Deputados chumbam nomeação do presidente do regulador da aviação

Comissão de Economia e Obras Públicas recomenda ao Governo que desista da nomeação de Luís Ribeiro para liderar a Autoridade Nacional da Aviação Civil. “O Governo deveria ponderar seriamente a sua substituição”, diz o relatório parlamentar.

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O INAC deu lugar à ANAC, que tem como um dos dossiês mais urgentes a análise do consórcio que venceu a privatização da TAP Vasco Neves

O Governo escolheu para liderar a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) um responsável que apresenta limitações éticas e jurídicas para desempenhar o cargo. É essa a leitura que se faz do relatório da Comissão de Economia e Obras Públicas (CEOP) sobre a audição de Luís Ribeiro, que é quadro da Direcção-geral do Tesouro e faz parte dos órgãos sociais da ANA – Aeroportos de Portugal, e que o Governo indigitou para presidir à entidade que regula, supervisiona e fiscaliza o sector da aviação civil.

O relatório da audição, a que o PÚBLICO teve acesso, foi aprovado por unanimidade na quarta-feira na reunião da CEOP e enviado ao Governo, que agora deverá proceder à nomeação. Porém, se a concretizar, estará a fazer tábua rasa de uma recomendação da Assembleia da República (AR): “O Governo deveria ponderar seriamente a sua substituição [de Luís Ribeiro] como nomeado para presidente da ANAC”, lê-se no documento, que teve como relator o socialista Rui Paulo Figueiredo.

Apesar de se referir no relatório que o conteúdo do documento exprime a opinião do deputado relator, o texto foi aprovado sem objecções pelos demais grupos parlamentares. E é um texto crítico, em que se considera que o actual administrador executivo da Portway (empresa de handling da ANA, a cuja administração também pertence) “não poderá exercer as suas funções em toda a sua plenitude em razão de incompatibilidades e impedimentos”, nem tem “experiência profissional consistente e adequada às funções” de presidente da ANAC.

A nomeação do gestor, que transitou da administração da ANA pública para a administração da ANA privada (ou seja, já sob gestão da francesa Vinci) mereceu reparos à Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) e motivou um “parecer adequado com limitações” (que foi enviado pelo Governo aos deputados). Em larga medida pelo facto de o gestor possuir vínculo contratual com entidades que estão na esfera de supervisão da ANAC, nomeadamente a ANA e a sua subsidiária Portway (ainda que o vínculo se extinga com a entrada na ANAC). Uma situação que “pode dificultar uma cultura de independência e criar, mais facilmente, oportunidades de captura”, segundo refere o relatório da CEOP.

Por outro lado, a comissão presidida por João Bilhim também destacou, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, que Luís Ribeiro não tem qualquer experiência ou formação específica nas áreas da regulação (contrariando um dos requisitos exigidos para estes cargos).

Perante os deputados, na audição de 16 de Julho, Luís Ribeiro recusou estar “capturado por interesses de qualquer parte regulada”, referindo mesmo que, embora o seu salário seja pago pela ANA/Vinci, o seu vínculo com a gestora aeroportuária “é um contrato de mandato”. “O meu único vínculo estável é com a DGT. Era funcionário público, fui requisitado na ANA, quando ainda era empresa pública e esse mandato foi mantido após a privatização”, tendo terminado em Dezembro, esclareceu.

Mas se Luís Ribeiro “assumiu o impedimento ético de se pronunciar em processos decisórios de entidades de onde tenha vindo”, os impedimentos surgem também no plano jurídico, já que ficará impedido de participar em quaisquer procedimentos em que intervenham a ANA e as suas participadas. “A ser nomeado pelo Governo não poderá participar em quaisquer procedimentos administrativos em que as empresas ANA, Portway e ANAM intervenham, o que diminuirá muito a amplitude da sua actuação”, diz o relatório.

Neste processo de nomeação, o deputado comunista Bruno Dias também não poupou críticas à actuação da CRESAP, que se terá “esquecido”, ao emitir um parecer adequado, ainda que com limitações, que o regime jurídico das incompatibilidades aplicável prevê precisamente um “período de nojo” que impedirá que durante três anos o futuro líder da ANAC actue em questões que envolvam a ANA/Vinci. “Como vai aplicar sanções e supervisionar estas empresas? Ou agir em processos judiciais que as envolvam?”, questionou Bruno Dias.

Já no caso de Carlos Seruca Salgado, que foi indigitado para o cargo de vice-presidente da ANAC e foi ouvido pelos deputados no dia 15, o relatório da CEOP refere que, apesar de não possuir “formação específica aprofundada em termos de regulação económica”, “tem como aspectos positivos a sua experiência operacional e internacional e um relativo conhecimento das matérias de segurança”. Ainda assim, “se o Governo persistir nesta nomeação, importará criar condições para que as limitações apresentadas (…) sejam solucionadas no curto prazo”, lê-se no relatório.

Fora destas audições ficou Lígia Fonseca, que irá manter-se na administração da ANAC em regime de substituição. Depois de, no ano passado, ter estado envolvida em polémica por ter sido nomeada para o antigo INAC (antecessor da ANAC) sem parecer prévio da CRESAP, como manda a lei, esta antiga técnica do Ministério da Economia deverá manter-se na administração do regulador da aviação civil, pelo menos até entrada em funções do novo Governo.

Fonte do Ministério adiantou ao PÚBLICO que apenas recebeu na segunda-feira o parecer da CRESAP sobre esta gestora. Sem querer adiantar o sentido do parecer, frisou apenas que este “não é vinculativo” e explicou que foi “apenas por uma questão de tempo” que não foi promovida a audição de Lígia Fonseca na CPEOP, visto haver outras audições agendadas e os trabalhos formais do Parlamento terminarem na quarta-feira.

Adiantando ainda que “a ANAC tem de ter no mínimo três elementos no conselho de administração”, fonte do ministério de Pires de Lima adiantou que “caberá ao próximo Governo” encontrar uma solução “mais estável e duradoura para a administração da ANAC”.


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