E são as instituições que ficam com o ónus da prova de cumprimento das regras, uma exigência que até agora não se verificava e que tornava difícil a prova de situações lesivas para os clientes. “As medidas adoptadas pelas instituições de crédito no contexto da criação, desenvolvimento, concepção, combinação ou alteração significativa de produtos e serviços bancários de retalho devem estar devidamente documentadas e registadas para efeitos de auditoria, estando as instituições de crédito obrigadas a proceder à sua disponibilização ao Banco de Portugal, sempre que este o solicite”.

Neste domínio, é dado um passo em frente, a pensar nas novas formas de comercialização dos produtos, nomeadamente por telefone e outros meios electrónicos, ao estabelecer a exigência de criação de gravações e outros meios.

Nos meios de prova, assume também relevância a obrigatoriedade de as instituições solicitarem aos clientes “informação que lhes permita avaliar se o produto ou serviço oferecido é adequado aos interesses e às circunstâncias desse cliente”. E “nas situações em que concluam, em resultado da avaliação referida no número anterior, que determinado produto ou serviço bancário de retalho não é adequado aos interesses e às circunstâncias do cliente, as instituições de crédito estão obrigadas a advertir o cliente em causa desse facto, através de documento em papel ou noutro suporte duradouro”. Ou seja, a simples assinatura do cliente no âmbito da ficha normalizada do produto de que lhe foi explicado o risco do produto, uma prática comum até aqui, não será suficiente.

Na cadeia da responsabilização das instituições, compete aos órgãos de administração e fiscalização das instituições a criação de regras relativas “às qualificações, capacidade técnica e aos conhecimentos detidos pelos seus colaboradores, os recursos e os procedimentos de governação e monitorização a observar na criação e comercialização desses produtos e serviços, tendo em conta a natureza, a escala e a complexidade das suas actividades e os requisitos legais e regulamentares aplicáveis”.

A lei enquadra ainda a “política de remuneração das pessoas singulares que, ao serviço da instituição de crédito, têm contacto directo com clientes bancários no âmbito da comercialização de produtos e serviços bancários de retalho e, bem assim, das pessoas singulares que, directa ou indirectamente, estão envolvidas na gestão ou supervisão dessas pessoas, de modo a encorajar uma conduta empresarial responsável, o tratamento equitativo dos clientes e a evitar conflitos de interesses nas relações com os clientes”.

O Banco de Portugal, por aviso, fica com competências para estabelecer critérios específicos a observar pelas instituições financeiras consagradas no diploma. 

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