PS quer manter direcção da ERC até à compra da TVI pela Altice

Parecer da reguladora sobre a compra da TVI é obrigatório e PS considera que a substituição da sua direcção antes do negócio poderá ser interpretada como uma interferência. PSD recupera caso Sócrates e suspeitas de pressão sobre a TVI.

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Nelson Garrido

O PS quer adiar qualquer negociação com o PSD para a escolha dos novos responsáveis pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) enquanto a compra da TVI pela Altice não estiver terminada, soube o PÚBLICO. A decisão de parar qualquer esforço para desbloquear o impasse nas negociações sobre o órgão regulador da comunicação social foi tomada pela direcção socialista e pelo primeiro-ministro, António Costa.

A razão para suspender diligências parlamentares por parte da bancada socialista prende-se com o facto de a ERC, enquanto reguladora da comunicação social ser uma das entidades cujo parecer é obrigatório na compra da TVI pela Altice, uma vez que a estação televisiva contém a produção e a emissão de conteúdos jornalísticos. E apesar de a ERC poder vir a ter um papel menor no processo: como explicou ontem o PÚBLICO, se o negócio tiver que passar pelo crivo de Bruxelas, a avaliação da ERC limitar-se-á ao domínio da transmissão das licenças de televisão e de rádio, sem fazer a análise quantitativa e qualitativa de mercado nem o parecer vinculativo que tem quando o negócio é analisado pela Autoridade da Concorrência nacional.

O critério para se saber se a avaliação tem de passar pela Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia ou apenas pela Autoridade da Concorrência nacional passa pelos números da facturação, quota de mercado, e também pelo número das empresas do grupo Altice que se considera que estejam envolvidas no negócio - mas só daqui a algum tempo se saberá.

PS não quer criar ruído que prejudique negócio

A justificação para se congelar o processo de substituição na ERC, avançada ao PÚBLICO por fonte governamental, baseia-se na necessidade sentida pelos socialistas de não criar ruído que prejudique o negócio entre a Altice e a Prisa. Isto porque, na perspectiva dos socialistas, a nomeação neste momento de uma nova direcção para a ERC poderia ser interpretada como uma tentativa de interferência no processo destinada a influenciar o parecer que aquele regulador terá de emitir. É assim que podem ser lidas as declarações do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, sobre a proposta de compra da TVI, até ontem o único governante a falar sobre o assunto: "Há matérias que são da regulação do sector e a ela caberão. (...) Estou seguro que o regulador estará atento à situação”, disse, lembrando ao PCP que a Altice "opera em mercado, num sector regulado há vários anos" e que não cabe ao executivo intrometer-se.

A ERC é presidida por Carlos Magno, tendo como número dois Alberto Arons de Carvalho. Há meses que está a ser negociada entre o PS e o PSD a substituição da direcção cujo mandato já expirou. Mas o acordo ainda não foi obtido - e a equipa actual estará em plenitude de funções até que ele exista. A bancada do PS já escolheu os dois nomes que lhe cabe indicar: Mário Mesquita, professor e jornalista, e João Pedro Figueiredo, jurista da RTP.

Por sua vez, o PSD indicou a actual directora-executiva da ERC Fátima Resende e o jornalista Francisco Azevedo e Silva. Mas permanece o diferendo sobre o método de escolha de quem vai presidir, já que o PSD tem insistido que essa decisão deve ser tomada previamente à nomeação. Ferro Rodrigues, presidente do Parlamento, tinha feito um apelo aos dois partidos que chegassem a um acordo até à próxima terça-feira.

PSD volta ao caso Sócrates

No PSD, já se põe pressão sobre o executivo socialista. Com o pano de fundo do que se passou na anterior tentativa de compra da TVI pela Ongoing (que levou a um inquérito parlamentar visando a interferência de José Sócrates no processo), Passos já questionou os ataques de Costa à Altice no dia anterior ao anúncio do negócio, e Luís Montenegro respondeu com ironia a uma pergunta do Expresso sobre se aquela irritação de Costa teria a ver com este negócio: “Com os antecedentes do PS, não me admirava.”

Também Miguel Poiares Maduro, ex-ministro e conselheiro de Passos, levantou suspeitas, na sua página de Facebook, dizendo que o pedido público de Costa aos reguladores para analisarem a empresa, “em vez de ter reforçado a independência e autoridade dos reguladores minou a mesma". "Por exemplo, a aquisição da Media Capital coloca (na minha opinião) questões sérias de concorrência; qualquer decisão do regulador será agora vista com suspeita. As declarações do PM [primeiro-ministro] deixaram os reguladores numa posição extraordinariamente difícil para exercer as suas funções e o controle fundamental a que actividade da Altice deve estar sujeita”, acrescentou. 

Poiares Maduro ainda acrescentou que a conversa que Marcelo e Costa tiveram na sexta-feira com o presidente da Altice “é o modelo de intervenção aparentemente preferido pelo PM: negociar com a empresa fora do contexto legal de intervenção do Estado". "O problema é que não sendo tal reunião pública tudo o que acontecerá a seguir terá um manto de suspeição por cima. Por exemplo, se fizerem as pazes e o PM vier a moderar o seu discurso sobre a Altice ficará a dúvida sobre se obteve algo para o interesse público (e a que preço...) ou se foi apenas tranquilizado quanto à linha editorial futura da TVI…”

Não é a primeira vez, nas últimas semanas, que o PSD acusa o Governo de interferir de forma suspeita nos reguladores. A nomeação de dois quadros da PT para a Anacom (a Autoridade Nacional de Comunicações,  que também terá que analisar a proposta de compra) foi igualmente anotada como levantando suspeitas de parcialidade. Mas aqui, curiosamente, num sentido contrário - de poder beneficiar a operadora.

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