Corrupção – a realidade e a percepção do problema

Foi publicado recentemente o último relatório de avaliação comparativa dos índices de corrupção percepcionada em cada país do mundo. O CPI (Corruption Perception Index) é um trabalho realizado pela Transparência Internacional, que teve a sua primeira edição em 1995 e que, de então para cá, tem sido publicado todos os anos. A partir da leitura desses relatórios (http://www.transparency.org/research/cpi/overview) é possível verificar que Portugal se tem posicionado no grupo dos trinta e cinco países do mundo com menores índices de percepção de corrupção.

Este índice é traduzido numa escala que varia entre 0 e 10, em que 0 significa a existência de uma percepção de corrupção muito elevada, e 10 uma percepção contrária, ou seja de grande transparência e ausência de corrupção. O índice de cada país é aferido essencialmente a partir de um conjunto de indicadores de natureza social, económica e política, associados ao funcionamento da economia, dos mercados, dos índices de confiança sobre as instituições e administrações públicas, da mediatização da corrupção e também naturalmente da percepção dos próprios cidadãos acerca do problema nos seus países. Depois de encontrado o valor relativo a cada país, é estabelecida a listagem comparativa, que traduz uma espécie de ranking mundial de percepção da corrupção.

Porém, a leitura deste ranking tende a ser efectuada mais em função da posição de cada país e nem tanto em relação ao valor do índice propriamente dito. Para o caso de Portugal, verificamos que em 2014 ocupava o 31º lugar, e que agora, em 2015, surge na 28ª posição, o que por si só permitiu passar a mensagem de que o país melhorou a sua capacidade de combater e controlar a corrupção, dada a melhoria registada de subida de três posições na tabela do CPI.

Todavia, se em vez da posição relativa na tabela olharmos para o valor concreto do índice, verificamos que ele é exactamente o mesmo nos dois anos (6,3). E a partir desta leitura, que, em boa verdade, é a única que se pode e deve fazer, facilmente se compreenderá que a evolução registada nos dois anos traduz mais a ocorrência de alterações relativamente à percepção de corrupção nos países que se posicionavam junto a Portugal e menos relativamente a mudanças na nossa própria percepção sobre o problema no nosso país.

Por isto, importa reforçar e salientar que, apesar de se reconhecer a sua enorme importância, estes estudos traduzem apenas e só percepções sobre a corrupção. Eles pouco ou nada nos dizem relativamente à dimensão real do problema, que características apresenta, quais as áreas mais expostas à sua ocorrência, nem sequer quanto à eficácia dos mecanismos de controlo. Apesar de as leituras destes índices entrarem invariavelmente por essas dimensões, incluindo a leitura mediática, a verdade é que, com alguma probabilidade, elas podem apresentar pouca aderência com as reais características do problema.

E neste ponto suscita-se uma outra questão, que é a de saber de que modo se conseguem elementos acerca da realidade do fenómeno, uma vez que, por apresentar uma natureza tendencialmente secreta, traduzida pela ocorrência de práticas afastadas de toda e qualquer testemunha indesejável, se sabe que o problema da corrupção tende a apresentar uma dimensão considerável de cifras negras – a maior parte dos casos que ocorrem jamais será denunciada, investigada, esclarecida e punida, ou seja desenvolver-se-á apenas com o conhecimento daqueles que tiverem um envolvimento e um interesse directo na sua prática.

Na verdade não são conhecidos instrumentos capazes de aferir a dimensão real nem as características efectivas da corrupção num país. Alguns casos judiciais, sobretudo quando associados a destacadas figuras da vida política e do mundo dos negócios, falam publicamente, por vezes de modo escandaloso e com grande intensidade, de alguns contornos do problema, produzindo efeitos ao nível do processo de construção da percepção social sobre a corrupção (os portugueses têm evidenciado sinais de considerarem que vivem num país com elevados índices de corrupção, sobretudo praticada pela classe política). Mas, para lá destes efeitos ao nível das percepções e do discurso social, os casos mediatizados dificilmente podem ser considerados como a realidade do fenómeno ou como representantes dessa realidade no seu todo. Os casos judiciais de sucesso – em que há recolha de provas e aplicação de penas aos autores dos delitos – têm sido uma forma de conhecer algumas das características dessa realidade. Mas a existência de cifras negras deixa naturalmente uma zona sombria, que dificilmente se conhecerá de modo muito concreto.

Através dos elementos expostos acabamos por verificar que é particularmente difícil conhecer, no concreto, a dimensão real e as características da corrupção num país. E é neste enquadramento que os estudos sobre as percepções sociais do problema adquirem mais sentido. Independentemente da forma como são edificadas e da parte da realidade que porventura representem, elas traduzem o modo como as pessoas olham o problema e porventura como se relacionam com ele. Deste ponto de vista, estes estudos são importantes e necessários. São um modo de aproximação ao objecto que se quer conhecer.

Esclarecida esta dicotomia entre o objecto (o problema propriamente dito) e a sua projecção (percepção social sobre ele) e as limitações que cada uma destas realidades apresenta, vejamos os resultados de uma breve análise que fiz a partir dos valores dos índices CPI registados nos últimos dez anos para os 28 países da União Europeia. O pressuposto foi o de perceber se, como por vezes se afirma, Portugal é de facto um dos países com piores índices de corrupção no ranking da Europa.

Os dados que foram apurados permitem perceber que o valor do índice de Portugal acompanha muito de perto, parecendo quase um decalque, o valor do índice médio dos 28 países que fazem actualmente parte da União Europeia (UE). Mas se fizermos uma comparação segmentada com a média dos 15 países que integraram a UE até 1995 (Europa atlântica e central) e com a média dos 13 países que entraram na UE mais recentemente (a Europa de Leste), verificamos que temos uma percepção de corrupção pior do que a dos países da Europa atlântica e central, mas, em contrapartida, estamos melhores relativamente aos países da Europa de Leste.

O quadro revela ainda que, com excepção dos anos de 2007, 2009 e 2001 (Nova Zelândia), o melhor valor de entre todos os países do mundo tem sido alcançado pela Finlândia e Dinamarca, ou seja por dois dos países do grupo da Europa dos 15.

Membro do OBEGEF – Observatório de Economia e Gestão de Fraude

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