Desigualdade salarial

Em suma, se se pretende que Portugal apresente uma menor desigualdade salarial, nomeadamente deslocando o salário médio e mediano para valores mais elevados, não basta alterar as condições em que se desenrola a negociação coletiva.

Portugal é um país desigual. Usando o coeficiente de Gini como indicador do nível de desigualdade, Portugal é o terceiro país mais desigual da OCDE, atrás da Irlanda e da Grécia, se considerarmos os rendimentos brutos. A desigualdade diminui substancialmente quando se analisam os rendimentos após impostos e subsídios. Neste caso, a posição de Portugal passa para o décimo segundo lugar, sendo os países mais desiguais o Chile, o México, a Turquia e os Estados Unidos. Estes resultados mostram que o Estado Social, característico dos países europeus, é um instrumento relevante na redistribuição do rendimento a favor das famílias com menores recursos.

Sendo os rendimentos do trabalho a principal fonte de rendimentos da maioria das famílias portuguesas, a desigualdade salarial será certamente um dos fatores determinantes da desigualdade de rendimentos observada em Portugal. Aliás, a disparidade salarial no setor privado voltou a estar no centro da discussão nas últimas semanas, após alguns partidos à esquerda do espectro político se terem insurgido contra o facto das remunerações de alguns gestores de empresas cotadas ultrapassarem em várias dezenas os salários médios das respetivas empresas. Porém, a análise da desigualdade salarial não deve apenas focar-se na relação entre os extremos, mas sim considerar as diferenças que ocorrem em toda a distribuição salarial.

Quando observamos os dados mais recentes disponíveis, Portugal apresenta os que chamaríamos de uma desigualdade assimétrica: se dividirmos os trabalhadores portugueses em duas metades, sendo a primeira metade constituída pelos trabalhadores com menores salários e a segunda com os trabalhadores de maiores remunerações, as diferenças salariais entre os trabalhadores da primeira metade são relativamente baixas, enquanto as diferenças entre os ganhos dos trabalhadores da segunda metade são substancialmente elevadas. Em 2014, o ganho salarial do trabalhador situado na fronteira entre os dois grupos era cerca de 790 euros, 1,7 vezes o valor salário mínimo desse ano (475 euros). Por outro lado, os 10% dos trabalhadores com remunerações mais elevadas auferiam em média 3190 euros, ou seja, mais de quatro vezes o valor do ganho salarial do trabalhador mediano.

Para compreender as origens desta deste padrão de desigualdade, é necessário perceber o que determina o salário de cada trabalhador. Um conjunto de determinantes está associado às características da empresa e do setor de atividade do trabalhador. Empresas de maior dimensão, de capital intensivo, em setores mais protegidos da concorrência internacional, e que beneficiam de lucros de tipo monopolista, tendem a pagar salários mais elevados que a média, como são o caso das empresas do setor dos transportes, da energia ou do setor financeiro. Regra geral, estes setores também são aqueles com maiores taxas de sindicalização onde o peso da negociação coletiva na determinação dos salários é mais relevante. Um segundo conjunto de determinantes está relacionado com as características específicas de cada trabalhador, em termos da sua idade, estado de saúde, nível de educação, capacidade cognitiva, ou género, entre outras.

Se pretendermos diminuir as desigualdades salariais, deveremos em primeiro lugar avaliar qual o contributo de cada uma das determinantes na formação dos salários para a desigualdade. O estudo “Wage Inequality, Business Strategy and Productivity: Evidence from Portugal”, apresentado na 7ª Conferência "Desenvolvimento Económico Português no Espaço Europeu", pretende dar uma resposta a esta questão. Usando dados do período de 2002-2009, conclui que a principal determinante da desigualdade são as diferenças entre as características dos trabalhadores, explicando estas 73% da desigualdade total, enquanto o setor de atividade e as políticas de remuneração das empresas explicam 7% e 13% da desigualdade total, respetivamente. Naquilo que é específico de cada indivíduo, o nível de educação explica 16% mas o mais relevante são outras componentes das qualificações dos trabalhadores, como a área de formação, as capacidades técnicas ou de relacionamento interpessoal, designadas genericamente de “soft skills”, as quais explicam no seu conjunto 42% da desigualdade.

Em suma, se se pretende que Portugal apresente uma menor desigualdade salarial, nomeadamente deslocando o salário médio e mediano para valores mais elevados, não basta alterar as condições em que se desenrola a negociação coletiva. À medida que a taxa de desempego se aproxima da taxa de desemprego natural, é particularmente importante olhar para a qualidade do emprego existente e a criar. Para tal, é fundamental uma política de formação profissional e de educação ao longo da vida efectiva, ajustada às necessidades do mercado de trabalho e às características dos trabalhadores, bem como uma cultura empresarial de formação dentro da empresa, capacitando os trabalhadores de qualificações ajustadas, e ajustáveis, quer a uma procura global em constante mutação, quer a alterações tecnológicas cada vez mais rápidas.

 

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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